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Planejamento fiscal como mecanismo fundamental na expansão de mercado e redução da base tributável e a tendência global de limitar a liberdade de planejar

Os tributos são vistos como um custo no processo de produção e geração de riqueza. Assim, visto sob este ângulo, há uma tendência natural do agente econômico reagir à tributação, e uma das formas é o planejamento fiscal.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Atualizado às 08:32

Os tributos são vistos como um custo no processo de produção e geração de riqueza. Assim, visto sob este ângulo, há uma tendência natural do agente econômico reagir à tributação, e uma das formas é o planejamento fiscal.

Compreender a figura do planejamento fiscal não é tarefa fácil, embora pareça um mecanismo simples de conceituar. Tal complexidade decorre das diversas concepções que podem ser feitas a respeito do planejamento fiscal, de acordo com o seu modo de utilização. É possível considerar, por exemplo, como planejamento fiscal, um esquema realizado com objetivo de diminuir a carga tributária de um imposto após a ocorrência do fato gerador? Ou ainda, a prática de um negócio jurídico lícito, apenas com o intuito de se obter uma vantagem fiscal, pode ser considerado planejamento fiscal ilícito? Quais os limites do planejamento fiscal lícito? O que é um planejamento fiscal abusivo?

Para a compreensão da figura do planejamento fiscal, nada melhor que entendermos a "regra-matriz de incidência tributária". Este instituto tem por função definir a incidência do tributo. Sua estrutura é composta por, além de outros critérios, dois elementos principais: hipótese e consequência. A hipótese é entendida pela previsão de um evento (ação ou omissão do contribuinte) que supõe a ocorrência do fato gerador do tributo, o que chamamos de hipótese de incidência, enquanto que a consequência, corresponde ao momento posterior ao fato, criando a relação jurídico-tributária e gerando a obrigação de pagar. Desse modo, como forma de ilustrar esse mecanismo e introduzir o planejamento fiscal, analisamos a seguinte questão: "Qual fato deverá ocorrer para que o contribuinte seja obrigado a realizar o pagamento de um tributo?"

O planejamento fiscal é praticado para evitar, de modo lícito, a ocorrência desse fato, ou seja, o surgimento da hipótese de incidência, ou na eventualidade de ocorrer este fato, é praticado para minimizar a carga tributária suportada na obrigação, isto é, diminuir a consequência.

Vale destacar, que o planejamento fiscal deve ser lícito, mas não necessariamente previsto em lei. Equivale dizer que, para fins de planejamento fiscal, são permitidos os atos extra legem, desde que não colidem com nenhuma proibição legal ou princípios jurídicos. Por outro lado, a figura do planejamento fiscal abusivo ganha força na Era pós BEPS como forma de limitar essa "liberdade" do contribuinte de planejar. Liberdade essa, escorada no princípio da autonomia privada, basilar do planejamento tributário, que garante ao contribuinte autonomia e liberdade para conduzir negócios, optar pela via menos onerosa e definir seu plano empresarial. A autonomia privada nos traz a ideia de que tudo o que não é proibido por lei é permitido ao gestor privado, de modo que o ilícito fiscal pressupõe a violação a alguma norma.

Desse modo, deve existir uma relação de equilíbrio entre a liberdade do contribuinte de organizar e conduzir seus negócios e a necessidade do Estado em arrecadar tributos. Sendo que, só há planejamento fiscal porque há a obrigatoriedade de pagar tributo, e sobretudo, porque há uma alta carga tributária.

Como se sabe, o contribuinte, para expandir os negócios e competir no mercado, busca a redução da base tributável através do planejamento fiscal, contudo, é cada vez maior a utilização deste mecanismo como forma de estruturar a "fuga de capitais" para países com baixa tributação ou tributação zero, o que vem fazendo com que o Fisco utilize alternativas, que não só o instituto da ilicitude ou ilegalidade, que visam limitar a liberdade de planejar. Nesse sentido, há uma tendência global no refúgio ao "critério da moralidade" no combate ao abuso dos planejamentos fiscais, sob a ótica de que, um planejamento pode ser considerado válido por não esbarrar em nenhuma norma, ou estar previsto em lei, mas pode ser invalidado por ser considerado hostil, ofensivo, ameaçador, imoral. Nasce então a figura do planejamento fiscal agressivo.

O Plano de ações BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), promovido pela OCDE em parceria com o G20 para combater a evasão fiscal internacional, já trouxe esse termo na Ação 12, que exige que o contribuinte divulgue seus planejamentos fiscais agressivos ao Fisco. Basicamente, de acordo com a recomendação da ação 12 do Plano BEPS, o contribuinte deve preencher uma declaração ao Fisco, caso entenda que o seu planejamento fiscal é agressivo. De posse desta declaração, o Fisco avalia o risco fiscal, declarando válido ou não o planejamento tributário, aplicando as sanções cabíveis e desconsiderando a operação, no caso de ser reconhecida a ilicitude.

Da simples leitura da Ação 12 do Plano BEPS, é possível identificar um alto grau de subjetividade no termo "agressivo" previsto na recomendação, e como a OCDE, na oportunidade em que desenvolveu o Plano, não definiu o conceito de planejamento fiscal agressivo, isto acabou gerando uma insegurança na relação jurídico-tributária e comprometendo todo planejamento tributário mais bem elaborado ou menos usual, que importe em um benefício fiscal ao contribuinte.

Nos parece, num primeiro momento, que a referida ação 12 do Plano BEPS reflete uma incapacidade, talvez em razão da grande demanda, de uma adequada fiscalização das autoridades tributárias no que diz respeito aos planejamentos tributários, delegando ao contribuinte um ônus de fiscalização, que pode, consequentemente, gerar uma autodenúncia.

Embora seja uma medida inteligente, não pode o Fisco utilizar a recomendação da Ação 12 do Plano BEPS de forma abusiva, aplicando a exigência com intuito meramente arrecadatório, sob pena de desestimular o mercado e penalizar o contribuinte de boa-fé. A recomendação é de que os Países regulamentem no seu direito interno as 15 ações previstas no Plano BEPS, e em relação a recomendação da Ação 12, já frustrada na tentativa de implementação através da MP 685/15 no Brasil, mas já aplicada em alguns países como México, Portugal e EUA, a expectativa é de que a prática ocorra de modo mais harmônico possível, coibindo a atuação do contribuinte de má-fé e preservando a saúde do mercado internacional.

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*Luigi Terlizzi é advogado, especialista em Direito Tributário, mestrando em Direito das Empresas pelo Instituto Universitário de Lisboa, membro da Associação Fiscal Portuguesa - AFP e da International Fiscal Association - IFA.

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