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De "ruivo da Vivo" a "moreno da Nextel"

No Brasil, a ética nas campanhas publicitárias possui normas bastante restritivas e, conforme demonstrado, o CONAR tem se posicionado de modo mais conservador.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Atualizado às 08:19

Qual o limite da contratação de artistas para campanhas publicitárias?

O primeiro trimestre de 2018 começa com uma disputa de gigantes do ramo da telefonia móvel: a campanha da Nextel, estreada por João Cortês, ex-"Ruivo da VIVO", tem causado furor na mídia, incômodo nos concorrentes e certa expectativa por parte dos consumidores. Pelo que se observa das notícias recentemente veiculadas, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR já opinou sobre o caso, de forma liminar, e a pedido das concorrentes OI e TIM, determinou a suspensão do anúncio.

Note-se que no caso em tela, não havia apenas coincidência entre a personagem principal da publicidade anteriormente veiculada pela VIVO, que afirmava no comercial ter decidido mudar para a NEXTEL, mas também claras provocações a outras operadoras como a TIM, CLARO, OI e à própria VIVO.

Para driblar a suspensão, a NEXTEL apresentou nova peça publicitária, na qual o ator João Cortês, ao cortar e tingir seus cabelos de castanhos enfatiza a sua mudança para outra operadora baseada na sua liberdade de escolha, tal qual feito com a cor de seus cabelos.

Sem adentrar no mérito das considerações liminares do CONAR sobre referido anúncio, ou tampouco sobre a solução publicitária encontrada pela agência de publicidade, o fato é que a peça publicitária envolvendo o atual "Moreno da Nextel"1 em muito se assemelha a casos já decididos por referido órgão ou mesmo pelo Judiciário. Quem é que não se lembra das emblemáticas guerras entre anúncios publicitários protagonizados pelo "Baixinho da Kaiser" (Kaiser vs. Colônia) e por Zeca Pagodinho (Schin vs. Brahma)2? Recentemente houve caso semelhante envolvendo a modelo Aline Riscado (Itaipava vs. Imecap)3.

Mencionadas campanhas foram objeto de representação perante o CONAR, uma vez que empresas e agências de publicidade sentiram-se prejudicadas por suposta prática de atos de concorrência desleal, por terceiros, devido ao uso do e/ou referência aos personagens ou às campanhas anteriormente desenvolvidas.

Alguns entendem como agravante o fato de o mesmo artista contratado para participar de uma campanha publicitária e por tornar-se ícone de um determinado produto, posteriormente, é contratado por um terceiro, para também figurar em campanha publicitária. Tal incômodo ocorre sobretudo porque na maioria das vezes, na segunda campanha, este artista ironiza o produto anteriormente anunciado, ou valoriza o atual comparando-o de modo subliminar ao anteriormente divulgado.

As representações tratam e impugnam, principalmente, não o uso, em si, do mesmo artista, pessoa física, mas o uso ou referência aos personagens previamente utilizados em campanhas publicitárias e que ganharam vida por meio da atuação desses mesmos artistas. O que é bem diferente.

Todo e qualquer profissional, incluindo os artistas, têm a liberdade de trabalho assegurada pela Constituição Federal, podendo, em princípio, prestar serviços a quem bem entenderem - desde que respeitados os contratos previamente firmados, sob pena de responsabilizarem-se por violações contratuais. Nesse sentido, foi a decisão do CONAR na publicidade veiculada pela Colônia protagonizada pelo ator que se tornou conhecido como o "Baixinho da Kaiser":

"Em seu parecer, a relatora considerou que o anúncio, por meio da locução, alude à figura do personagem anterior empregado na publicidade da Kaiser, principalmente por meio do uso da expressão "graaande". Lembrando que não se pretende proibir o direito do artista trabalhar, mas, sim, evitar a Colônia de fazer referências aos concorrentes, a relatora recomendou a alteração, voto aceito por unanimidade". (Representação 84/05. Relatora Mariângela Vassalo. Autor: Kaiser. Anunciante: Cervejaria Colônia. Decisão: Alteração. Julgamento maio/2005) (grifo nosso)

Os direitos de imagem e do livre exercício da profissão dos artistas são garantias constitucionais, porém o exercício de tais direitos de modo a prejudicar terceiros vem sendo coibido. Fato é que, por vezes, determinados artistas têm suas imagens atreladas a uma marca específica e, invariavelmente, o público associa que determinado garoto propaganda pertence à esta ou àquela marca, de modo que a figuração deste mesmo artista em publicidade alheia, ainda mais quando de concorrente, pode ser arriscada se não for feita com cautela.

Uma estratégia bastante ousada e inteligente foi a usada na publicidade do papel higiênico da marca Neve que, em 2017, reuniu os maiores ícones da publicidade brasileira, juntando os artistas Carlos Moreno ("BomBrill"), Sebastian ("C&A") e Fabiano Augusto ("Casas Bahia"), velhos conhecidos do público brasileiro como garotos propaganda de marcas icônicas, para buscar um novo "Alfredo"4 representante da marca. Não se tem notícias acerca de eventual impugnação contra o anúncio em questão, muito embora possa se alegar que os atores no referido comercial estão a representar suas personagens consagradas.

O que se revela das decisões proferidas pelo CONAR é que há configuração de prática de ato de concorrência desleal e até mesmo aproveitamento parasitário, além de violação às normas publicitárias quando se percebe a evidente tentativa de se pegar carona no sucesso de campanhas publicitárias realizadas por terceiros. A carona pode se dar por cópia do conceito criativo e da personagem das campanhas publicitárias, seja pela cópia de figurino, ambientação, uso dos mesmos bordões e, até mesmo, por meio de remissão às personagens.

"Em primeira instância, o relator propôs a sustação do filme. Para ele, o caso é exemplar e merece reflexões dos anunciantes e publicitários sobre as táticas para buscar vender muito e cada vez mais e de se tentar não vencer a concorrência, mas sim arrasa-la e, com isso, obter-se uma conquista territorial na base da pedra sobre pedra, tudo isso em nome de um avanço nos gráficos dos relatórios de vendas". (Representação 72/04. Relator Ênio Basílio Rodrigues e José Francisco Queiroz. Autor: Primo Schincariol e Fischer América. Anunciante e agência: Brahma e África. Decisão: Sustação.)

"O relator confirmou seu voto pela sustação. Para ele é inquestionável a "carona" da Divcom Pharma. Escreveu em seu voto: "Verão é coisa comum, mulher na praia vendendo produtos é comum, usar vermelho e branco, assim como verde amarelo, é coisa comum, usar a mesma atriz para divulgar produtos distintos é comum. Mas junte tudo isto e vamos verificar que se é comum, sem ter como objetivo a 'carona', isto deve ser contestado na publicidade brasileira". Seu voto foi aceito por unanimidade. (Representação 261/2016, em recurso ordinário. Relator: Conselheiros José Francisco Queiroz e André Porto Alegre. Câmara: Sexta e Sétima Câmaras e Câmara Especial de Recursos. Autor: Cervejaria Petrópolis e Y&R. Anunciante: Divcom Pharma. Decisão: Sustação. Julgamento: março/2017)

A carona no investimento de terceiros realizados na criação de uma personagem inserida no contexto de um anúncio publicitário, ou seja, na criação de uma obra intelectual, sem dúvidas, atribui valor ao negócio daquele que se aproveita de elementos presentes em campanhas alheias, sobretudo por meio de associação com seus protagonistas. É indubitável que tal conduta beneficia o empresário que assim atua, uma vez que não necessitará despender grandes esforços para que a sua campanha publicitária tenha visibilidade.

A própria infração atrai a atenção dos consumidores e atiça a curiosidade a fim de verificar qual será o desfecho da disputa publicitária inaugurada e como os concorrentes passarão a se comportar diante do ocorrido. Com isso, campanha posterior tem alcance ainda maior do que se essa tivesse, de fato, se desenvolvido, desde o princípio, sem referência a personagens e/ou campanhas publicitárias de terceiros.

Por certo, a estratégia marqueteira de contratar os mesmos artistas utilizados por concorrentes (ou não) para figurar em campanhas publicitárias de outra empresa, por si só, não configura ato ilícito, desde que a concorrência leal e a ética publicitária sejam respeitadas.

No Brasil, a ética nas campanhas publicitárias possui normas bastante restritivas e, conforme demonstrado, o CONAR tem se posicionado de modo mais conservador ao regular casos envolvendo o aproveitamento de elementos, inclusive personagens, criados anteriormente por terceiros.

Deste modo, para evitar o risco de sofrer sanções impostas pelo CONAR, as empresas e suas agências devem estar atentas às regras e posicionamento do CONAR ao optarem por contratar artistas que representaram personagens consagradas em campanhas publicitárias anteriormente desenvolvidas, especialmente quando houver no roteiro de tais peças elementos adicionais que remetam ao concorrente.

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1 Após proibição do Conar, Nextel muda e "Ruivo" vira moreno.

2 20 guerras publicitárias que acabaram no Conar - Acesso em 26/3/2018.

3 Emboscada? - Acesso em 26/3/2018.

4 Em comercial, Neve faz seleção para escolher novo Alfredo - Acesso em 26/3/2018

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*Amanda Fonseca De Siervi é sócia do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual. Doutoranda em Direito Comercial pela USP. Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP.

*Mariana Zanardo Dessotti é advogada do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual..

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