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O jogo da imitação; castração química e a criminalização dos usuários de drogas

Somos uma sociedade que desconhece a fraternidade, e que precisa, urgentemente, retomar o caminho da união fraternal, antes que nos tornemos, todos, toxicômanos, haja vista, que padecemos, no mínimo, de uma grave miopia social.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Atualizado em 31 de julho de 2017 17:05

Somos uma sociedade que desconhece a fraternidade, e que precisa, urgentemente, retomar o caminho da união fraternal, antes que nos tornemos, todos, toxicômanos, haja vista, que padecemos, no mínimo, de uma grave miopia social.

A película, o Jogo da Imitação, nos mostra a história fantástica, e o fim trágico de Alan Mathison Turing, matemático, lógico, criptoanalista e cientista da computação britânico. Foi influente no desenvolvimento da ciência da computação e na formalização do conceito de algoritmo e computação com a máquina de Turing, desempenhando um papel importante na criação do computador moderno. Foi também pioneiro na inteligência artificial e na ciência da computação. É conhecido como o pai da computação. Nascido em 23/6/1912, teve papel determinante no resultado da segunda guerra mundial, ao decifrar códigos secretos da Alemanha nazista. Segundo a Wikipedia1:

Durante a Segunda Guerra Mundial, Turing trabalhou para a inteligência britânica em Bletchley Park, num centro especializado em quebra de códigos. Por um tempo ele foi chefe do Hut 8, a seção responsável pela criptoanálise da frota naval alemã. Planejou uma série de técnicas para quebrar os códigos alemães, incluindo o método da bomba eletromecânica, uma máquina eletromecânica que poderia encontrar definições para a máquina Enigma.

Após a guerra, trabalhou no Laboratório Nacional de Física do Reino Unido, onde criou um dos primeiros projetos para um computador com um programa armazenado, o ACE. Posteriormente, Turing se interessou pela química. Escreveu um artigo sobre a base química da morfogênese e previu reações químicas oscilantes como a Reação de Belousov-Zhabotinsky, que foram observadas pela primeira vez na década de 1960.

A homossexualidade de Turing resultou em um processo criminal em 1952, pois atos homossexuais eram ilegais no Reino Unido na época, e ele aceitou o tratamento com hormônios femininos e castração química, como alternativa à prisão. Morreu em 1954, algumas semanas antes de seu aniversário de 42 anos, devido a um aparente autoadministrado envenenamento por cianeto, apesar de sua mãe (e alguns outros) terem considerado sua morte acidental. Em 10/9/09, após uma campanha de internet, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown fez um pedido oficial de desculpas público, em nome do governo britânico, devido à maneira pela qual Turing foi tratado após a guerra. Em 24/12/13, Alan Turing recebeu o perdão real da rainha Elizabeth II, da condenação por homossexualidade.

A condenação deste eminente cientista britânico, pelo crime de homossexualidade, bem como a pena de castração química, a qual lhe foi imposta, nos estarrece; faz-nos ruborizar de vergonha, nos leva a questionar; como a humanidade pode ter sido tão cruel e insensata na formulação de suas leis, a pouco menos de sete décadas?

A resposta é evidente; embora tenhamos a noção de que fazemos parte de tempos modernos, somos, na realidade, absolutamente primitivos. Galgamos considerável avanço tecnológico nas ciências exatas e biológicas, abrimos as cortinas do espaço tempo e nos assombramos com a imensidão do universo observável, mas somos, ainda, patéticos e carentes de conhecimento na seara das ciências humanas.

Na idade média, pessoas eram condenadas por serem canhotas², tendo essa ideologia, influenciado, inclusive, as ciências criminais³. Hodiernamente, a humanidade, não compreendendo o comportamento humano, em países democráticos, através da população mais embrutecida e, em países ditatoriais, em forma de políticas publicas, vige a perseguição a homo afetividade, revelando-se como perseguição a aquilo que difere de nós, fruto da ignorância, e de uma idéia deturpada, de que o criador, (Deus), abomina o amor entre o mesmo sexo.

² A sugestão bíblica de que a mão direita é divina teve consequências desastrosas na Idade Média. Pela lógica, a Igreja Católica entendeu que a esquerda estava ligada ao Diabo. Durante a Inquisição no século 12 e a caça às bruxas organizada pelos protestantes na América no século 16, vários canhotos foram torturados e queimados como bruxos.

³ No século 19, o médico italiano Cesare Lombroso, conhecido como o "pai da criminologia", propôs que canhotos possuem maior suscetibilidade a psicopatias, criminalidade e violência. Hoje, esses estudos são considerados ultrapassados, mas estimularam ideias de eugenismo fascista na Europa e até influenciaram o Código Penal Brasileiro de 1940.

Contudo, assim como hodiernamente, vislumbramos, aterrorizados, a imputação de crime de homossexualismo ao cientista britânico, por certo, da mesma maneira, em poucas décadas futuras, nossos semelhantes pensarão em nós, cidadãos do século XX e inicio do século XXI, com o mesmo horror, haja vista a criminalização e marginalização dos usuários de drogas no Brasil e no Mundo.

Clarividente, que a homossexualidade, não possui semelhança intrínseca com o uso de drogas, haja vista que a criatura homo afetiva não opta por amar um semelhante do mesmo gênero sexual. Ele apenas sente em seu íntimo o amor, e por isso, é incompreendido, entretanto, a semelhança, encontra-se extrínseca, no fato, de que, assim como a sociedade de outrora, e o Estado britânico, não compreenderam que a homo afetividade é um estado psicológico normal do ser humano, hoje, nós não compreendemos que a toxicomania é um estado social da criatura humana.

O liame entre as situações, reside, no fato de que, tal qual outrora, usamos do direito penal para tratar problemas que não possuem relação com a criminalidade, haja vista, que a criminalidade, é o ato de cometimento de uma lesão a um bem jurídico, e no uso de qualquer química em busca de prazer imediato, reside, penas a autolesão, sendo que a autolesão, não é penalmente punível.

Todavia, muitos bradam que o toxicômano comete crimes para angariar mais drogas. Ora, pessoas que não usam drogas, também cometem crimes, pelos mais variados motivos, entretanto, não se cogita de lhes cominar penas antes do fato delituoso.

Assim, existem pessoas que sentem prazer na degustação do vinho, podendo vir a cometer crimes depois de embriagado pela bebida alcoólica, entretanto, não se criminaliza ninguém pela ingestão de bebida alcoólica.

Mas então, outros dirão que o toxicômano comete crimes para adquirir mais drogas. Porque não detém meios de sustentar seu vício, haja vista que a drogadição, lhe subtraiu a condição de cidadão, não tendo mais, o toxicômano, uma vida social apta a sobreviver dignamente.

Pois então, aí afigura-se, um semelhante, que necessita de amparo imediato. Porque, encontra-se em condições subumanas, entregando-se as piores praticas a fim de satisfazer a necessidade biológica da química, responsável pela descarga de endorfina na corrente sanguínea, dando a falsa impressão de prazer, em um mundo que perdeu a cor e o sabor.

A criminalização do toxicômano, e a sua marginalização, é um horror tão grande quanto a criminalização da homo afetividade, porque criminaliza-se um comportamento humano que não constitui lesão a nenhum bem jurídico.

O casal homo afetivo apenas ama, portanto, não merece ser criminalizado, o toxicômano, encontra-se debilitado por uma enfermidade social, portanto, também não merece ser criminalizado. Na primeira situação, urge o respeito ao casal que se ama, na segunda ocasião, urge o amparo ao semelhante que não se encaixa em uma sociedade, cujos valores encontram-se inseridos no consumo desenfreado. Logo, fora da cadeia de consumo, não se sente valorizado em seu meio social, e mil questionamentos lhe ocorrem à mente, e vazios de esperança, milhares de jovens, encontram nas drogas o prazer imediato, próprio de uma sociedade absolutamente imediatista.

O caminho para harmonização do tecido social não pode ser outro, senão o abandono de nossas políticas criminais estéreis, passando a lidar com o problema das drogas sob a ótica de um problema de saúde pública.

Enquanto a sociedade civil não acordar para o fato de que, o direito penal não pode ser responsável por resolver nossos problemas sociais, o encarceramento em massa continuará a nos encaminhar para o caos social irrefreável.

A aplicação do direito penal, em seu elemento objetivo, não abarca a complexidade das relações humanas, sendo, portanto, necessária a percepção de que o problema das drogas encontra-se vinculado a questões de foro íntimo do indivíduo. Neste sentido, segue uma valiosa reflexão extraída de obra mediúnica, pelas mãos do Médium, Francisco Cândido Xavier, em que o protagonista da narrativa, André Luiz, ao vislumbrar um crime infame, cometido por uma mulher, pondera: (Livro Os Mensageiros - Coleção o Nosso Lar, pg. 122).4

Se Ana estivesse no mundo, ao meu lado, na família do sangue, não desejaria auxiliá-la? Porque haveria de acusá-la, se não lhe conhecia o passado total? Ter-lhe-iam dado a educação na infância, a bênção do lar, a segurança de um afeto sem manchas? Quem sabe viera de longe, como pedra incompreendida, rolando nos abismos do sofrimento?

O toxicômano é um irmão desafortunado que encontrou nas drogas, o amparo que não encontrou na sociedade. O efeito da droga aufere a ilusão de que tudo esta bem em uma sociedade visivelmente enferma, haja vista que os valores morais se encontram deturpados. E encontram-se deturpados porque a criatura humana, não é valorizada pelo seu caráter, mas sim pelos bens de consumo que conseguiu amealhar. Portanto, somos uma sociedade que desconhece a fraternidade, e que precisa, urgentemente, retomar o caminho da união fraternal, antes que nos tornemos, todos, toxicômanos, haja vista, que padecemos, no mínimo, de uma grave miopia social.

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1 Alan Turing

2 É verdade que os canhotos já foram perseguidos?

3 É verdade que os canhotos já foram perseguidos?

4 (Livro Os Mensageiros - Coleção o Nosso Lar - Chico Xavier).

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*Nelson Olivo Capeleti Junior é advogado, OAB/SC 51.501.

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