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Fintechs, livre concorrência e operações "peer to peer"

Por partirem de modelos de negócio sólidos e com portfólios diversificados, o sucesso das fintechs é a consequência, mas vem causando desconforto e dividindo as opiniões.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Atualizado em 22 de fevereiro de 2018 14:26

Fintech, que vem dos termos "finanças" e "tecnologia", é a denominação dada às startups que, imersas em inovações tecnológicas, ofertam soluções financeiras, como cartões de crédito, empréstimos corporativos e pessoais, investimentos, seguros, entre outros produtos, de modo a corrigir as assimetrias, o excesso de burocracia e os abusos de mercado praticados pelo "oligopólio" das grandes instituições financeiras.

O sucesso desses novos modelos de negócios pode ser medido pelos investimentos ocorridos neste setor em todo o mundo. Em 2015, segundo dados fornecidos pelo CITIBANK, as cifras chegaram ao montante de 19 bilhões de dólares no mundo e, em 2016, só a startup brasileira Nubank captou 188 milhões de dólares.

Como destaca o Finnovation, laboratório de pesquisa especializado no assunto, as startups de Fintech normalmente oferecem produtos e serviços mais baratos que os bancos tradicionais, pois já nasceram no mundo digital. Sua infraestrutura está na nuvem, o que faz com que não tenham o grande custo de capital que os seus concorrentes do tradicional sistema bancário precisam suportar. Seus modelos de negócio são pensados no limite da regulamentação, o que evita enormes custos legais e de compliance. Esses fatores, aliados a um sistema de remuneração também diferenciado, baseado em stock options, e a uma cultura de lean startup, fazem com que essas empresas consigam ser lucrativas mesmo praticando preços mais baixos que os tradicionais players.

Ademais, por estarem inseridas no mundo virtual, as Fintechs que adotarem o regime de lucro real e que demonstrarem seus efetivos investimentos e dispêndios realizados com a pesquisa e o desenvolvimento de inovações tecnológicas ainda poderão gozar dos incentivos ficais previstos na lei 11.196/05, denominada "Lei do Bem". Com destaque para as reduções das bases de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e para a amortização/depreciação integral de intangíveis, máquinas e equipamentos usados na atividade empresarial, o que também contribui para a prática de um preço mais competitivo.

Esses novos Players de mercado vêm, com seus modelos inovadores, mais acessíveis, baratos e com bons portfólios de investimentos, cativando o consumidor e atraindo as atenções das grandes instituições financeiras. E ainda das agências de avaliação de risco (ratings) e das agências reguladoras, com destaque para o Banco Central (BACEN), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Como pondera a agência de ratings Moody's, "a competição com os bancos é improvável, mas a força do conjunto de pequenos pode fazer pressão para mudanças na indústria". Para tanto, a regulação das estruturas organizacionais e da atuação no mercado das Fintechs é desejada, na verdade, necessária, para trazer segurança jurídica às relações e para impedir que o novo e o desconforto provocado naquelas que controlam o mercado, não se torne um motivo para suprimir a atuação dessas novas empresas. Afinal, o livre acesso ao mercado, bem como a livre concorrência são imperativos constitucionais, previstos nos artigos 170 e seguintes da Constituição da República Federativa do Brasil, devendo, portanto, ser assegurados a todos agentes de mercado.

No entanto, as regulações devem ser postas de forma proporcional para que não se torne uma disputa de "David versus Golias", inviabilizando, assim, as operações das Fintechs. Pensando nisso, o BACEN, desde junho, constituiu um grupo para estudar as atividades dessas empresas.

Em todo país, 400 empresas já se enquadram de alguma forma no conceito de Fintech, segundo o FintechLab, plataforma nacional de conexão e fomento dessas novas empresas. São exemplos a NEXOOS e a BIVA, fintechs que atuam no segmento de operações peer to peer (P2P) (empréstimos de ponta-a-ponta, os quais conectam empresas que precisam de empréstimo e investidores que estão buscando investimentos mais rentáveis) e que defendem ser necessária a regulamentação das operações por elas realizadas, contanto que ela se dê de forma proporcional.

Por partirem de modelos de negócio sólidos e com portfólios diversificados, o sucesso das fintechs é a consequência, mas vem causando desconforto e dividindo as opiniões. Para as instituições financeiras, é consenso que os novos negócios devem ser regulados para que a concorrência seja justa. Porém, por outro lado, na visão das fintechs, o maior risco está na concentração do sistema financeiro.

Nesse impasse, a CVM se manifestou no sentido de que os créditos P2P não estão na alçada de regulação da instituição. Assim, caberá ao BACEN regular essas operações. Contudo, o prazo é incerto para a definição e a publicação de regras adicionais, visto que a proposta de regulação das fintechs de crédito estará submetida a consulta pública novembro desse ano.

Logo, para as fintechs de crédito, a solução é continuar operando em conformidade com as regras postas até a presente data. Com destaque para o artigo 16 da lei 7.492/86, que define como crime ao sistema financeiro nacional as operações de "instituições financeiras" sem a devida formalização, bem como a norma do BACEN que impede a chamada alavancagem, isto é, que as startups de crédito captem recursos de terceiros que ultrapassam o seu patrimônio.

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*Lucas Moreira Gonçalves é advogado da área societária da Andrade Silva Advogados, associado à RedeJur - Associação de Escritórios de Advocacia Empresarial.

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