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Os 40 anos da lei das S/A: balanço e perspectivas

A lei societária deverá criar regras de proteção aos investidores contra os administradores que porventura atuem contrariamente aos interesses da própria sociedade.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Atualizado em 9 de fevereiro de 2017 10:50

Em 2016, a lei brasileira de Sociedades Anônimas fez seu 40º aniversário. Não houve bolo, não houve festa, e houve até pouca comemoração.

No entanto, parece entendimento comum entre advogados e juristas brasileiros de que ela é uma boa lei.

Inclusive, quando foi apresentado projeto de lei que criaria um novo CC, que inicialmente previa uma regulamentação diferente das sociedades anônimas, juristas brasileiros se uniram em defesa da nossa "quarentona".

Mas será que essa lei é tão boa assim?

Para respondermos a esta pergunta, precisamos saber para que serve uma lei societária.

Quem explica bem esse ponto é o jurista norte-americano Easterbrook, que fundamentalmente define uma legislação societária pela estrutura de incentivos para uma boa governança, da qual dependerá o sucesso de uma adequada captação de recursos de investidores.

Nesse sentido, a lei societária deverá criar regras de proteção aos investidores contra os administradores que porventura atuem contrariamente aos interesses da própria sociedade (teoria da agência). Isso porque, é mediante recursos de terceiros que a sociedade faz frente às necessidades de crescimento e ganhos de escala que dificilmente acionistas conseguiriam fazer isoladamente.

E qual a melhor lei societária do mundo?

Não parece haver dúvida que a melhor lei societária é aquela do país que tenha o maior número de empresas nesse formato jurídico, associado a uma maior captação de recursos públicos. Logo, estamos falando dos Estados Unidos.

Por ser uma real Federação, os Estados Unidos não têm uma lei societária federal, mas sim, leis estaduais. A melhor jurisdição societária estadual nos Estados Unidos é, reconhecidamente, a de Delaware, sendo que nessa jurisdição são constituídas a maioria das empresas norte-americanas.

O que essa legislação tem de diferencial?

Talvez o ponto mais relevante seja uma total flexibilidade para que os empreendedores possam construir e aprovar seus estatutos sociais perante os órgãos oficiais. Não há substancial controle sobre as cláusulas e condições estipuladas nos seus atos constitutivos pela autoridade pública. E isso faz todo sentido do ponto de vista econômico, pois os próprios agentes econômicos são os mais aptos a regrarem seus interesses. O incentivo de um ato constitutivo adequado está na eficiência alocativa do mercado.

Dessa forma, empresários que necessitem de recursos públicos desenham atos constitutivos com regras que protegem os investidores. Investidores que não se sintam confortáveis com essas regras investirão em outras empresas ou darão outra destinação aos seus recursos (bancos).

Também é tida como uma vantagem da legislação a regra do business judgment rule, por meio da qual os juízes não interferem nas decisões tomadas pelo conselho de administração, desde que estejam, naturalmente, de acordo com os atos constitutivos aprovados nos órgãos oficiais. A isto damos o nome de segurança jurídica, o que é da essência do capitalismo.

Outra característica marcante da jurisdição de Delaware é a especialidade da corte de justiça que julga matéria societária. Mas isso será matéria para outro artigo por questões de espaço.

Mas e a lei brasileira? Ela foi concebida na década de 70, também com o objetivo de desenvolver o mercado de capitais. É o que se lê em sua exposição de motivos.

Naquela época, percebia-se que havia poucas empresas, a maioria delas familiares e com o controle societário muito bem definido. Assim, a lei foi concebida para proteger o investidor minoritário do "dono", ou seja, do acionista controlador. Dentro dessa lógica paternalista, as normas positivas ou de ordem pública, ou seja, que não podem ser afastadas pelas partes nos seus estatutos, também conferem ao Poder Judiciário a capacidade interpretativa para além da letra da lei e dos estatutos com base em previsões gerais como "função social da empresa". Desse modo, protegendo-se o minoritário (sem dar ao controlador a possibilidade de alterações de normas cogentes da lei das S/A), criar-se-ia o incentivo correto à captação pública.

É inegável que essa lei vinha cumprindo com parte de seus objetivos, pois hoje o Brasil tem um número de investimentos no mercado de capitais substancialmente maior do que no passado. Não se pode negar aqui também o papel da CVM, criada a partir de inspiração na SEC norte-americana, e que foi responsável pelo desenvolvimento (a partir de sua criação com a edição de lei 6.385/76), de um direito de mercado de capitais complementar à lei societária - e que foge ao escopo desse artigo sua pormenorização.

Mas não podemos esquecer do famoso "efeito Peltzman". A questão está em saber se nosso desenvolvimento societário não poderia acontecer de outra maneira; ou mesmo se a lei não foi até irrelevante para esse fim. Podemos, de forma ousada, questionar-nos se faz sentido uma lei societária concebida para uma realidade na década de 70.

Ou seja, será que a estrutura das empresas continua a mesma, 40 anos depois?

Será que ainda faz sentido o paternalismo de proteção do investidor minoritário contra o "controlador"? Se queremos o mercado desenvolvido, talvez devamos assumir os riscos de uma economia capitalista, e trabalharmos com um modelo societário mais próximo de Delaware.

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*Luciano Benetti Timm é advogado do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados. Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem.

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