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Sociedades limitadas e a publicação do balanço anual: Aspectos controversos da lei 11.638/07

Evidentemente a existência de registros verdadeiros e exatos são uma condição essencial para que o BCB possa realizar de forma adequada e eficiente o seu trabalho de fiscalização junto às instituições financeiras.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Atualizado às 08:05

INTRODUÇÃO

O mês de abril é conhecido por ser um mês movimentado para os advogados empresariais da área societária, visto que é quando se encerra o prazo de muitas empresas para realização da reunião dos sócios das sociedades limitadas, estabelecido no artigo 1.078 do Código Civil. Por tal razão, é praxe surgirem diversos questionamentos sobre o assunto por parte dos clientes. Inicialmente, destaca-se que, conforme previsto no CC, é obrigatória a realização da reunião dos sócios nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, para tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico, dentre outros.

Nessa perspectiva, a lei 11.638/07, que estendeu a todas as sociedades de grande porte as disposições relativas à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras estabelecidas na lei 6.404/76 (lei das S.A.), provocou impactos consideráveis na rotina das sociedades limitadas. O parágrafo único do art. 3º do referido diploma legal define como sociedade de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00. Dessa maneira, depreende-se que as sociedades limitadas de grande porte devem observar o estabelecido na lei das S.A. no que tange à escrituração e elaboração das suas demonstrações financeiras.

ASPECTOS CONTROVERSOS DA LEI 11.638/07

Surgiram, assim, duas principais controvérsias com a entrada em vigor da lei 11.638/07. A primeira delas diz respeito à necessidade de publicação das demonstrações financeiras em órgãos da imprensa oficial. Já a segunda, é referente à prova, por parte das limitadas de pequeno e médio porte, de que não se encaixam nos parâmetros de sociedade de grande porte estabelecidos no diploma legal.

Primeiramente, destaca-se a batalha judicial a que a redação do art. 3º da lei 11.638/07 deu início. Ao estabelecer a obrigatoriedade de escrituração das demonstrações financeiras, o legislador silenciou quanto à obrigatoriedade de publicação das referidas demonstrações, o que deu abertura para uma série de interpretações divergentes, instalando um ambiente de instabilidade, tendo em vista que diversas juntas comerciais, por meio de instruções normativas, passaram a exigir a efetiva publicação das demonstrações como requisito para o registro dos respectivos atos societários.

A Jucesp, por exemplo, estabeleceu em sua deliberação 02/15 a referida obrigatoriedade de publicação do balanço das sociedades de grande porte em órgão da imprensa oficial, sob pena de indeferimento do registro do ato.

Concomitantemente, começaram a ser impetrados diversos Mandados de Segurança, a fim de garantir o registro das atas de assembleia das sociedades limitadas cujos balanços não foram publicados na imprensa oficial, tendo em vista que a lei não trata expressamente da obrigatoriedade de publicação. Os argumentos mais utilizados no mérito das ações são os de que, apesar de constar na ementa do diploma legal o termo "divulgação", o seu art. 3º não trata da obrigatoriedade de publicação.

Dessa maneira, levando-se em consideração a independência entre os atos de escrituração, elaboração e publicação das demonstrações financeiras - incluindo a independência com a qual são tratados na própria lei das S.A., que reserva Seção separada para tratar da publicação -, não deveria haver obrigatoriedade de publicação das demonstrações das sociedades limitadas.

Ocorre que, apesar de todos os esforços, o assunto ainda não é pacífico nos tribunais pátrios, muito menos na prática diária das juntas comerciais. Consequentemente, muitas sociedades limitadas são levadas a terem gastos com publicações, que seriam desnecessários, caso o art. 3º da lei 11.638/07 fosse aplicado de forma mais realista e contextualizada com a lei das S.A.

Dentre os precedentes sobre o assunto, destaca-se o posicionamento dominante do TRF da 3ª Região, como representação daquela que nos parece ser a correta interpretação da legislação em comento:

MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE DE GRANDE PORTE. JUNTA COMERCIAL. PUBLICAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. OBRIGATORIEDADE AFASTADA.

I - O mandado de segurança é remédio constitucional destinado a proteger direito líquido e certo sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade.

II - A Lei nº 11.638/2007, ao ampliar o alcance das normas de contabilidade das companhias, menciona exclusivamente a escrituração e a elaboração de demonstrações financeiras (artigo 3º). As sociedades que não sejam anônimas ficam obrigadas a preencher livros específicos e a desenvolver, além do balanço patrimonial e do resultado econômico, o de lucros ou prejuízos acumulados e o de fluxos de caixa (artigos 176 e 177 da Lei nº 6.404/1976). Não existe qualquer referência à publicação. Como a contabilidade tradicional das sociedades civis e limitadas não prevê a divulgação das demonstrações financeiras pela imprensa oficial e por jornal de grande circulação, a alteração deveria ter sido explícita.

III - A impetrante, como sociedade limitada de grande porte, não está obrigada aparentemente a publicar as demonstrações financeiras pela imprensa oficial e por jornal de grande circulação.

IV - Apelação provida.

(TRF-3 - AMS: 00233345220154036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, Data de Julgamento: 01/02/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/02/2017)

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE EMPRESA. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. SOCIEDADES DE GRANDE PORTE NÃO CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE S/A. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.

I. O artigo 3º da Lei 11.638/07 limitou-se a estender às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, apenas no que tange à "escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários".

II. Deste modo, exorbita da referida legislação (art. 3º da Lei 11.638/07), impor, por meio da Deliberação JUCESP nº 02/2015, às sociedades de grande porte, não sujeitas ao regime da Lei nº 6.404/76, a obrigatoriedade de publicação Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado.

III. Dessa forma, não havendo menção no artigo 3º, da Lei nº 11.638/07 quanto à publicação destes, inviável a ampliação da norma por parte da JUCESP. IV. Apelação a que se nega provimento.

(TRF-3 - AMS: 00126867620164036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, Data de Julgamento: 07/02/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/02/2017)

Já com relação ao segundo ponto a ser tratado, destaca-se que caso a sociedade não se encaixe no conceito de sociedade de grande porte, as juntas comerciais têm regulado o procedimento a ser seguido pela sociedade, a fim de que não lhe sejam aplicadas as exigências estabelecidas na lei 11.638/07. A Jucesp, por exemplo, na mesma deliberação 02/15, estabeleceu em seu art. 2º que será dispensada a apresentação da publicação do balanço mediante a apresentação de "declaração" de que não se trata de sociedade de grande porte nos termos da lei 11.638/07, firmada pelo Administrador, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado.

CONCLUSÃO

Depreende-se, portanto, que a análise de cada caso específico demanda, além da conformidade dos procedimentos com o estabelecido na lei 11.638/07, diligências junto às juntas comerciais às quais as sociedades limitadas se submetem, para que seja verificado, especificamente, se há algum ato, instrução normativa ou deliberação que trate do assunto e estabeleça regras diversas das já estabelecidas na lei vigente.

Apesar de nos parecer flagrante a ilegalidade da exigência de publicação das demonstrações financeiras das sociedades limitadas de grande porte nos órgãos de imprensa oficial, enquanto não se pacifica a questão no judiciário, não há alternativa senão se submeter às interpretações peculiares das juntas comerciais, sob pena de paralisação da vida das sociedades, o que pode trazer ainda mais prejuízos que os que já são provocados com a exigência da publicação.

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*Victor Cavalcanti Couto é advogado com atuação em Direito Empresarial e Societário.

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