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Glosa indevida de crédito pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e a responsabilidade do Estado

O dever do Estado de indenizar o particular estará configurado quando, cumulativamente, (i) houver indevida glosa de créditos pleiteados pelos sujeitos passivos, (ii) existir nexo de causalidade entre o dano gerado ao particular e o ato da RFB e (iii) não houver causas excludentes da responsabilidade.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 16:59

A compensação de créditos relativos a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) é procedimento corriqueiro no cotidiano dos sujeitos passivos, sobretudo das pessoas jurídicas. É comum, por outro lado, a glosa por parte das autoridades administrativas, que, não raramente, emitem despachos decisórios para questionar créditos legítimos e até mesmo aqueles utilizados em Declarações de Compensação (DCOMPs) que não poderiam mais ser revisitadas1.

 

Na jurisprudência administrativa2, há diversos casos que versam sobre compensações de créditos indevidamente glosados3. É cediço que tais glosas podem acarretar prejuízos financeiros aos sujeitos passivos. Em casos assim, o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e o ato da Administração Pública é patente: a glosa imerecida gera despesas com a administração dos processos administrativos e, de forma semelhante, pode impedir o acesso imediato a benefícios fiscais4, sem prejuízo das sanções específicas previstas na legislação tributária5.

 

A questão que exsurge, nessa perspectiva, é concernente à responsabilização do Estado pelo dano gerado ao administrado em razão da glosa indevida de um crédito legítimo ou objeto de compensação homologada tacitamente. Com efeito, a responsabilidade do Estado é uma exigência do próprio Estado de Direito, uma vez que seria contraditório o Poder Público submeter-se ao Direito e, ao mesmo tempo, ficar imune ao dever de indenizar toda vez que seus comportamentos atingirem a esfera jurídica dos particulares6.

 

No caso do Brasil, desde a Constituição Federal de 1946, foi adotada a teoria do risco administrativo ? consagrada hoje pelo artigo 37, § 6º da Carta Política ?, de modo que o Estado possui responsabilidade objetiva pelos danos acarretados pela Administração Pública7. Em se tratando de glosa de créditos dos sujeitos passivos, a responsabilidade do Estado é objetiva, cabendo ao particular a prova do dano gerado pela ação inadvertida da RFB na análise de créditos utilizados em compasso com as regras de restituição e compensação vigentes.

 

Muito embora a função principal da responsabilização de alguém por danos causados a outro seja, evidentemente, a de promover a reparação pelo dano ocorrido, nela também se encontra uma função eminentemente pedagógica, cuja finalidade é coibir a prática futura de atos semelhantes.8 Nesse sentido, é salutar que haja a responsabilização do Estado pela glosa indevida de créditos. A atividade desempenhada pela RFB é plenamente vinculada à lei9 e, deste modo, cabe ao Estado reparar o particular quando há desvios de legalidade ou falhas na administração de créditos.

 

Com efeito, o dever do Estado de indenizar o particular estará configurado quando, cumulativamente, (i) houver indevida glosa de créditos pleiteados pelos sujeitos passivos, (ii) existir nexo de causalidade entre o dano gerado ao particular e o ato da RFB e (iii) não houver causas excludentes da responsabilidade. Nessa óptica, são exemplos de processos que ensejam a responsabilidade do Estado: aqueles em que a glosa é decorrente de falhas nos sistemas de cruzamento de dados e aqueles em que se verifica violação ao prazo de homologação tácita das DCOMPs, sem prejuízo de outras situações que podem ser analisadas casuisticamente.

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1 Em função do transcurso do prazo de cinco anos, previsto no artigo 74, § 5º, da lei 9.430/96 (homologação tácita).

2 Sobretudo em decisões de primeira instância, proferidas pelas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ), uma vez que, por força do que dispõe o artigo 27 da lei 10.522/02, com redação dada pela lei 12.788/13, não cabe recurso de ofício em processos que versam sobre compensação, o que faz com que raramente este tipo de processo chegue ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

3 Vide, exemplificativamente, as ementas dos acórdãos nºs 16-58.010 (DRJ/São Paulo), 06-47.572 (DRJ/Curitiba), 05-36.917 (DRJ/Campinas), 10-50.294 (DRJ/Porto Alegre) e 14-39.988 (DRJ/Ribeirão Preto), disponíveis em: <

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4 Tais como o bônus de adimplência fiscal, previsto no artigo 38, caput, da lei 10.637/02, que é inaplicável às pessoas jurídicas que, nos cinco anos que antecederam o pleito, tiveram débitos com a exigibilidade suspensa, tal como ocorre quando há defesa administrativa contra a glosa, pelo que dispõe o artigo 151, III, do Código Tributário Nacional.

5 Tais como a multa punitiva prevista no artigo 74, § 15, da Lei nº 9.430/96, embora entendamos que a indigitada penalidade só possa ser aplicada após o encerramento definitivo da discussão administrativa sobre a compensação.

6 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. "Fundamentos de Direito Público - 4. ed." São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 180.



7
Cf. FERRAGUT, Maria Rita. "Responsabilidade Tributária do Estado Brasileiro". Revista Dialética de Direito Tributário nº 178. São Paulo: Editora Dialética, 2010, pp. 102-106.

8 TROIANELLI, Gabriel Lacerda. "Responsabilidade do Estado por Dano Tributário". São Paulo: Editora Dialética, 2004, p. 140.

9 Conforme indicado nos artigos 3º e 142, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.
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*Marcelo Rocha dos Santos é advogado da área tributária no escritório Demarest Advogados.

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