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Programa de Fidelidade ou infração à ordem econômica?

A livre concorrência, por seu turno, nada mais é do que o pressuposto de que a concorrência não pode ser limitada por players com poder de mercado, a fim de que sejam garantidos, ao mesmo tempo, preços competitivos para os consumidores.

terça-feira, 21 de março de 2017

Atualizado às 10:27

A Companhia Siderúrgica Nacional - CSN - implementou um projeto denominado "Programa Fidelidade Folha Metálica CSN", no qual fica estabelecida uma "vantagem" econômica para aqueles que adquirirem Folhas Metálicas produzidas no mercado nacional.

De acordo com a CSN, o referido programa tem por objetivo o incentivo à aquisição e consumo de folha metálicas da indústria nacional. Assim, caso seja cumprido o requisito básico à adesão ao programa - não utilização de ação proveniente de importação - a empresa beneficiária fará jus à bonificação de 10% sobre o valor da compra, montante que será devolvido por meio de fornecimento de materiais (folhas metálicas) no valor correspondente ao devido.

À primeira vista, tal benesse aparenta ser só mais uma estratégia comercial de uma Companhia visando a fidelização do cliente por meio de oferta de descontos. No entanto, quando analisada a partir de uma perspectiva mais abrangente, fazendo-se uma leitura do produto em questão (aço) aliada à sua estrutura de mercado, percebe-se que há indícios de conduta anticompetitiva por parte da CSN, e, consequentemente, de infração à ordem econômica.

Por anticompetitiva, entende-se toda e qualquer conduta praticada por um agente econômico que possa causar danos à livre concorrência, de forma efetiva ou potencial, ainda que desprovida de "dolo".

A livre concorrência, por seu turno, nada mais é do que o pressuposto de que a concorrência não pode ser limitada por players com poder de mercado, a fim de que sejam garantidos, ao mesmo tempo, preços competitivos para os consumidores e o constante estímulo às inovações nas empresas.

Ora, em sendo a livre concorrência um dos princípios gerais da atividade econômica, estabelecidos na Constituição Federal, é dever do Estado assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica.

Não é por outra razão que a lei 12.529 de 2011 dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, deixando a cargo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica1 - CADE - o dever de prezar e disseminar a cultura da livre concorrência em âmbito nacional, por meio de análises preventivas de estruturas econômicas lesivas ou potencialmente lesivas à livre concorrência, bem como mediante a prática de atos repressivos às condutas nocivas.

Especificamente no art. 36 da referida lei, há a descrição exemplificativa das condutas que constituem infração à ordem econômica, independentemente da intenção do agente econômico praticante, das quais destacamos as seguintes práticas: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) exercer de forma abusiva posição dominante2.

A CSN atua como única produtora de folhas metálicas no mercado nacional. Tal elemento é fator substancial para aferir a potencialidade de lesão à livre concorrência das condutas praticadas pela referida Companhia, as quais poderão constituir infração à ordem econômica, considerando que detém parcela significativa do nicho de mercado em foco (folhas metálicas).

Apesar de afirmar que o objetivo do "Programa Fidelidade Folha Metálica CSN" seja incentivar o consumo de folhas metálicas produzidas no mercado nacional, a CSN acaba se colocando à frente do interesse nacional, pois só quem produz tal produto é ela mesma.

Poder-se-ia falar que a CSN buscou promover o incremento da produção nacional de folhas metálicas, ao restringir o desconto para aqueles que não realizarem importações. No entanto, considerando que ela é a única Companhia que comercializa tal insumo, o referido projeto objetiva, tão somente, beneficiar a própria CSN.

O programa implementado, em verdade, coloca as empresas que precisam de tal insumo para explorar suas atividades econômicas em posição extremamente desfavorável, eis que se veem compelidas em adquirir a mercadoria da CSN. Isso sem falar na condição desvantajosa que os produtores internacionais ficam em razão de tal condição.

Para reprimir este tipo abuso de poder econômico, poderá ser instaurado um inquérito administrativo, perante o CADE, mediante a representação fundamentada de qualquer interessado, o qual deverá durar no máximo 180 dias, contados da sua instauração, podendo tal prazo ser prorrogado por mais 60 dias.

Após o término do inquérito administrativo, o CADE terá até 10 dias úteis para dar prosseguimento ao procedimento, mediante a abertura do processo administrativo, ou para arquivar a investigação.

Em sendo instaurado, o processo administrativo seguirá a tramitação prevista na lei 12.529/2011, na qual consta, dentre outras medidas: notificação ao agente econômico acusado pela prática do ato pretensamente lesivo à livre concorrência, realização de diligências e produção de provas para esclarecimentos dos fatos.

Por fim, será proferida uma decisão pelo CADE, na qual constará, em caso de procedência da autuação: (i) especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas pelos responsáveis para fazê-la cessar; (ii) prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências; (iii) multa estipulada; (iv) multa diária em caso de continuidade da infração; e (v) multa em caso de descumprimento das providências estipuladas.

Dispensar a atenção necessária a este tipo de conduta, aparentemente "inofensiva", é dever essencial para evitar situações violadoras dos princípios gerais da ordem econômica, especialmente no que diz respeito à livre concorrência e, em última instância, à defesa do consumidor.

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1 Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Justiça, cujas competências estão previstas na lei 12.259/2011.

2 "A Lei de Defesa da Concorrência determina que ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa de tal forma que a empresa ou grupo de empresas seja capaz de, deliberada e unilateralmente, alterar as condições de mercado" (Cade).

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*Pedro Moura de Almeida é advogado da banca Caribé e Advogados Associados. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE. Pós-graduando (LL.M.) em Direito Tributário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa - INSPER/SP.

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