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ICMS sobre a TUST e a TUSD na fatura de energia

José Rossiter e Abraão Lopes

Atualmente, após ampla reestruturação no setor de energia elétrica brasileiro na década de 1990, a comercialização da energia elétrica, submetida à regulação pela Aneel, se materializa nos ambientes de mercado livre e mercado cativo.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Atualizado às 11:16

Milhares de consumidores de energia elétrica têm buscado o Judiciário visando reduzir o ICMS pago na fatura de energia a partir da retirada das chamadas tarifa de uso de transmissão e de distribuição do sistema (TUST e TUSD) da base de cálculo desse tributo. Trata-se de discussão, porém, que não pode perder de vistas as particularidades do mercado de energia elétrica.

É que, atualmente, após ampla reestruturação no setor de energia elétrica brasileiro na década de 1990, a comercialização da energia elétrica, submetida à regulação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), se materializa nos ambientes de mercado livre e mercado cativo.

No mercado livre, o consumidor adquire a energia de comercializadores ou geradores em condições livremente pactuadas pelas partes e, de forma autônoma, também contrata individualmente com companhias transmissoras e distribuidoras exclusivamente o acesso e uso, respectivamente, das redes de transmissão e distribuição, para fazer chegar a energia gerada às suas instalações, podendo gerar nessa relação inúmeros contratos regulados.

Já no mercado cativo, o distribuidor é o fornecedor compulsório de energia ao qual a unidade consumidora está conectada (residenciais, industriais, comerciais e rurais), gerando uma única relação contratual entre distribuidor e consumidor, ficando o distribuidor responsável por cobrar todos os custos e encargos da cadeia produtiva anterior.

São exatamente os consumidores cativos que têm usualmente batido as portas do Judiciário com vistas a retirar a TUST e a TUSD da base de cálculo do ICMS.

Ocorre que o valor da tarifa da energia consumida pelo consumidor cativo, além de incluir os custos com a geração, também remunera a transmissão e distribuição, por meio justamente das denominadas citadas tarifas de uso de transmissão e de distribuição do sistema, tudo isso em função dos componentes tarifários impostos por lei e definidos pelo regulador.

Isso quer dizer que a fatura de energia paga pelo consumidor cativo inclui o custo da energia e do serviço de uso da transmissão e distribuição. Não há preço de energia e sim uma "tarifa de energia", definida pela ANEEL para cada distribuidora.

Por isso mesmo, para os consumidores cativos, o ICMS incide indistintamente sobre o preço da energia, independente da pessoa a quem aproveita o produto da cobrança. O mesmo se diz quanto à TUST e à TUSD, além dos Encargos Setoriais (ES), que também deverão compor a base de cálculo do ICMS.

Dentre outras questões, essa é uma particularidade que merece absoluto cuidado.

O particular tratamento do consumidor cativo em relação ao consumidor livre não foi considerado pela Segunda Turma do STJ na construção de sua jurisprudência no sentido de que a TUST e a TUSD não compõem a base de cálculo do ICMS (AgRg no AREsp 845.353/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 13/04/2016). E no mesmo caminho foram outros tantos Tribunais, como o TJRJ, o TJPE e o TJDFT.

Já a Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.163.020, trouxe ao debate os conceitos de consumidor cativo e livre, vindo a entender que a TUST e a TUSD devem sim compor a base de cálculo do ICMS e, a partir daí, evidenciando a divergência em relação à Segunda Turma da mesma Corte.

Antes disso, porém, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte já firmara posição no sentido de que as características do consumidor cativo impunham a incidência do ICMS sobre a TUST e a TUSD, após longo trabalho de convencimento realizado pela distribuidora local. Há mais recentemente Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas nos Tribunais de Justiça de vários estados (para citar, RJ, MG, PR, SC, SP, MS), dentre outros. Até o momento milhares de ações espalhadas pelo Brasil, representando um desperdício de milhões de reais no enfrentamento do problema.

Em conclusão, percebe-se que as particularidades do consumidor cativo devem passar a protagonizar o debate jurídico quanto à incidência do ICMS na fatura de energia, não havendo como chegar a uma solução sem considerar as suas características, que não se confundem com as do consumidor livre.

Para além disso, evidentemente outras questões devem ser avaliadas caso a caso, como os integrantes da lide, os fundamentos da inicial, os termos liminares, a tese jurídica em si, o envolvimento do Estado, a sedimentação da tese, e outras questões na gênese regulatória e tributária enraizadas na questão.

O mais importante agora é o que o STJ uniformize a questão e coloque, definitivamente, uma pá de cal sobre essa insegurança jurídica, que acaba por onerar, em última análise, os consumidores.

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*José Rossiter é sócio do escritório Rossiter Rocha e Capistrano Advogados.

*Abraão Lopes é sócio do escritório Rossiter Rocha e Capistrano Advogados.

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