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Justiça: onde estás que não responde?

O Brasil está cansado, fraco, no limite da exaustão. Já não tolera a corrupção endêmica, o desprezo, o abismo social... E a injustiça.

terça-feira, 14 de março de 2017

Atualizado às 09:04

Como uma pandemia, a sociedade brasileira foi tomada de um grande sentimento de indignação.

Independentemente de classe social, cultura ou crença, chegou-se a um consenso: nossa sociedade está longe de ser o modelo justo e solidário, sustentado na democracia e na justiça, dentro de um Estado Democrático de Direito, como previu nossa Constituição Federal.

Dia após dia, exemplos evidenciam que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário falham sistematicamente na tarefa basilar de adequar a carência social-econômica do povo com as políticas públicas almejadas pelo Estado.

Como um dejà vu persistente, o Estado tem ignorado seu dever precípuo de harmonizar os interesses individuais e coletivos, e salvaguardar, sobretudo, o tratamento justo e igualitário a todos os cidadãos. O descalabro das despudoradas práticas estatais atiça a todos a resgatar sua cidadania e a perguntar: existe justiça? E se existe, onde está que não nos responde?

O Brasil está cansado, fraco, no limite da exaustão. Já não tolera a corrupção endêmica, o desprezo, o abismo social... E a injustiça.

Não é preciso repetir o que nos falta como sociedade. Mas cabe lembrar que nas periferias, a lei é o fuzil. E que na fila dos hospitais, nos cárceres, nas ruas de terra ou no asfalto das metrópoles, a morte ficou banal. Nós nos acostumamos a ela. Perdemos o "sentido do trágico". Nossos mortos são contados em números. Não têm nome nem rosto.

Parafraseando George Orwell, "todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros". Ninguém ignora que grandes empresários, grande mídia, políticos, magistrados, sob o pretexto dos poderes que lhes são próprios, fazem o que querem - como querem - quando querem - e decidem quem é mais igual que o outro.

Assim, leis libertam culpados e chancelam suas fraudes. Sentenças lotam presídios ou convalidam o erro de modo irreversível. A liberdade econômica, a liberdade legislativa, e o poder jurisdicional, harmônicos entre si, soterram a mínima concepção de verdadeira igualdade em um país onde tudo se abala, debilita e deforma.

Se é garantia constitucional o tratamento justo e igualitário, a esperança deveria estar na Justiça. Mas esta, pobres de nós, não está somente lenta: está cega, surda e muda. Não ouve os apelos dos que clamam sua imposição. E se cala diante dos que zombam da sua autoridade com o dedo em riste.

Não há quem não enxergue a falibilidade jurisdicional. A Justiça é tão tardia, que as falhas e os erros a precedem.

Pobre o país em que a Justiça é desacreditada. Doente o país em que a Justiça é covarde. Inexistente uma nação em que a Justiça falece.

Em uma civilização globalizada, a Justiça de um país é luz para os demais. E toda causa, por mais insignificante que possa parecer, é caminho de esperança e de transformação. Sob seu martelo pode se chancelar a liberdade de um povo e salvar gerações futuras.

Se há indignação no lamento de uma sociedade, é sinal que a indiferença não derrubou nossa imunidade e podemos resistir. É sinal que a Justiça desfaleceu, mas ainda pulsa. Nas urnas, nos fóruns ou nas ruas, que saibamos acordá-la.

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*Silvia Correia é advogada, mestre em Direito Econômico e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.


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