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A atuação do juiz no novo Código de Processo Civil e as medidas coercitivas impostas aos devedores

Na busca da efetividade dos processos judiciais, o novo Código de Processo Civil inovou ao permitir a adoção de medidas coercitivas nas ações que tenham por objeto a obtenção de prestação pecuniária.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Atualizado às 07:59

Na busca da efetividade dos processos judiciais, o novo Código de Processo Civil inovou ao permitir a adoção de medidas coercitivas nas ações que tenham por objeto a obtenção de prestação pecuniária. Tal novidade está contemplada no inciso IV do art. 139 do novo CPC inserto no capítulo que regula os Poderes, Devedores e Responsabilidade do Juiz (Capítulo I do Título IV) que assim dispõe:

"Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária"

Como se sabe, a lei anterior previa a possibilidade de medidas específicas para garantir a obrigação de fazer e não fazer, mas não contemplava igual possibilidade nas obrigações de pagar. A novidade mais impactante foi a prerrogativa conferida ao juiz de adotar meios para assegurar o cumprimento das suas próprias ordens judiciais, inclusive de ofício, sendo permitido ao magistrado "fixar os meios executivos sub-rogatórios mais adequados a proporcionar a satisfação integral do credor de tais obrigações1".

Nada obstante a recente previsão legal verifica-se que o dispositivo em questão já vem sendo aplicado pelos magistrados de primeiro grau e, igualmente, gerado controvérsia no âmbito dos Tribunais. Em recente decisão, a juíza de Direito Andrea Ferraz Musa determinou como medida coercitiva, em ação de execução, a suspensão da CNH, apreensão do passaporte do executado e o cancelamento dos cartões de crédito até o pagamento da dívida (Processo de Execução n.º 4001386-13.2013.8.26.0011, 2ª Vara Cível Foro Regional XI - Pinheiros TJ/SP).

A Juíza argumentou que "a ação tramita desde 2013 sem que qualquer valor tenha sido pago ao exequente. Todas as medidas executivas cabíveis foram tomadas, sendo que o executado não paga a dívida, não indica bens à penhora, não faz proposta de acordo e sequer cumpre de forma adequada as ordens judiciais, frustrando a execução. Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não tem recursos para viagens internacionais, ou para manter o veículo, ou mesmo manter um cartão de crédito".

Posteriormente o TJ/SP em decisão liminar suspendeu a decisão da juíza de 1ª instância sob a alegação de que a coação seria ilegal, pois afeta o direito de locomoção garantido constitucionalmente no artigo 5º, inciso XV. O recurso de Agravo de Instrumento e o HC aguardam decisão definitiva pelo Tribunal.

A questão tem gerado divergências entre os processualistas que apresentam opiniões antagônicas sobre o tema e também na jurisprudência. Isso porque alguns entendem como uma nova sistemática executiva e outros como uma possibilidade de adoção de medidas arbitrárias de restrição de direitos fundamentais.

Sobre a possibilidade da aplicação de restrições, como a suspensão de licença para conduzir veículos automotores, escreveu Olavo de Oliveira Junior, professor de Direito Processual Civil na PUC/SP "(...) ora, quem não tem dinheiro para pagar o valor que lhe é exigido na execução, nem tem bens para garantir tal atividade, também não tem dinheiro para ser proprietário de veículo automotor, e, por isso, não tem a necessidade de possuir habilitação. Com isso, suspender tal direito só viria a atingir aqueles que, de modo sub-reptício, camuflam a existência de patrimônio com o deliberado fim de fugir à responsabilidade pelo pagamento do débito. Nada impede que aquele que necessita exercer tal direito para sua sobrevivência, como é o caso do motorista profissional, solicite ao juiz o afastamento da limitação de direitos. Nesta hipótese, porém, inverte-se o ônus da prova no processo".

Contrariamente discorre o professor Daniel Amorim Assumpção Neves "(...) a execução será sempre real, e nunca pessoal, em razão de serem bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do exequente".2

Bruno Freire também comenta o dispositivo "Em comparação à disciplina do CPC revogado, vislumbra-se que o novo CPC detalhou mais os poderes-deveres do juiz, preocupando-se em fazer deles um reflexo dos princípios fundamentais do processo. Uma das novidades relevantes consiste no poder de adotar as medidas necessárias ao cumprimento de decisão judicial (IV), o que demonstra a importância da efetivação das ordens judicias".3

O Enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas analisa a possibilidade de medidas coercitivas "(...) contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II".

De acordo com o princípio do resultado e da menor gravosidade, a execução deve ser equilibrada, de modo que deve buscar atingir o resultado esperado, qual seja a satisfação do crédito. Entretanto, conforme discorre Marcelo Abelha "esta busca por resultados não pode ser feita sem critérios. Deve-se buscar a menor onerosidade para o devedor, isto é, a execução se faz no interesse do credor, mas é mitigado pelo princípio da menor onerosidade/gravosidade ao executado, ou seja, quando houver mais de uma forma de executar os bens do devedor, deve-se optar pela menos gravosa4". É a ideia da eficiência versus ampla defesa, deve haver a busca do equilíbrio entre a satisfação do crédito e o respeito aos direitos do devedor.

O conceito genérico do artigo 139 pode motivar o juiz a dispor de diversos meios para coibir o devedor ao pagamento, que não sejam apenas de cunho patrimonial. Este dispositivo aumenta a aplicação do artigo 536, §1º do novo CPC, permitindo uma cláusula geral de efetivação para todas as obrigações.

Em face do novo CPC, parece-nos evidente que esta cláusula geral de efetivação implicará um ônus argumentativo diferenciado para o juiz ao fundamentar e se valer da medida, especialmente pela determinação contida no artigo 536, §1º do novo CPC e por se tratar de um conceito jurídico que atribui amplos poderes ao magistrado na busca pela efetividade da execução (aplicação de multa, restrição de direito, a vedação à participação em concurso público etc.).

Pois bem, levando-se em consideração todos os argumentos trazidos, é possível ao magistrado restringir direitos individuais do devedor para coagi-lo a satisfazer obrigações pecuniárias, com base no artigo 139, IV do novo CPC?

Em regra, o princípio da responsabilidade patrimonial, previsto no artigo 789 do novo CPC, resguarda os direitos individuais do devedor, fazendo com que a execução recaia apenas sobre os seus bens presentes e futuros, mas sua colisão é constante com o princípio da efetividade da tutela executiva. A propósito, o STJ já decidiu que, "ainda que se reconheça que a execução deve ser realizada de forma menos onerosa ao devedor (art. 620 do CPC de 1973), não se pode desprezar o interesse do credor e a eficácia da prestação jurisdicional ".5

Neste sentido, o novo CPC impeliu esforços em aprimorar aspectos processuais para mitigar os efeitos daqueles que se opõe maliciosamente ao cumprimento da ordem judicial, o que pode ocasionar em restrições de cunho pessoal.

No Enunciado nº 48 da Escola Nacional da Magistratura - ENFAM, os magistrados reconhecem que "o artigo 139, inciso 4º, traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos".

Portanto, é possível concluir que a análise da violação ao princípio da menor onerosidade da execução deve ser efetuada caso a caso, sendo, portanto, possível a aplicação de medidas processuais coercitivas ou sub-rogatórias. Lembrando que, cada uma dessas medidas deve ser bem fundamentada, demonstrando-se a coerência na restrição imposta.

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ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comparado. 2ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2015.

GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Editora RT, 2003, p. 122.

SILVA, Bruno Freire. O novo CPC e o processo do trabalho I: parte geral. São Paulo: LTr, 2015.

SHIMURA, Sérgio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novas perspectivas da execução civil - cumprimento da sentença. São Paulo: Método, 2005, p. 197.

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1 Marcelo Lima Guerra. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 122.

2 SHIMURA, Sérgio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novas perspectivas da execução civil - cumprimento da sentença. São Paulo: Método, 2005, p. 197.

3 SILVA, Bruno Freire. O novo CPC e o processo do trabalho I: parte geral. São Paulo: LTr, 2015.

4 ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

5 STJ, REsp 801.262/SP, 3ª Turma, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, v.u., j. 06.04.20016, DJ 22.05.2006, p. 200.

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*Carolina Ferreira de Sousa é advogada do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.


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