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Sobre a necessidade de evolução sindical ou a crítica à manutenção de privilégios

Rodrigo Santino

O convencimento que nos resta é o de que a reforma trabalhista, ao forçar uma evolução na atuação sindical, é, ao menos neste ponto, mais que necessária.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:18

Não parece ser, mas deveria ser de conhecimento de todos que as entidades sindicais brasileiras estavam, até o ano passado, levando a principal atividade delas - representação dos interesses dos empregados - de forma absolutamente infiel a toda a sua história no Brasil.

É de comum sabença que o Brasil é uma das democracias mais recentes da era moderna, visto ter passado por um muito recente regime de exceção, no qual sindicatos passaram por uma verdadeira prova de fogo em suas atuações, tendo, ao final, consolidado uma espécie de proteção aos trabalhadores quase ideal, utópica, heroica.

Contudo, com a promulgação da Constituição de 1988, os sindicatos adquiriram "superpoderes legais" que, interpretados equivocadamente por um judiciário cada vez mais falho, deram-lhes a mesma tranquilidade que os generais romanos tiveram ao final do seu império. Essa tranquilidade institucional deu aos sindicatos a "preguiça" de, até ano passado, simplesmente desconhecerem aqueles a que representam.

Com a renda mantida pela contribuição sindical obrigatória, os sindicatos não mantinham quase nenhum contato com os trabalhadores, limitando a atuação a um campo impessoal e judicial, ou seja, bastava a entidade sindical ter um advogado para, sentado à frente de um computador, buscar razões para ajuizar ações em face de empresas e receberem, desta forma, multas normativas, indenizações por danos morais coletivos (muitas vezes destinadas ao FAT - mas nem sempre) etc. e, assim, ter matéria para colocar na capa de seus periódicos distribuídos livremente aos trabalhadores.

Isso, no entanto, os afastou sobremaneira de seu principal público, em parte, pela onda conservadora que o Brasil vive e, em boa medida, porque os trabalhadores simplesmente nunca viam essa atuação sindical, apenas, lembrado nas capas dos periódicos.

A exemplo, casos reiterados de ações civis públicas ou ações coletivas pautadas em autos de infração consultados no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego. Ou seja, bastou um advogado buscar, junto a um computador, um auto de infração para, então, ter um motivo para ajuizar uma ação coletiva (lembrando que auto de infração pode ser - e geralmente o é - aplicado de forma individual, ou seja, basta o auditor fiscal encontrar um caso para aplicar multa, enquanto que ações coletivas demandam multiplicidade).

Em um caso recentemente julgado, um juiz "captou" esse afastamento e concluiu de forma exemplar a sentença sobre tal aspecto. Isso porque o sindicato havia ajuizado ação pedindo vale refeição previsto em norma coletiva a todos os empregados e ficou comprovado e incontroverso, que a empresa estava excluída dessa obrigação porque fornecia alimentação no local de trabalho. Assim foi o trecho:

"A preposta da reclamada disse que não foram concedidos os tickets-alimentação 'porque a reclamada fornece refeição dentro da própria loja.' (ID. 2Fa3f8f). Ao ser reinquirido acerca dessa questão, o representante do sindicato autor disse que 'que não tem conhecimento se a reclamada fornece alimentação aos seus empregados', mas afirmou também 'que tem consciência de que, se a empresa fornece alimentação aos empregados, não é obrigada a fornecer o ticket alimentação'.
Ora, quando assim depõe, fica evidente que o sindicato não teve o zelo em investigar com bem cuidado, se a empresa fornecia de fato os tickets-alimentação. Se tivesse feito essa investigação, certamente obteria a informação correta e precisa.
"1

Ou seja, o sindicato em questão se limitou a presumir que a empresa não fornecesse o tíquete refeição e, com isso, ajuizou uma ação de cumprimento, sem observar a própria exceção.

Os exemplos seriam inúmeros.

Pois bem.

Com a "ameaça" da reforma trabalhista (lei 13.467/17), as entidades sindicais viram seus privilégios fadados à extinção, o que exigiu um toque de realidade econômica, fazendo despertar um instinto refratário.

Ao se ver em tal posição, o que se espera de uma instituição com uma administração inteligente nada mais é que alterar a forma de atuação, se aproximando mais dos trabalhadores e, quiçá, fazendo-os entender que a manutenção de uma entidade sindical lhes é necessária. Contudo, o que se vê é a insistência em recorrer ao Poder Judiciário, na cega tentativa de forçar os empregados a contribuírem financeiramente, em uma escalada judicial sem precedentes.

Ou seja, os sindicatos, que outrora sempre criticaram e enfrentaram os barões que se mantinham no poder, assumiram exatamente o mesmo posto, de lutar pela manutenção de seus privilégios. Com isso, o convencimento que nos resta é o de que a reforma trabalhista, ao forçar uma evolução na atuação sindical, é, ao menos neste ponto, mais que necessária.

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1 Processo nº 0001461-34.2017.5.08.0011 - 11ª Vara do Trabalho de Belém - PA.

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*Rodrigo Santino é sócio do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz, advogado e especialista pela PUC/SP em direito e processo do trabalho.

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