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O exemplo da China no combate à contrafação

Seria de grande valia ao país se a Receita Federal se inspirasse no exemplo chinês e instituísse um sistema aduaneiro de registro de marcas, facilitando aos seus servidores a árdua identificação de possíveis importações ou exportações ilegais.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Atualizado às 10:20

Reconhecendo a importância da propriedade intelectual para o desenvolvimento econômico do país, o Brasil incluiu no rol constitucional dos direitos fundamentais a proteção às criações industriais e à propriedade das marcas1.

Mais de um século antes da promulgação da Constituição Federal atualmente vigente, o Brasil já havia assumido o compromisso internacional de apreender todo produto ilicitamente identificado com qualquer marca localmente protegida2, quando da ratificação da versão original da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, então internalizada através do decreto 9.233 de 28.06.1884.

O compromisso internacional supracitado foi confirmado não apenas com a ratificação das Revisões de Haia e Estocolmo da Convenção de Paris, mas também com a ratificação do Acordo TRIPS, internalizado através do decreto 1.355 de 30.12.1994, que prevê a obrigação de adoção de procedimentos para suspensão da liberação alfandegária de importação de bens com marca contrafeita ou pirateados, ademais de facultar a adoção de procedimentos similares para exportação de produtos3.

Outrossim, é notório o trabalho realizado pela Receita Federal do Brasil no combate à pirataria e à contrafação, decorrente do cumprimento de um dos seus propósitos, que é planejar, coordenar e realizar a repressão à contrafação4.

Aliás, a Receita Federal tem o dever de instaurar procedimento especial de controle aduaneiro em caso de suspeita de importação ilegal5, que pode culminar na aplicação da pena de perdimento da mercadoria6.

Neste sentido, cumpre ressaltar que são ilegais tanto a imitação ou adulteração de marca quanto o uso de marca por qualquer pessoa que não seja o respectivo titular ou terceiro devidamente licenciado7, desde que a marca goze de alguma das formas de proteção estabelecidas na Lei da Propriedade Industrial, de modo que a importação de produto contendo marca contrafeita é consequentemente ilícita.

Contudo, executar o combate à contrafação com base na suspeita de irregularidade decorrente de uma análise subjetiva e inadequadamente informada não é a maneira mais eficiente de cumprir a referida missão.

O trabalho da Receita Federal pode ser facilitado - e consequentemente a proteção à propriedade industrial vigente no país pode ser mais eficaz - se houver uma ferramenta que permita a pronta identificação de importação ou exportação envolvendo produto contrafeito.

Uma solução pode ser a adoção de uma sistemática de proteção aduaneira à propriedade industrial similar à implementada pela China com a promulgação do seu decreto 395 de 02.12.2003, que é um ótimo exemplo de instrumentalização eficaz do combate à contrafação.

A China proíbe a importação e exportação de produtos que violem direitos de propriedade industrial vigentes em território chinês8, e oferece aos respectivos titulares um mecanismo efetivo de proteção e combate à importação ou exportação ilegal: o registro aduaneiro de propriedade industrial - o registro também é conferido para outros tipos de propriedade intelectual, mas para fins de delimitação de escopo este artigo restringir-se-á às marcas.

Ainda que se possa fazer críticas ao caráter relativamente pouco prático do sistema chinês ora em comento, que exige um registro duplo de marcas (um registro no Escritório de Marcas e um registro na Aduana), o fato é que com as devidas precauções são reduzidas as chances de um produto ser importado para ou exportado da China ostentando determinada marca sem que o respectivo titular tenha autorizado.

Qualquer titular de uma marca com registro vigente na China pode pedir à Aduana chinesa a proteção da sua marca mediante requerimento escrito instruído com a documentação pertinente9, o qual deve ser respondido ao requerente pela autoridade aduaneira no prazo de 30 dias10.

Se concedido, o registro aduaneiro tem vigência por 10 anos contados da respectiva concessão pela Aduana, prorrogável por novos períodos de 10 anos mediante requerimento feito com 6 meses de antecedência - o registro aduaneiro perde vigência se o registro marcário não for devidamente prorrogado11.

Uma vez concedido o registro aduaneiro, além de poder tomar as medidas normais de combate à contrafação da sua marca em território chinês, o titular do registro passa a contar com o apoio ativo da Aduana chinesa para tanto.

Detectando qualquer importação ou exportação de produtos com suspeita de violação a marca protegida por registro aduaneiro, a Aduana notifica imediatamente o titular do registro para que, se for o caso e no prazo de 3 dias úteis, requeira a apreensão dos produtos mediante caução limitada ao valor dos produtos, o que dá início a um processo administrativo com direito ao contraditório para o dono da carga apreendida12.

O processo administrativo e posteriormente judicial que segue tal procedimento foge ao objetivo deste artigo, que é demonstrar a possibilidade de criar ferramentas efetivas para que o Estado possa cumprir adequadamente o seu papel de repressão à contrafação.

O ideal seria que a Receita Federal e o INPI compartilhassem uma base de dados de marcas para que, mediante simples consulta da autoridade aduaneira ao sistema, fosse possível identificar se o importador ou o exportador de determinada mercadoria é o titular da respectiva marca ou pelo menos tem a devida licença para usá-la.

Contudo, já seria de grande valia ao país se a Receita Federal se inspirasse no exemplo chinês e instituísse um sistema aduaneiro de registro de marcas, facilitando aos seus servidores a árdua identificação de possíveis importações ou exportações ilegais.

A medida ora sugerida certamente não seria uma solução definitiva ao problema, mas poderia representar uma importante arma na luta contra a contrafação.
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1 Art. 5º, XXIX, Constituição Federal.

2 Art. 9º, Convenção da União de Paris.

3 Art. 51, Acordo TRIP.

4 Art. 25, XX, Anexo I do Decreto nº 9.003 de 13.03.2017.

5 Art. 2º, III, Instrução Normativa RFB nº 1.169 de 29.06.2011.

6 Art. 1º, Instrução Normativa RFB nº 1.169 de 29.06.2011.

7 Art. 190, Lei da Propriedade Industrial.

8 Art. 3, Regulamento da Proteção Aduaneira de Direitos de Propriedade Intelectual.

9 Art. 7, Regulamento da Proteção Aduaneira de Direitos de Propriedade Intelectual.

10 Art. 8, Regulamento da Proteção Aduaneira de Direitos de Propriedade Intelectual.

11 Art. 10, Regulamento da Proteção Aduaneira de Direitos de Propriedade Intelectual.

12 Art. 16, Regulamento da Proteção Aduaneira de Direitos de Propriedade Intelectual.
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*Felipe Augusto Canto Bonfim é advogado do escritório Casillo Advogados.

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