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Ainda no tempo de casa grande e senzala

Grijalbo Fernandes Coutinho

A "Constituição Cidadã" de 1988, embora tenha ampliado os direitos dos domésticos, não faz jus à aludida denominação no que tange aos empregados integrantes dessa categoria profissional. Direitos sociais de outros trabalhadores lhes foram negados, destacando-se os seguintes: horas extras e adicional noturno, limitação da jornada, estabilidade da gestante, FGTS, salário-família, redução de riscos inerentes ao trabalho, normas de proteção à saúde e à segurança, adicionais de insalubridade e de periculosidade, seguro-desemprego,seguro contra acidentes de trabalho e auxílio-acidente de trabalho.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Atualizado em 17 de julho de 2006 10:10


Ainda no tempo de casa grande e senzala


Grijalbo Fernandes Coutinho*


A "Constituição Cidadã" de 1988, embora tenha ampliado os direitos dos domésticos, não faz jus à aludida denominação no que tange aos empregados integrantes dessa categoria profissional. Direitos sociais de outros trabalhadores lhes foram negados, destacando-se os seguintes: horas extras e adicional noturno, limitação da jornada, estabilidade da gestante, FGTS, salário-família, redução de riscos inerentes ao trabalho, normas de proteção à saúde e à segurança, adicionais de insalubridade e de periculosidade, seguro-desemprego,seguro contra acidentes de trabalho e auxílio-acidente de trabalho.


A luta por democracia não pode sofrer limitações, muito menos ignorada pelo conjunto da sociedade que a reclama cotidianamente, algumas vezes desprezando que o primado também serve para as relações desenvolvidas no âmbito do seu muro.


Há gritaria intensa entre os formadores de opinião contra o teor da MP 284/06, aprovada recentemente pelo Congresso Nacional, pela obrigatoriedade do recolhimento do FGTS por qualquer empregador doméstico. Apelam ao Presidente para que vete a medida, sob pena de "extinção da profissão de doméstica", numa hipocrisia jamais imaginável.


Em resumo, dizem que vão intensificar a burla à legislação trabalhista com a contratação de diaristas, cuja chantagem o Presidente Lula deve ignorar, seja para dar o mínimo de dignidade a um dos segmentos mais sofridos da classe trabalhadora nacional, seja para demonstrar que ainda há alguma sintonia entre o seu partido político e a denominação por ele ostentada .


As forças que se opõem ao recolhimento do FGTS e da multa de 40% não têm razão alguma na crítica à medida, vez que oriundas de camadas dos setores empresariais, dos empregados que percebem a referida verba, dos servidores públicos, dos profissionais liberais e de tantos outros segmentos posicionados de modo menos injusto na pirâmide social do que os empregados domésticos.


Não haverá desemprego,sendo certo que qualquer tentativa em fraudar a relação de emprego com a atribuição de "autônomo" do trabalho prestado pelos domésticos deve ser repreendida pelos órgãos de fiscalização do Executivo e punida pela Justiça do Trabalho no momento do julgamento das questões submetidas à sua apreciação, com determinações relativas à assinatura da CTPS, ao pagamento de todas as verbas, à ocorrência do crime capitulado no Código Penal e à comunicação do fato ao Ministério Público, além da condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral.


É lamentávelque ministros entusiastas do veto presidencial declarem que o FGTS dos domésticos estimulará o mercado informal de emprego, numa clara incapacidade de enfrentar os infratores do ordenamento jurídico detentores de maior poder aquisitivo


A classe média, ao invés de indignação pelo surgimento de mais uma "despesa", deve saudar com alegria medidas geradoras de maior dignidade humana para quem realmente precisa, ao mesmo tempo em que precisa acordar para os escandalosos aumentos das tarifas de serviços públicos aplicados pelos grupos econômicos que abocanharam as estatais e para tantas outras ações furtivas praticadas sistematicamente contra os consumidores, custos os quais superam facilmente o depósito de 8% ao mês sobre o salário da doméstica a título de FGTS.


O recolhimento do FGTS para os empregados domésticos corrigirá minimamente a discriminação histórica praticada contra a referida categoria profissional, segregacionismo este fruto ainda da intolerável herança de mais de três séculos de escravidão no País, propiciando, ainda, a formação de um montante no Fundo capaz de financiar a habitação própria das domésticas, sem juros e quaisquer outros acréscimos.


A medida é tímida e generosa com os patrões, mas pelo menos tem o mérito de demonstrar que há apartheid social no Brasil com relação aos sete milhões de domésticos, cabendo aos novos "zumbis" e "quilombolas" organizarem-se para o estabelecimento de algo muito simples que as nossas futuras gerações sentir-se-ão envergonhadas pela sua ausência: isonomia de direitos trabalhistas humanos entre empregados.


Senhor Presidente, sancione a lei objeto da MP 284/06, sem vetos, encaminhando logo em seguida Projeto para conferir todos os direitos dos demais empregados aos domésticos. A libertação justifica o ato e apenas explicita situação vivenciada em contrariedade à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil.
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*Juiz do trabalho em Brasília/DF. Ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA.




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