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A destinação do orçamento público e sua vinculação ao custo de um processo

Se um dos Poderes não conseguir gerir a máquina pública a separação de poderes não consegue se manter nos termos da Constituição.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Atualizado às 09:42

Com a passagem do Estado absolutista para o liberal o poder deixou de ser concentrado nas mãos de um governante (rei) para se dividir entre as funções básicas e primordiais de um Estado. Foi desta maneira que nasceu a teoria da separação dos poderes.

Cada um dos três poderes exercem funções típicas e atípicas conforme idealizou Montesquieu.

Estes poderes, conforme estabelece nossa Constituição Federal em seu artigo 2º, trabalham de forma independente, mas harmônica.

Pois bem, o artigo 99 da Constituição prescreve:

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.
§ 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.
§ 2º O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:
I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;
II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.
§ 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.
§ 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.
§ 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.

Desta forma podemos ver que é o Poder Judiciário que elabora suas propostas orçamentárias que devem ficar adstritas à Lei de Diretrizes Orçamentária, que compreende as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente (artigo 165, §2º da Constituição Federal).

Essa proposta será encaminhada pelos presidentes dos Tribunais Superiores, onde as propostas orçamentárias do Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública e dos demais órgãos/entidades do Executivo serão unificadas, sofrendo ajustes necessários antes do seu envio ao Congresso, para que, assim, as despesas estejam em consonância com as receitas.

Uma vez aprovado o projeto de lei orçamentária anual pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, os recursos financeiros correspondentes às verbas fixadas nas dotações pertencentes aos Poderes, órgãos e entidades do Estado serão repassados nos termos do artigo 168 da Constituição.

Se um dos Poderes não conseguir gerir a máquina pública a separação de poderes não consegue se manter nos termos da Constituição.

Isso importa dizer que se o orçamento de um tribunal, por exemplo, for insuficiente, este não conseguirá manter suas necessidades básicas como o gasto com o pessoal, que é onde mais se despende verba no Judiciário.

O Judiciário do Estado do MS em 2013 precisou de R$ 13 milhões do orçamento geral da União para poder se informatizar conforme pedia o CNJ.

Nesta esteira podemos ver que o orçamento público é um instrumento a ser utilizado em prol dos cidadãos, para que estes consigam fruir do serviço de justiça de forma adequada.

Tendo em vista as costumeiras ingerências orçamentárias o Conselho Nacional de Justiça baixou a Resolução 70 de 2009 que dispõe sobre planejamento e gestão estratégica no âmbito do Poder Judiciário e exige em seu artigo 2º, §4º:

§ 4o - Os tribunais garantirão a participação efetiva de serventuários e de magistrados de primeiro e segundo graus, indicados pelas respectivas entidades de classe, na elaboração e na execução de suas propostas orçamentárias e planejamentos estratégicos

O CNJ, visando fortalecer o Judiciário, criou o Grupo de Apoio aos Tribunais (GAT) através da Portaria 204 que tem atuação facultativa e em parceria com os Tribunais.

O GAT tem as atribuições de estabelecer diretrizes e ações para garantir a autonomia administrativa e financeira dos órgãos do Poder Judiciário; capacitar os tribunais na elaboração de suas respectivas propostas orçamentárias; e assessorar nos estudos, na elaboração, no encaminhamento e na aprovação de propostas orçamentárias.

Apesar dos esforços, nossos Tribunais estão dependendo também de seus presidentes, uma vez que cada novo encarregado deste ônus tem suas próprias convicções e aspirações e nem sempre implicam em gerir a coisa pública da forma que é idealizada nas leis.

O desembargador corregedor Antônio Pessoa Cardoso (aposentado em 2013) critica que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi imposta ao Judiciário sem que ele tenha participado de seu processo de elaboração e que, esta acaba por impedir o crescimento do sistema, uma vez que estipula em seu artigo 20, inciso II, alínea "b" que o limite da repartição de receita corrente líquida do Estado para o Judiciário é de 6%, impedindo que os Tribunais e Poder Judiciário como um todo cresça em conjunto com o aumento de demandas que adentram este poder.

Deste modo a justiça estadual, que é onde se concentra o maior número de processos, onde se encontra mais dificuldades materiais e de informatização, e ainda, onde os diretores de fóruns/vara possuem menor autonomia, tendo ainda que fiscalizar os serviços administrativos sem ajuda de auxiliares específicos para isso.

Neste passo inicia-se o questionamento sobre quanto custaria um processo, uma vez que, apenas no TJ/SP tem-se em torno de 20 milhões de processos em andamento.

Falar o valor exato de um processo não é fácil de fazer. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) levantou o valor médio cobrado em ações de execução fiscal, sendo este R$ 22.507,51, podendo este valor chegar a R$ 1.377,60 para uma mediana, já os executivos fiscais da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional apresenta-nos um valor médio de R$ 26.303,81 (para uma mediana de R$ 3.154,67).

No entanto, estes valores são dos processos de execução, onde três quintos dos processos desta categoria vencem na etapa citatória.

As custas iniciais, recursais e outras que são calculadas com base no valor da causa, são taxadas pelo Estado como forma de tributo e são destinadas a aprimorar o próprio funcionamento jurisdicional.

As despesas eventuais são destinadas a pagar serviços prestados pelos auxiliares da justiça que possam figurar no processo como os peritos, tradutores, síndicos, leiloeiros, diligências, contador, oficial de justiça, imprensa oficial e afins. Neste passo, o artigo 95 do Código de Processo Civil estabelece que cada parte adiantara' a remuneração do assistente técnico que houver indicado, já o perito deverá ser pago por aquele que requereu a perícia, se esta for determinada pelo juiz ou requerida por ambas as partes este valor será rateado entre elas.

No mesmo teor encontra-se o artigo 82 onde é estabelecido que salvo nos casos da justiça gratuita, é competência das partes prover as despesas que forem feitas devido ao seu requerimento antecipando seu pagamento em todos os atos processuais até que o seu direito seja satisfeito. Se esses valores não forem pagos antecipadamente o ato não será produzido e o processo não terá seu deslinde de forma eficaz.

No que tange as despesas finais do processo, estas não serão mero ônus da parte, pois ao final da lide o magistrado já tem capacidade de formar seu livre convencimento devido ao transcurso processual, desta forma estes valores são obrigações a serem adimplidas ao sucumbente devido ao princípio da causalidade contido no artigo 82, §2º e 85 do diploma processual onde se estabelece que o vencido pagará as despesas que o vencedor antecipou assim como os honorários advocatícios do advogado deste.

O artigo 98 do Código de Processo Civil dispõe que se o beneficiário da gratuidade for vencido será condenado ao pagamento das custas e dos honorários, mas a efetiva cobrança só poderá ser feita se, antes do prazo prescricional de cinco anos do trânsito em julgado da condenação, ocorrer mudança patrimonial que não importe, com o pagamento, prejuízo ao sustento seu ou de sua família. Após este prazo a obrigação é extinta.

Como é sabido o Judiciário tem um alto custo para sua manutenção que deve ser em prol da sociedade. Para que este serviço seja prestado de maneira (mais) efetiva, nosso ordenamento jurídico garante que certas pessoas, seja em razão da qualidade, como a União, os Estado, os Municípios, o Distrito Federal, suas autarquias e fundações, seja os beneficiários da assistência judicial e o Ministério Público fiquem isentas das custas e, até mesmo, dos pagamentos dos honorários advocatícios.

O custo do processo serve para que a função jurisdicional não se banalize e garanta a função essencial da justiça com os meios mínimos de efetivação e informatização desta tutela. Se não há o destino correto do orçamento deste poder somado ao alto índice de processos que adentram nosso sistema com a chamada justiça gratuita que é concedida, até então, de forma indiscriminada, há um declínio acentuado da estrutura deste poder influenciando na tripartição dos poderes uma vez que o Judiciário não trabalhará mais em harmonia com o Executivo e Legislativo.

O custo de um processo dependerá de quantos atos judiciais, diligências, recursos e provas necessitem ser produzidas. É fácil de imaginar que em processos complexos que se arrastam por décadas o montante deste custo é altíssimo e pode ser arcado apenas pelo Estado.

A disparidade de receita e despesas fica evidente, motivo pelo qual o abuso do processo mais do que um problema processual se torna um problema orçamentário.

Deve-se ter em mente que um ato processual nunca ocorre isoladamente, assim como seus efeitos não ficam adstritos entre as partes, mas irradia-se por todo ordenamento jurídico.

O instituto da justiça gratuita, apesar de ser uma forma de acesso ao Judiciário, mostra-se, inúmeras vezes, como verdadeiro portal de demandas infundadas, repetitivas, protelatórias e que utilizam o processo para outra finalidade que não é a resolução do litígio.

Os dados são convencedores. Cada ano aumenta o número de processos novos e diminui o número de processos baixados, fazendo com que os magistrados fiquem sufocados em quantidade de providências que devem tomar, somando ao fato do orçamento destinado aos tribunais não aumentar, o sistema Judiciário vai se tornando engessado e até obsoleto.

Se forem aplicadas as medidas cabíveis para evitar o desvio de finalidade processual, além de diminuir a ocorrência de ilícitos e danos processuais, o Judiciário poderá se tornar mais efetivo, célere e até mais justo.

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ABREU, Frederico do Valle. O custo financeiro do processo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 132, 15 nov. 2003.

APOIO aos tribunais: CNJ cria grupo especial. Disponível em clique aqui.

BARROS, Julianne Bezerra. Separação de Poderes, controle jurisdicional de políticas públicas e neoconstitucionalismo.

CARDOSO, Antonio Pessoa. O orçamento nos tribunais. Disponível em clique aqui.

______. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Disponível em clique aqui.

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*Karina Catão é bacharel em Direito.


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