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Compliance e o risco da não conformidade ou non-compliance

O termo compliance possui um sentido mais amplo no ambiente de negócios, podendo também ser entendido como programa de integridade, governança empresarial ou ética corporativa.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Atualizado às 10:20

Com a alteração da lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro em 2012 e a promulgação das leis Anticorrupção e do Crime Organizado em 2013, o país ganhou três importantes marcos legislativos determinantes para a evolução dos níveis de compliance rumo ao comprometimento da pessoa jurídica com as práticas empresariais legais e éticas na condução dos seus negócios.

Se antes, a corrupção parecia ser um bom negócio no Brasil, permitindo muitas vezes a obtenção de lucrativos negócios empresariais, bem como de um alvará ou licença de forma mais rápida e mais econômica, ajudando a aumentar a previsibilidade do empreendimento, ganhar tempo e encontrar atalhos para eliminar custosos entraves burocráticos, atualmente a realidade é outra.

As grandes operações de investigação da polícia federal que redundaram em denúncias oferecidas em ações penais no âmbito da Lava Jato, Zelotes e Janus a um grande número de políticos, empresários e executivos em especial por delitos de corrupção, lavagem de dinheiro e crimes em licitações e contratos com o Poder Público, ajudaram as empresas brasileiras a se conscientizar sobre os riscos de fraudes internas, corrupção e não conformidade com as leis e regulamentos. Com isso, o compliance passou a exercer um papel fundamental na decisão de negócios.

Um indício dessa mudança é a valorização que as empresas têm dado aos mecanismos, práticas e programas de compliance, palavra inglesa que significa conformidade com leis e princípios éticos. O termo compliance possui um sentido mais amplo no ambiente de negócios, podendo também ser entendido como programa de integridade, governança empresarial ou ética corporativa.

O compliance exige a adoção por parte das empresas de mecanismos e processos internos para apurar e prevenir práticas ilegais ou antiéticas a fim de obter maior controle e transparência nas ações e negócios empresariais. A implantação de novas diretrizes e ações propostas vão desde a criação de um código de ética e conduta, maior detalhamento dos dados financeiros da empresa em seu balanço e técnicas de compliance, tais como análise de riscos, instalação de investigações internas, canais para denúncia, treinamento de executivos e funcionários para lidar com propostas e práticas que corram o risco de responsabilizar a empresa objetivamente e levá-la a sofrer sanções por atos ilícitos cometidos no exercício da sua prática empresarial ou por terceiros contratados.

Nesse ponto, a própria lei Anticorrupção, que visa o combate à corrupção e todo e qualquer ato lesivo contra a Administração Pública, busca evitar que novas práticas ilícitas aconteçam, obrigando as empresas a detectar eventuais problemas existentes e punir duramente os atos já consumados. É a tríade "prevenir, detectar e responder", tão cara aos profissionais de compliance.

Por outro lado, a lei traz benefícios às empresas que efetivamente se esforçarem em "prevenir, detectar e responder" os atos ilícitos ali descritos através de um programa de compliance implantado que seja efetivo e esteja em funcionamento. Isso fica claro no texto da lei, ao determinar que serão relevantes para a aplicação das sanções "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica", bem como o nível de cooperação da empresa na apuração das infrações.

Além disso, as empresas que buscarem a autodenúncia também podem ser beneficiadas com a redução sensível das penalidades. Caso, entretanto, uma empresa seja investigada e condenada com base nesta lei e não possua um programa de compliance que se prove efetivo, sua penalidade final provavelmente não será reduzida, com a possibilidade de atingir o patamar máximo legal de até 20% (vinte por cento) do faturamento bruto da empresa condenada por práticas ilícitas, valor que é capaz de quebrar o empreendimento.

É importante lembrar que eventual violação à lei anticorrupção brasileira poderá ainda trazer a reboque a abertura de investigações, processos e sanções de outras jurisdições por violações a leis estrangeiras, tais como o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) dos Estados Unidos da América e também o UK Bribery Act (United Kingdom Bribery Act), do Reino Unido, aumentando de maneira exponencial a exposição da empresa ao risco de non-compliance (não conformidade). Estas leis estrangeiras possuem um escopo de extraterritorialidade muito amplo, ou seja, podem ser aplicadas fora de seus territórios caso o ato de corrupção tenha uma relação direta ou indireta com seu país.

Nesse ponto, pode-se citar como exemplo o recente amplo noticiário dado pela imprensa no Brasil a respeito dos fatos trazidos pela colaboração premiada envolvendo as empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão1 nas ações penais oriundas da operação Lava Jato, cujos atos ilícitos admitidos em violação à lei snticorrupção brasileira vêm gerando a abertura de processos de investigações no Peru, Venezuela, Equador, Colômbia, Argentina, República Dominicana e Guatemala. A própria Odebrecht e a Braskem, seu braço petroquímico, também foram punidas nos Estados Unidos da América por violações ao FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), cuja multa provisória às duas empresas chega a US$ 3,5 bilhões2.

É certo que atos ilícitos podem acontecer em empresas preparadas ou não. Um dos papeis do advogado atuante na área de compliance é justamente identificar e mitigar os riscos envolvidos na dinâmica da atividade empresarial, abrindo caminho para um tratamento menos severo por parte da legislação àquelas empresas que estabeleceram um efetivo programa de compliance. É chegado o momento de as empresas perceberem que os impactos dos custos de não conformidade (non-compliance) que envolvem multas, suspensão de atividades, restrições operacionais, perdas de clientes, custos de remediação, enfrentamento de investigações perante autoridades e especialmente os imensuráveis custos com a imagem negativa causada, são um risco muito alto que pode levar a destruição de todo o seu valor de mercado e a própria extinção da pessoa jurídica.

Mais do que a legislação em si, o importante aqui é a lei do mercado. As empresas mais preparadas que conseguirem enxergar os novos desafios como oportunidades no mercado se destacarão em seus seguimentos, atraindo investimentos e novos parceiros. Aquelas que não implantarem um programa de compliance efetivo e minimamente estruturado, além de perderem posições no mercado, estarão sujeitas às punições mais severas previstas na lei, podendo levar até mesmo ao fim da corporação.

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1. Cf. clique aqui. Acesso em 22/12/2016; clique aqui. Acesso em 07/01/2017.

2. Cf. clique aqui. Acesso em 22/12/2016.

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*Eduardo Tibau de Vasconcellos Dias é advogado e mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI. Pós-graduado em Direito da Propriedade Intelectual PUC-Rio. Propriedade Intelectual, Direito da Mídia e Compliance pela FGV/RJ. Graduado em Direito pela UCAM.

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