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A aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho

Nem sempre o empregado detém a mesma aptidão que o empregador (seja de ordem técnica, material ou informacional) durante a instrução do processo.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Atualizado em 12 de junho de 2018 08:08

Como regra geral, insculpida nos incisos I e II do art. 373, do novo Código de Processo Civil (CPC), o ônus probatório incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu, quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (também denominada de teoria estática); funda-se, sobretudo no interesse das partes, ao impor o ônus àquele que se beneficiará com sua prova (MIESSA, 2016). O diploma processual inovou ao positivar a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, cuja aplicação já vinha sendo admitida pelo STJ em ações civis por danos ambientais e também na tutela do idoso (NEVES, 2016).

De acordo tal teoria, contida nos parágrafos 1º e 2º do art. 373, CPC, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo imposto às partes como regra geral ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Referida decisão não poderá, todavia, gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil, conforme parágrafo 2º do referido dispositivo em expressa vedação do que se denomina como "prova diabólica".

Dessa forma, verifica-se ser possível que o julgador, diante do caso concreto e de forma fundamentada, distribua o ônus da prova de forma diversa da regra prevista no caput e respectivos incisos do art. 373, CPC, levando em consideração o princípio da aptidão probatória das partes em detrimento do princípio do interesse.

Não se trata simplesmente de inverter o ônus da prova, na medida em que a ideia de dinamizar vai além, distribuindo-se o ônus probatório de forma originária, e não a partir do que consta previamente em lei; na inversão, apenas se alternariam os polos da distribuição estática, enquanto na dinamização a distribuição se dá de acordo com as vicissitudes do caso concreto, do direito alegado e das condições das partes envolvidas (BALDINI, 2013).

Diferentemente do que ocorre no Direito Civil, a relação jurídica entre as partes no Direito do Trabalho (empregado e empregador) não goza de plena igualdade jurídica, uma vez que o trabalhador em grande parte das vezes se encontra em condição de vulnerabilidade contratual, razão pela qual o princípio protetivo é a diretriz básica desse ramo do Direito (CASSAR, 2016).

Tal princípio se divide nos subprincípios da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador, da condição mais benéfica ao trabalhador e, ainda, princípio de interpretação denominado in dubio pro misero. Quanto a este último, consiste na possibilidade de escolha da interpretação mais favorável ao trabalhador quando da dúvida no exame de fatos e provas; todavia, sua aplicação ao processo do trabalho é controversa, sendo considerado pela maioria da doutrina como inaplicável, tendo em vista que, de acordo com o princípio do juiz natural, cabe ao julgador determinar as diligências necessárias à instrução do processo, inclusive o ônus probatório (DELGADO, 2012). Ainda, havendo dúvidas na análise probatória, não se poderia decidir pura e simplesmente a favor do trabalhador, mas, antes, verificar as regras da distribuição do ônus da prova, de acordo com os art. 373, CPC, e art. 818, CLT (MARTINS, 2014).

Ocorre que, na relação de trabalho, a vulnerabilidade se dá não apenas no âmbito do direito material, mas, também, processual, na medida em que o empregador é quem dispõe de melhores condições técnicas e informacionais referentes ao labor desenvolvido, tais como controles de jornada, exames médicos, punições aplicadas, informações financeiras sobre paradigmas em pedidos de equiparação salarial, dentre outros.

Dessa forma, nota-se que nem sempre o empregado detém a mesma aptidão que o empregador (seja de ordem técnica, material ou informacional) durante a instrução do processo, acarretando-lhe prejuízos na prova dos fatos alegados e na busca pela verdade real. A aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova permite criar uma situação de equilíbrio entre as partes no processo trabalhista, quando necessário, ao retirar do empregado o fardo probatório em situações nas quais seria impossível que o mesmo dispusesse de determinadas informações ou documentos. Trata-se de propiciar um contexto de paridade processual, e não de proteção infudada ao trabalhador, além de impor às partes um dever de cooperação e solidariedade na produção de provas (MIESSA, 2016).

Também nesse sentido, o Superior Tribunal do Trabalho (TST) editou a instrução normativa 39, sobre a aplicabilidade das normas do CPC/15 ao processo do trabalho, prevendo, em seu art. 3º, em face de omissão e compatibilidade, a possibilidade de incidência do disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 373, CPC, limitando, todavia, sua aplicação somente em casos de decisão judicial, e não por convenção das partes, conforme se verifica no ordenamento civil.

A despeito das inúmeras controvérsias que pairam sobre a edição da referida Instrução Normativa (no sentido de que não caberia a um órgão do Poder Judiciário exercer atividade tipicamente legislativa, determinando de maneira categórica a aplicação ou não dos dispositivos do novo CPC ao processo do trabalho), a posição adotada neste caso foi coerente com os princípios e ordenamento trabalhistas, sobretudo ao vedar a distribuição do ônus probatório pela convenção entre as partes, o que tenderia a surtir efeitos diametralmente opostos aos esperados. A possibilidade de utilização da teoria dinâmica encontra fundamento ainda em outros princípios gerais do ordenamento jurídico, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição Federal), da igualdade formal e substancial entre as partes, do acesso à justiça, da lealdade, boa-fé, veracidade e colaboração (LEITE, 2015).

De acordo com o art. 15, CPC, é possível a aplicação de suas disposições de forma supletiva e subsidiária, na ausência de normas específicas, aos processos trabalhistas, o que vai ao encontro do previsto, no mesmo sentido, pelo art. 769, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo o qual nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com suas normas.

Dessa forma, considerando, à época da entrada em vigor do CPC/2015, a omissão (a CLT não tratava do assunto, tampouco estabelecia qualquer vedação) e compatibilidade das normas (uma vez que em consonância com o princípio protetivo e demais disposições do ordenamento juslaboral), restou estabelecida a possibilidade da aplicação no processo trabalhista da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, tendo em vista que, em muitos casos, é o empregador quem detém o domínio da relação de emprego e melhores condições materiais e informacionais, o que faz atrair o ônus probatório quando restar evidente sua maior aptidão na produção de prova, promovendo dessa forma o equilíbrio entre as partes do processo e o acesso a uma ordem jurídica justa. Posteriormente, tal disposição foi incorporada pelos parágrafos 1º a 3º do art. 818, da CLT, introduzidos pela Lei 13.467/2017, consolidando assim o entendimento quanto à possibilidade da aplicação de tal teoria ao processo trabalhista.

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BALDINI, Renato Ornellas. Distribuição dinâmica do ônus da prova no direito processual do trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito, São Paulo/SP.

BRASIL. Decreto lei 5.452 de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 23.jun.17.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução 203 de 15 de março de 2016. Edita a instrução normativa 39, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho, de forma não exaustiva. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 20.jun.17.

BRASIL. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 23.jun.17.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. São Paulo: Método, 2016.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2012.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2015.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2014.

MIESSA, Élisson. Processo do trabalho. Salvador: JusPodium, 2016.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Salvador: JusPodium, 2016.

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*Natália Marques Abramides é advogada do escritório Brasil e Abramides Sociedade de Advogados.

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