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Liminar dispensa a certificação de entidade imune

Atualmente, a lei 12.101/09 vem exigindo das entidades beneficentes a certificação, assim como a sua renovação, impondo às mesmas o cumprimento de uma série de requisitos, nem sempre fáceis de atender, entre os quais a gratuidade de bolsas de estudos (no caso das instituições de ensino), em percentuais que se equiparam ao próprio benefício da imunidade, anulando com isso o direito constitucional em vigor.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Atualizado às 07:12

A imunidade tributária conferida pelo texto constitucional às entidades beneficentes há muito tempo vem sendo dificultada pelos Órgãos da Administração Pública, em razão de lei ordinária que condiciona o exercício desse direito à expedição de certificado de filantropia.

Em face disso, mesmo que a entidade atenda todos os requisitos exigidos pela norma constitucional (art. 195, § 7º) e Código Tributário Nacional (artigos 9 e 14 CTN), isto é, seja beneficente, não distribua lucro, aplique no país e em seu objeto social o resultado decorrente de sua prestação de serviço e apresente contabilidade regular, é submetida à burocracia exigida para o requerimento do certificado de filantropia na via administrativa, que muitas vezes demora anos para ser expedido e exige da entidade o cumprimento de requisitos que destoam totalmente do desiderato constitucional.

Cabe observar que o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a repercussão geral de um dos recursos extraordinários interpostos por uma entidade desse Estado, por decisão plenária, julgou o mérito dessa causa, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei 8212/91, art. 55, inciso II, que exigia o certificado de filantropia, por se tratar de lei ordinária, posto que somente a lei complementar é competente para regulamentar a norma constitucional, que impõe limites ao poder de tributar.

Esse precedente, por sua natureza vinculante, abre então a possibilidade das entidades beneficentes não ficarem mais à mercê dos Órgãos Públicos para a concessão ou renovação do mencionado certificado, para exercer um direito que a constituição lhes confere, justamente, para que cumpram suas finalidades sociais e exerçam o papel que ao Estado caberia.

Com base nesse entendimento, recentemente, o Juiz da 14ª Vara Federal de Porto Alegre, em ação patrocinada pela signatária, concedeu a uma entidade gaúcha, que atua na área de educação, a antecipação de tutela para suspender a exigibilidade das contribuições à seguridade social, patronal, SAT e PIS , de onde se extraem os seguintes fundamentos:

A autora, segundo seu estatuto (art. 2º), tem por finalidade "o ensino, a graduação, a pós-graduação, o desenvolvimento tecnológico, o desenvolvimento institucional, a pesquisa e serviços através da (...) promoção do bem estar da sociedade através do estímulo à mudança, ao desenvolvimento, difusão e aplicação do conhecimento científico e tecnológico; (...) promoção de estudos, pesquisa e prestações de serviços para órgãos públicos e privados visando ao desenvolvimento científico, tecnológico, cultural, social e econômico do país; (...) instituição de bolsas de estudos e de investigação científica para o aprimoramento de recursos humanos", dentre outros. Por conta disso, fica obrigada a recolher as contribuições de Seguridade Social, ou seja, às contribuições previdenciárias patronais, inclusive SAT/RAT.

No entanto, se a postulante atender aos requisitos estabelecidos em lei, terá direito à imunidade, nos termos do art. 195, §7º, da Constituição Federal.

Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 636.941, com repercussão geral, e eficácia erga omnes e ex tunc, decidiu que 'a pessoa jurídica para fazer jus à imunidade do § 7º, do art. 195, CF/88, com relação às contribuições sociais, deve atender aos requisitos previstos nos artigos 9º e 14, do CTN, bem como no art. 55, da lei 8.212/91, alterada pelas lei 9.732/98 e lei 12.101/09, nos pontos onde não tiveram sua vigência suspensa liminarmente pelo STF nos autos da ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000. 25)'.

Por outro lado, no julgamento do RE 566.622/RS, em 23/02/17, com repercussão geral, fixou tese no sentido de que "Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar".

O STF, portanto, decidiu que os requisitos previstos nas leis 8.212/91 e 9.732/98 não devem ser considerados para a fruição de imunidade, que fica condicionada ao atendimento apenas dos requisitos materiais previstos no CTN, recepcionado como lei complementar.

Dispõe o art. 14 do CTN:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela LCP nº 104, de 10.1.2001)

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Assim, os requisitos materiais para que a pessoa jurídica se enquadre na condição de imune são três: a) não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; b) aplicar integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; c) manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

No caso dos autos, consta nos artigos 5º, 28 e 41 do Estatuto da autora:

Art. 6º Todas as rendas da Fundação serão aplicadas em território brasileiro na manutenção e desenvolvimento dos objetivos fixados no artigo 2;

Art. 28 A prestação de contas anual da Fundação deverá ser submetida ao exame do Ministério Público dentro de 6 (seis) meses seguintes ao término do exercício financeiro, mediante o sistema informatizado adotado pela Procuradoria de Fundações.

Art. 36º É vedada expressamente a distribuição de lucros, bonificações ou vantagens a seus dirigentes e beneficiários, sob qualquer forma ou pretexto.

Presume-se também que a entidade mantenha escrituração regular das suas receitas e despesas, especialmente diante dos documentos juntado no Ev. 1.

Logo, considero presentes fortes indícios do atendimento aos requisitos materiais para a fruição da imunidade em relação às contribuições previdenciárias patronais, inclusive SAT/RAT.

Ante o exposto, defiro a tutela antecipada para suspender a exigibilidade das contribuições de Seguridade Social, quais sejam, as contribuições previdenciárias patronais, inclusive SAT/RAT.

Defiro a AJG. Anote-se.

Atualmente, a lei 12.101/09 vem exigindo das entidades beneficentes a certificação, assim como a sua renovação, impondo às mesmas o cumprimento de uma série de requisitos, nem sempre fáceis de atender, entre os quais a gratuidade de bolsas de estudos (no caso das instituições de ensino), em percentuais que se equiparam ao próprio benefício da imunidade, anulando com isso o direito constitucional em vigor.

Cabe, portanto, ao Judiciário a solução dessa questão, reconhecendo às entidades beneficentes que cumprirem os requisitos legais (art. 195, § 7º, CRFB e art. 14, do CTN) o direito à imunidade tributária, a fim de que permaneçam auxiliando o Estado, nas áreas mais caras à comunidade, no campo da saúde, educação e assistência social.

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*Maria Paula Farina Weidlich é advogada tributalista, especialista no terceiro setor.

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