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Bicicletas compartilhadas: os benefícios à mobilidade e os desafios da regulação

Caio Scheunemann Longhi e Marília Crivelaro

A próxima onda relacionando mobilidade, tecnologia e economia do compartilhamento deve vir por meio dos sistemas de compartilhamento de bicicletas.

terça-feira, 20 de março de 2018

Atualizado às 08:52

Cidades densamente habitadas tendem a sofrer com altos índices de congestionamento de veículos. Essa realidade é vivenciada em múltiplos países. Carências relacionadas aos sistemas de transporte público tornam essa realidade ainda mais dura no Brasil, fazendo com que grande parcela da população gaste horas em seus deslocamentos diários.

Nesse contexto, meios alternativos de mobilidade, muitas vezes diretamente relacionados à expansão de inovações tecnológicas, têm se tornado mais comuns e a economia do compartilhamento (sharing economy) tem desempenhado papel fundamental para viabilizar alternativas de mobilidade. Os casos das empresas de compartilhamento de transporte individual privado em vias urbanas são famosos (e.g. Uber, 99, Cabify, Lady Driver) e, mais recentemente, têm sido discutidos casos de intermediação de viagens coletivas, por meio de fretamento privado, a destinos comuns (i.e. Buser).

A próxima onda relacionando mobilidade, tecnologia e economia do compartilhamento deve vir por meio dos sistemas de compartilhamento de bicicletas. Na China essa tendência é uma realidade experimentada. Atualmente as duas maiores empresas de bike-sharing da China são a MoBike1 e a OFO2 - também com atuação nos Estados Unidos e países da Europa. Elas têm mais de 7 milhões de bicicletas em operação em mais de 170 cidades chinesas.

Na Europa também observam-se iniciativas similares, como é o caso da Vélib'3, com atuação na França e a OBike4, com operações na Bélgica, Reino Unido, Hungria, Espanha e outros onze países europeus. Os Estados Unidos são a bola da vez e inúmeros players desse mercado têm florescido em solo americano, como a LimeBike5 e a Spin6, ambas com atuação em cidades nos estados da Califórnia, Flórida, Texas, Washington, Carolina do Norte, dentre outros.

No Brasil, as iniciativas relacionadas ao compartilhamento de bicicletas já foram mais visíveis (e.g. programas Bike Sampa e Bike Rio do Banco Itaú, hoje operados pela empresa Tembici7). Com isso, os próximos anos devem observar uma enxurrada de iniciativas empresariais relacionadas ao bike sharing8. Para que isso seja viável, é fundamental aos empreendedores que pretendam desenvolver iniciativas nesse mercado conhecer os desafios regulatórios que tendem a enfrentar. Por exemplo, em São Paulo, maior cidade do país, já existe regulação municipal a respeito do compartilhamento de bicicletas.

Em 12/12/17, a Prefeitura de São Paulo, por meio do Comitê Municipal de Uso do Viário ("CMUV" - decreto 57.889/17), editou a resolução 17, regulando a exploração do serviço de compartilhamento de bicicletas. Os sistemas de compartilhamento de bicicletas previstos na regulação são (i) de bicicletas com estação (estruturas físicas para seu estacionamento) e (ii) de bicicletas sem estação física (as chamadas dockless bikes). Para os dois sistemas, é necessário o credenciamento daqueles que pretendem operar nesse mercado9.

Assim como determinado para as operações relacionadas ao transporte individual privado automotor de passageiros, o CMUV instituiu a obrigatoriedade de as OTTCs pagarem determinado preço público relacionado à ocupação de espaços públicos com as bicicletas e suas estações. Tal obrigatoriedade de recolhimento de preço público aplica-se para os dois sistemas de compartilhamento de bicicletas.

O cálculo do valor do preço público a ser pago pelas empresas de bike sharing leva em conta o valor venal do metro quadrado da localidade, na qual instala-se a estação, ou está localizada a bicicleta georreferenciada (para as dockeless bikes) e pode sofrer redução de acordo com o número de bicicletas e sua disponibilização fora do centro expandido da cidade (artigos 7º a 9º da resolução 17 do CMUV).

A regulação do CMUV pretende, ainda, limitar o preço a ser cobrado do usuário dos sistemas de compartilhamento de bicicletas. Isso porque, o artigo 10º, da resolução 17, determina que o valor da tarifa correspondente a uma hora de utilização das bicicletas não poderá ser superior a 2 vezes o valor da tarifa de ônibus do transporte público municipal. É evidente que há possibilidade de discussão judicial da legalidade dessa disposição da regulação, uma vez que está sedimentado o entendimento de que o Estado não pode fixar o preço dos produtos oferecidos pelos particulares.

A regulação paulistana estabelece, ainda, inúmeras obrigações para as OTTCs que vierem a operar nesse formato de mobilidade (artigo 11 da resolução 17), as quais acabam afetando e interferindo no próprio modelo de negócios das empresas. Em especial, chamam a atenção as seguintes disposições:

(i) obrigatoriedade de aceitar o chamado Bilhete Único como meio de liberação ou pagamento do sistema;

(ii) adoção de mecanismos de avaliação de qualidade dos serviços pelo usuário;

(iii) obrigatoriedade de retirar as bicicletas e equipamentos danificados das vias públicas;

(iv) não prejudicar a livre circulação de pedestres nos locais em que as bicicletas, especialmente as dockless bikes, forem disponibilizadas10;

(v) adoção de medidas de incentivo dos usuários para que devolvam as bicicletas obedecendo as regras de estacionamento;

(vi) responsabilização por danos ou prejuízos causados em decorrência dos serviços, inclusive aqueles decorrentes de caso fortuito, força maior ou de culpa dos usuários dos serviços; e

(vii) obrigatoriedade de disponibilizar à Prefeitura acesso diário a suas respectivas bases de dados.

O descumprimento das determinações impostas pela regulação pode causar advertência, multa, apreensão das bicicletas e até o descredenciamento da OTTC prestadora de serviços relacionados às bicicletas compartilhadas (artigos 13 e seguintes da resolução 17).

O sistema de bike sharing ainda é pouco difundido no Brasil, restringindo-se apenas à atuação de poucas empresas, em algumas cidades brasileiras, com poucas bicicletas disponíveis para utilização de usuários e baixa aderência da população, em comparação a outras cidades do mundo.

Por isso, à medida que este sistema tiver maior capilaridade, com mais empresas em atuação no país e aderência de uma parcela maior da população, outras questões regulatórias tendem a emergir. De toda maneira, empreendedores devem estar atentos, pois, assim como ocorreu no sistema de transporte individual privado por veículos automotores, há possibilidade de que a regulação paulistana passe a influenciar outros municípios na regulação deste assunto. Assim, é fundamental que os empreendedores do setor estejam preparados para enfrentar alguma restrição regulatória às suas atividades.
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1
MoBike

2 OFO

3 Vélib'

4 OBike

5 LimeBike

6 Spin

7 Tembici

8 Cita-se como exemplo a Yellow.

9 O cadastramento das empresas --- as chamadas Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas ("OTTCs") --- é regulado nos artigos 2º a 5º da resolução 17.

10 Há relatos de inúmeros problemas com o abandono de bicicletas em cidades da China. Parece-nos ser este o problema que o regulador estaria tentando evitar com tal disposição.
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*Caio Scheunemann Longhi é sócio do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.

*Marília Crivelaro é advogada associada do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.

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