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Atos de concentração e seus novos critérios

Um dos temas mais controvertidos, falando-se em direito econômico focado na apresentação dos chamados atos de concentração, necessariamente é representado pela dificuldade de interpretação quanto aos requisitos que determinam sua subsunção aos órgãos de direito econômico

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Atualizado em 5 de julho de 2006 11:48

 

Atos de concentração e seus novos critérios

 

Rodrigo B. Fontoura*

 

Um dos temas mais controvertidos, falando-se em direito econômico focado na apresentação dos chamados atos de concentração, necessariamente é representado pela dificuldade de interpretação quanto aos requisitos que determinam sua subsunção aos órgãos de direito econômico.

 

Nesta seara, o artigo 54 da Lei n.º 8.884/94 (clique aqui) reza que os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação deste órgão. Adicionalmente, seu parágrafo 3º complementa esta disposição incluindo o entendimento de que devem ser submetidos aos órgãos de direito econômico os atos que: a) visem a qualquer forma de concentração econômica por fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de agrupamentos societários, participação em empresa ou grupo de empresas que ocupe vinte por cento de um mercado relevante ou b) na hipótese de qualquer um dos participantes do negócio ter registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).

 

Assim, basicamente dois critérios determinantes são avaliados para verificar-se a necessidade de apresentação do ato de concentração aos órgãos de direito econômico, constatados alternativa ou concomitantemente, sejam eles: uma parcela de "market share" superior a 20% e/ou faturamento bruto anual superior aos referidos R$ 400.000.000,00.

 

A redação simples e despretensiosa concedida pelo legislador trouxe à Lei, todavia, uma interpretação ambígua e controversa. Sua omissão, embora indesejada pela iniciativa privada, remanesceu aos olhos do Poder Público como uma oportunidade manifesta para ampliação de seu poder discricionário. Isto ocorreu nem tanto pelo primeiro critério supracitado, claro e auto-explicativo, mas sim e fundamentalmente pelo critério do faturamento bruto anual, cuja textualização legal não especificou o nível corporativo que deveria ser considerado.

 

Como conseqüência, desde sempre nosso órgão de direito econômico mais ilustre, o CADE, lastreado nesta lacuna normativa, sustentou o entendimento de que referido faturamento de R$ 400.000.000,00 deveria ser sempre considerado em nível global, abrangendo-se o resultado bruto do grupo econômico como um todo, em detrimento do entendimento mais plausível, que seria o de que este faturamento deveria ser considerado apenas e tão somente em nível conjuntural, referentemente às sociedades comerciais efetivamente envolvidas no negócio.

 

Neste diapasão, todas as sociedades que desejassem realizar negócios que envolvessem atos econômicos relevantes (como fusões e aquisições, por exemplo), e que, adicionalmente, registrassem faturamento bruto anual superior a R$ 400.000.000,00, considerando-se o grupo econômico, deveriam necessariamente apresentar o respectivo ato de concentração perante os órgãos reguladores competentes.

 

Pré-definido o paradigma constata-se, neste momento, o que poderíamos chamar de divisor de águas no tocante ao critério faturamento envolvido como condição "sine qua non" para apresentação de atos de concentração perante o CADE: Em decisão até certo ponto vanguardista, seguida por todos os integrantes do plenário, o Conselheiro do CADE Roberto Pfeiffer decidiu não conhecer operação submetida, envolvendo as empresas ADC Telecommunications Inc. e Krone International Holding Inc. Referida decisão respaldou-se principalmente no fato do faturamento das requerentes, em território nacional, ser inferior aos R$ 400.000.000,00 exigidos pelo parágrafo terceiro, artigo 54, da Lei n.º 8.884/94, levando-se em conta o faturamento bruto anual registrado exclusivamente no território brasileiro pelas empresas ou grupo de empresas participantes do ato de concentração. Assim decidiu-se, em outras palavras, que o velho critério utilizado para submissão de atos de concentração ao CADE, estava superado.

 

 

Com isto, o CADE inova e contraria praticamente todas as suas decisões anteriores, onde o critério para submissão ou não de operações que envolvessem direito econômico, além do percentual superior a 20% de participação no mercado, era o de que qualquer uma das empresas envolvidas no negócio (ou o grupo econômico correspondente), possuísse faturamento bruto anual superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), em nível mundial. Deste modo, nos termos da decisão proferida, o critério alternativo para verificar-se a necessidade de apresentação de ato de concentração ao CADE, deixou de considerar o faturamento em nível mundial, passando a considerar o faturamento em nível nacional, o que reduz bastante o número de empresas que seriam obrigadas a submeter suas operações aos órgãos de direito econômico.

 

Neste sentido, quando o assunto tratado for o critério para submissão ou não de operações que envolvam direito econômico, podemos considerar esta decisão um evento surpreendente e benéfico. Isto ocorre pois sua efetivação torna mais justo o critério de submissão dos atos de concentração, já que a maioria das empresas multinacionais que vem para o Brasil deseja primeiramente verificar a real viabilidade do negócio pretendido, ingressando com participações de mercado inferiores a R$ 400.000.000,00.

 

Ora, uma vez que pelo critério antigo as empresas que possuíssem faturamento bruto anual superior a este patamar, em nível mundial (mesmo que não tivessem grandes aspirações no mercado nacional), deveriam submeter suas operações aos órgãos de direito econômico, estas restariam obrigadas também ao pagamento de taxas governamentais compulsórias que montam aproximadamente R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), ficando ainda obrigadas a expor suas estratégias negociais de ingresso no país ao crivo do Poder Público e sua publicidade decorrente, fato este que não seria juridicamente necessário e tampouco interessante sob o ponto de vista comercial.

 

Deste modo, ao ratificar uma decisão como esta (condicionado-se obviamente a manutenção desta tendência em decisões futuras), o CADE demonstra estar coadunado com a conjuntura econômica vigente no país, interpretando as leis e proferindo julgados que tendem a ir ao encontro do que efetivamente se espera de nossos órgãos de direito econômico: a tutela do interesse coletivo em detrimento da imposição pública unilateral, ou seja, a preocupação fática com o que realmente importa.

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*Advogado do escritório Cabral Advogados Associados









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