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O Direito no feminino

Vemos mulheres atuando em todos os ramos do Direito. Elas se inseriram nas carreiras jurídicas, ajudando a modificar o contexto das decisões, das negociações e da interpretação jurídica. Não há razão para o Direito continuar a ser conjugado e a ser dominado por padrões patriarcais.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Atualizado às 09:16

Não são poucas as conquistas femininas para a minha geração - geração de mulheres de 40 anos.

Se pararmos para pensar, veremos uma série de conquistas com modificações de fato na nossa sociedade, na estruturação das famílias, no mercado de trabalho.

O século 20 foi marcado por transformações históricas e diversas conquistas do feminismo. Normalmente não uso o termo feminista por portar uma conotação muito radical. Prefiro palavras como direitos das mulheres, conquistas das mulheres, conquistas femininas, etc.

Saímos de uma situação de submissão e inferioridade, em que a mulher era considerada relativamente capaz (artigo 6º, inciso II, do CC de 19161), necessitando ser assistida ou ter seus atos ratificados pelo pai ou marido, passando pela conquista do direito ao voto (decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 - Código Eleitoral), buscando acesso à educação, melhores condições de trabalho, e a atribuição da capacidade civil (lei 4.121/62 - Estatuto da Mulher Casada, que eliminou a incapacidade relativa da mulher casada), para uma situação de igualdade formal com a CF.2 Atingimos o direito ao tratamento igualitário com relação aos homens.

Minha geração não tem memória dessas conquistas e outras profundas transformações pelo qual o gênero feminino passou, talvez porque, ao nascermos, essas mudanças já estivessem em curso, já havíamos conquistado o direito ao voto (1932), já havíamos conquistado o direito à educação, já estávamos inseridas no mercado de trabalho, e não se cogitava o fato de as mulheres não possuírem plena capacidade para a vida civil.

Claro que ainda, seja por convicções e condições históricas, familiares ou religiosas, diversos resquícios de tratamento desigual, ou mesmo submissão, permeiam nossas realidades. Apesar de sermos uma geração pós-Woodstock, pós liberdade sexual, ainda nos foram transmitidos conceitos como, por exemplo, o do 'príncipe encantado'. Somos uma geração estudada, que trabalha, executa, disputa espaços, mas ao mesmo tempo, com atribuições domésticas como cuidar dos filhos, da casa, dos familiares.

Transcorridos mais de 72 anos entre o CC de 1916 e a CF, que determinou a isonomia entre os sexos, ou 86 anos até a entrada em vigor do CC de 2002, que buscou normatizar as questões familiares com base nos princípios constitucionais, ainda as mulheres buscam uma mudança de paradigma e igualdade plena de direitos e obrigações.

Não há dúvida de que homens e mulheres são diferentes, tanto biológica como comportalmente. A cultura é um fator determinante nessa diferenciação.

Mas essas diferenças, no mundo atual, em que não é politicamente correto falar-se em sexo feminino ou masculino, mas sim em gêneros, não devem e não podem dar guarida a tratamento desigual.

Pesquisas de opinião e estudos acadêmicos sugerem diferenças entre homens e mulheres visando auxiliar o mercado de trabalho e não a criar desigualdade ou entraves que prejudiquem a contratação de profissional ou a negociação salarial, baseando-se exclusivamente, no sexo do indivíduo.

Assim, segundo a percepção de 300 executivos de marketing, em estudo realizado pela consultoria de marketing Copernicus3, em 2008, com base em pesquisas de comportamento, há comportamentos tipicamente masculinos e outros tipicamente femininos, como por exemplo, o fato de 87% das mulheres entrevistadas pedirem opinião aos colegas antes de tomarem grandes decisões (contra 47% dos homens entrevistados). Ou ainda, o fato de 83% dos entrevistados do sexo masculino preferirem tomar as decisões importantes e delegar a implementação a outros (contra 43% das mulheres entrevistadas).

Outro estudo realizado em março de 2012, por Eduardo Ferraz, sobre as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho, sugere um crescimento na participação da mulher em diversos segmentos, inclusive em cargos de direção em grandes organizações, e que as diferenças ou ausências femininas em determinadas áreas poderiam ser explicadas pela neurociência comportamental 'que comprova haver diferenças marcantes entre o cérebro masculino e o cérebro feminino'4, sendo o cérebro feminino programado para a empatia, enquanto o masculino é mais voltado para sistemas de construção e análise. O que explicaria o fato de homens terem mais facilidade para as tarefas que envolvem cálculos, enquanto as mulheres teriam mais habilidades relacionais, expressando melhor os sentimentos.

A pesquisadora Suzana Herculano-Houzel, em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, em 20055, sugeriu que, estatisticamente, em média, as mulheres seriam melhores do que os homens em racicínio verbal, enquanto estes seriam melhores em raciocínio matemático e espacial. Mas que essas diferenças seriam muito sutis, e que ainda não teriam estudos suficientes comprovando se essa diferença poderia ser determinada biologicamente.

Enfim, ainda que existam diferenças entre homens e mulheres, ainda que a presença feminina seja pequena em diversos segmentos de trabalho, existem segmentos em que as mulheres são muito bem representadas e respeitadas.

O ramo jurídico é um deles.

Hoje, vemos mulheres atuando em todos os ramos do Direito: advogadas, magistradas, promotoras, delegadas, enfim, as mulheres se inseriram nas carreiras jurídicas, ajudando a modificar o contexto das decisões judiciais, das negociações e da interpretação jurídica.

A habilidade de comunicação, talvez, seja um dos fatores que explique a vocação e a importante presença feminina na área jurídica.

Themis, Divindade da Justiça, já intuíram os antigos, era feminina. Não há razão para o Direito continuar a ser conjugado no masculino e a ser dominado por padrões patriarcais.

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1. LEI 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916. Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:
I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156).
II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.
III. Os pródigos.
IV. Os silvícolas.
Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, e que cessará à medida de sua adaptação.

2. A CF de 1988 dispõe em seu artigo 5º, caput, sobre o princípio constitucional da igualdade, perante a lei, nos seguintes termos:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

3. 'As diferenças entre homens e mulheres segundo percepções de executivos de marketing', Exame.com, Por David Cohen, 9 out 2008.

4. 'As diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho', Eduardo Ferraz, 28/03/2012, Catho Online.

5. 'Diferença entre homens e mulheres é menor do que se pensa, diz cientista', 01/2005, Folha de S. Paulo.

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*Roberta de Bragança Freitas Attié é advogada em São Paulo e junto aos Tribunais Superiores. Especialista em Direito Privado, Direito Urbanístico, Arbitragem e Mediação.

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