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O direito do trabalho da mulher enquanto "teto de vidro" no mercado de trabalho brasileiro

Quando se fala em Direito do Trabalho da Mulher é preciso fazer um alerta de que certamente o tratamento dado ao trabalho das mulheres ainda se difere do que é dado ao trabalho dos homens, surgindo, assim, a necessidade de mecanismos compensadores das desigualdades.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Atualizado às 09:34

Resumo:

É possível falar em Direito do Trabalho da mulher? O Direito do Trabalho surge, enquanto ramo jurídico, do pressuposto fático da desigualdade entre as partes contratantes - empregado e empregador - a fim de conceder igualdade jurídica. Quando se fala em Direito do Trabalho da Mulher é preciso fazer um alerta de que certamente o tratamento dado ao trabalho das mulheres ainda se difere do que é dado ao trabalho dos homens, surgindo, assim, a necessidade de mecanismos compensadores das desigualdades. Mas a análise do sistema jurídico-trabalhista de proteção ao trabalho da mulher nos demonstra que este parece carecer de efetividade, representando, em última instância, verdadeiro "teto de vidro", ou seja, criando um obstáculo invisível, porém rígido o bastante para evitar a ascensão profissional e salarial da mulher, além do reconhecimento de seus pares. A análise da situação real da mulher no mercado de trabalho, em comparação aos homens, demonstra que a igualdade promulgada na Constituição Federal e os instrumentos criados pelo ordenamento jurídico criam uma ilusória proteção ao mercado de trabalho da mulher, configurando-se como uma legislação meramente simbólica.

1. Da ideologia e dos estereótipos da realidade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reconhece explicitamente que os direitos nela estabelecidos aplicam-se a todos os seres humanos, sem distinção de qualquer espécie, incluindo gênero.

No entanto, em 1979, a mesma Assembleia da ONU sentiu a necessidade de propor aos Estados uma "Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres". Contudo, de maneira persistente, as mulheres ainda vivenciam discriminações, preterições e violência no mercado de trabalho.

Em 1995 foi celebrada a Declaração e criada a Plataforma de Ação de Beijing, pela qual se comprometeram os governos e os povos de todo o mundo a lograr a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres. Em 2015, a ONU Mulheres, preparando-se para a celebração de Beijing + 20, lançou a campanha de compromisso político e público entitulada "Empoderando as mulheres, empoderando a Humanidade. Imagine!"1, em razão da necessidade de inúmeros avanços neste campo temático serem ainda urgentes.

Tal necessidade compõe a realidade de todas as partes do mundo, seja em países ricos ou pobres, estejam eles em paz ou em guerra. Afinal, tudo isso é o resultado de uma cultura antiga, que traz consigo ideologias e estereótipos baseados em tradições que se perpetuam e que só um novo modelo cultural é capaz de modificar.

Assim, a existência de um sistema de normas de proteção ao trabalho da mulher é cotidianamente justificada pelas diferenças tanto biológicas quanto sociais entre homens e mulheres. De fato, este estatuto das mulheres formado pelas normas constitucionais e infraconstitucionais na seara trabalhista refletem uma visão de mundo acerca do papel da mulher na sociedade.

Sob o prisma do mercado de trabalho, Calil explica que as mulheres sofrem discriminação pelo fator biológico, em razão da maternidade, enquanto a distinção fundada no fator social dataria da industrialização, desde quando mulheres são discriminadas pelo simples fato de serem mulheres2.

A própria igreja católica exerce forte influência na difusão da questão do "gênero", que surge quando a comunidade cristã começa a se organizar e a Igreja, ao se institucionalizar, estabelece os papéis e cria hierarquias. Neste ponto começa a implementar a exclusão das mulheres de papéis de liderança e das tarefas de condução da Igreja. Carmelina Chiara Canta3, a propósito da pesquisa de gênero junto à igreja, indaga quantas mulheres santas são conhecidas. O Martirológio romano, que registra o número de "santos oficiais, incluindo os "abençoados", os "servos de Deus" e do "venerável", mostra em torno de um mil e quinhentos santos femininos em comparação com cerca de nove mil e quinhentos santos masculinos: uma minoria que é a consequência lógica da exclusão anterior de mulheres de papéis de controle importantes.

Pela difusão de ideologia de base patriarcal, machista e até mesmo religiosa, pode-se também "negar à mulher, tanto seu papel histórico no desenvolvimento sócio-cultural e humano, quanto em seu próprio desenvolvimento pleno". Parece claro que o "oprimido não deseje e não colabore para a sua opressão, exploração ou discriminação ". Isto porque a opressão por vezes é sutil, utiliza ardis, ideologias e não raro se esconde atrás do nobre fim da norma que se diz protetiva e promocional.4

Ademais, os estereótipos do que mulheres e homens são e devem fazer são disseminados ainda pelo senso-comum, pela mídia, reproduzidos pela sociedade e também pelas próprias mulheres, ainda que involuntariamente. "Na fronteira entre sexo e gênero, os limites e as origens dessas diferenças são pouco questionados"5, perpetuando-se a ideia de que os papeis são distintos porque devem ser, mas que se complementam. E assim, homens e mulheres, cada um com suas "funções" seguem reproduzindo esta binariedade social.

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1 ONU MUJERES. Informe anual. 2014-2015, p. 4.

2 CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da Mulher: a questão da igualdade jurídica ante a desigualdade fática. São Paulo: LTr, 2007, p. 15.

3 CANTA, Carmelina Chiara. La santità al femminile. FIDAE: federazione istituti di attività educative. Da confrontti, n.9, 2007. (tradução livre)

4 HAZAN, Ellen Mara Ferraz. Mulher, trabalho e emprego. Belo Horizonte, RTM, 2013, p. 6.

5 CURVO, Isabelle Carvalho. O Trabalho da mulher entre a produção e a reprodução. In: Direito Material e processual do trabalho / Maria Cecília Máximo Teodoro (coordenadora). São Paulo: LTr, 2015, p. 88.

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*Maria Cecília Máximo Teodoro é pesquisadora, autora de livros e artigos e advogada.


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