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A convivência harmônica das garantias fundamentais

O direito de crítica e o de expressão possuem natureza constitucional e, cabe repetir, devem ser rigorosamente respeitados.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Atualizado às 09:06

A liberdade de expressão pode ser compreendida como o direito de manifestar livremente opiniões, ideias e pensamentos, tratando-se de conceito basilar nas democracias modernas, nas quais a censura não tem respaldo.

É certo, ainda, que o direito de crítica e o de expressão possuem natureza constitucional e, cabe repetir, devem ser rigorosamente respeitados.

Sucede, contudo, que não há direito e/ou prerrogativa de caráter absoluto.

Prova disto é que a própria Carta Política quando garante em seu artigo 5º, inciso X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, prevendo no mesmo artigo a liberdade de manifestação do pensamento, porém, veda o anonimato.

Cabe registrar, destarte, que a própria Constituição de 1988 ao conferir a liberdade de manifestação ao indivíduo, vedou o anonimato a fim de que eventuais excessos pudessem ser punidos.

Com a chegada da internet, tais abusos, incluindo ofensas e ataques contra honra pelas redes sociais, se tornaram prática cada vez mais comum, abarrotando o Poder Judiciário com incontáveis ações indenizatórias e penais, as quais alcançam, em muitas vezes, sérias condenações.

Ainda, vale lembrar que o direito de manifestação também encontra guarida constitucional, conforme previsão contida no inciso XVI, do artigo 5º, que deve conviver harmonicamente com o de livre locomoção, previsto no inciso anterior.

Isso porque, em uma interpretação sistemática dos dois dispositivos mencionados, óbvia e razoável a conclusão de que todos podem reunir-se em locais abertos ao público, sem armas e sem o uso de violência, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, devendo haver prévio aviso à autoridade competente e reste assegurada a livre a locomoção no território nacional.

Logo, os requisitos permissivos para a realização de manifestação ou protestos em vias públicas são: ausência de uso de armas, de violência ou grave ameaça às pessoas; prévio aviso quanto à ocorrência do evento às autoridades competentes; ausência de qualquer restrição ao direito de locomoção da sociedade; e ausência de outra reunião anteriormente agendada para o mesmo local.

Insta perceber que a exigência de preenchimento dos aludidos requisitos não ocorre por mera burocracia, mas sim para preservar o exercício da cidadania de todos, eis que da mesma forma que a reunião assegura interesses dos manifestantes, aqueles que dela não participam devem ter garantidos direitos básicos republicanos, como o de segurança e o de livre locomoção.

Aliás, em razão da inobservância dos requisitos exigidos para a concretização de manifestações ocorridas em solo capixaba nos anos de 2013 e 2014, sabe-se que o Ministério Público Estadual ajuizou ações em face de entidades de classe e sindicais, visando puni-las e arquem pecuniariamente com prejuízos sofridos pela sociedade à época.

Neste sentido, impende destacar que não foi só a Constituição Federal que despiu os direitos fundamentais de roupagem absoluta. O Código Penal quando trata do bem jurídico tutelado mais importante do ordenamento jurídico brasileiro - a vida -, possibilita sua mitigação quando admite, por exemplo, a legítima defesa como causa de excludente de ilicitude (artigo 23, inciso II, do Código Penal).

Quando esses direitos, constitucionalmente assegurados, entram em conflito e estabelecem o pano de fundo de alguns processos judiciais, a solução não se dá pela negação de quaisquer deles.

Ao contrário, cabe ao aplicador da lei buscar o ponto de equilíbrio onde os dois princípios possam conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora e observando critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Assim, em resumo, direitos fundamentais, dentre eles o de expressão e manifestação, não podem ser observados isoladamente, mas sim, de forma conglobante, calhando a reflexão de antigo, porém sábio, ditado popular: "o meu direito termina onde começa o do outro".

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*Renan Sales é advogado, sócio do escritório Sales Oliveira Lima advogados e professor universitário.

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