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Proteção patrimonial da mulher

É importante que os profissionais do direito estejam atentos aos sinais que indicam outros tipos de violência contra as mulheres no Brasil e no mundo, como é o caso da violência patrimonial.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Atualizado em 26 de setembro de 2019 17:50

Atualmente, temos lido e ouvido na mídia do mundo todo, notícias que envolvem atos extremos de violência praticados contra a mulher, pelo simples fato de serem mulheres. É o que se denomina "feminicídio".

No Brasil estes fatos são gravíssimos e exigem medidas de combate urgentes, não somente na esfera penal, mas também nas demais esferas do direito protetivo da mulher, como, por exemplo, a que resulta em violência patrimonial. Na esfera penal, a lei 13.104/15 (lei do Feminicídio) prevê a aplicação de qualificadora que aumenta a pena de crimes de homicídio cometidos contra mulheres, elevando a pena mínima de 6 para 12 anos e a máxima de 20 para 30 anos. Entretanto, temos visto que esse aumento de pena não tem impedido os atos de violência praticados contra as mulheres.

Conforme dados obtidos pela ONU (Organização das Nações Unidas), 7 em cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão vítimas de violência. Segundo afirma Nardine Gasman - porta voz da "ONU Mulheres no Brasil" -, "A violência contra mulheres é uma construção social, resultado da desigualdade de força nas relações de poder entre homens e mulheres. É criada nas relações sociais e reproduzida pela sociedade."

Daí se infere que, infelizmente, há várias formas de violência contra a mulher. Infelizmente, o feminicídio é o crime que traz notoriedade aos atos de violência praticados contra mulheres. Porém, outros tantos igualmente graves merecem ser destacados, como, por exemplo, a violência patrimonial praticada contra mulheres e, que se agrava muitas vezes quando a iniciativa pelo rompimento do relacionamento é da mulher.

Nestes casos, é comum saber que o "ex" parceiro, ao ser comunicado da intenção da mulher em terminar o relacionamento, deixa a mulher ainda mais em estado de vulnerabilidade, destruindo bens pessoais e materiais dela (celular, computadores), ou ainda escondendo ou dificultando seu acesso a documentos, como passaporte e documentos pessoais ou, até mesmo, acesso às contas bancárias que mantenham conjuntamente, a fim de puni-la pela sua decisão de romper com o relacionamento abusivo, ou pior, na intenção de coagi-la a manter-se na sua convivência, aumentando ainda mais sua vulnerabilidade, tanto física quanto emocional.

Muitas pessoas, por certo, já ouviram falar da lei Maria da Penha (lei 11.340/06), porém com foco, na maioria das vezes, na proteção contra a violência física. No entanto, a própria lei conceitua outras formas de violência doméstica e familiar e, apesar de ser igualmente frequente, pouco se comenta sobre a violência patrimonial.

Esclareço: qualquer conduta que resulte em retenção, subtração, destruição total ou parcial dos recursos econômicos, direitos e valores, de objetos pessoais, instrumentos de trabalho, documentos ou bens, da mulher numa relação conjugal, é considerada violência patrimonial.

Fato é que, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade da mulher ainda durante o relacionamento, o homem apodera-se das economias da parceira, ou de valores provenientes de bens e negócios conjuntos que administrava sozinho, notoriamente na intenção de prejudicar financeiramente a mulher.

E, em alguns casos, a situação ainda se agrava a partir de efetivada a separação, ocasião em que tais situações são trazidas à tona nas ações judiciais e muitos homens usam sua condição econômica e financeira como ferramenta para incomodar a vida da "ex" parceira, que se tornou vulnerável diante do relacionamento abusivo a que estava exposta.

Em outros ainda, e não menos grave, o homem impede que a mulher exerça sua profissão no mercado de trabalho, ou ainda a humilha em ambientes sociais, desqualificando-a e diminuindo sua autoestima, dificultando sua colocação no mercado de trabalho. Tudo isso resulta em barreiras para que a mulher tenha condições de manter-se economicamente, tornando-a vulnerável e manipulando-a, a fim de que se mantenha financeiramente dependente desse homem e sem forças para sair do relacionamento.

Outras tantas situações, em que o parceiro se aproveita da vulnerabilidade da parceira, caracterizam a violência patrimonial do homem contra a mulher, entre elas: adquirir bens pessoais utilizando-se de seu cartão de crédito; procurações conferidas em confiança pela mulher para que o homem realize transações financeiras em seu nome, que futuramente a prejudicam. Tais situações reforçam a vulnerabilidade a que a mulher vem sendo exposta, tanto durante o relacionamento quanto, ainda mais, no momento delicado da separação.

Porém, a violência patrimonial, infelizmente, passa despercebida por alguns advogados que atuam na área da família, muitas vezes por falta de conhecimento do tema ou, pior, em face da naturalidade da escuta de tantas agressões relatadas nas situações que motivaram a separação.

Importante lembrar que o advogado exerce função social e, portanto, a advocacia é uma profissão diferente das demais. Conforme disposto no Artigo 133 da Constituição Federal, "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei".

É imperativo cumprir o juramento solene que prestado pelo profissional do direito para o exercício da profissão. A promessa de "exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas" é imperativa ao advogado.

Por essas razões é que a representação jurídica da mulher, vítima de violência doméstica e consequentemente vítima de violência patrimonial, exige capacidade técnica e sensibilidade. Cabe ao profissional do direito, que se dispõe a assistir a mulher nas ações de família, decorrentes de violência doméstica, quando esta deseja romper um relacionamento abusivo, impedir que o patrimônio construído, pelo suor do seu trabalho ou com seu auxílio, muitas vezes decorrente da renúncia de sua vida pessoal e profissional, por imposição do parceiro, seja destruído.

É importante conhecer não somente como a parceria do casal se iniciou, mas também como o patrimônio dos "ex" parceiros foi construído, e mais: se durante a relação, que ora se rompe, a dependência econômica da mulher, que eventualmente se apresente, é resultado de abuso patrimonial, para que então sejam enfrentados os temas de divisão de bens, diligenciando com atenção aos bens eventualmente ocultos em uma ação judicial de divórcio ou de dissolução de união estável.

É essencial que o profissional do direito reconheça a complexidade de uma relação conjugal que se rompe, para que possa orientar com técnica e sabedoria, possibilitando que também se rompa o ciclo de violência patrimonial, evitando que a ação judicial agrave ainda mais a situação econômica da mulher, que muitas vezes, renuncia a direitos, por estar vulnerável emocionalmente, muito antes do rompimento do vínculo judicial. É importante que os profissionais do direito estejam atentos aos sinais que indicam outros tipos de violência contra as mulheres no Brasil e no mundo, como é o caso da violência patrimonial. O feminicídio, infelizmente, é o ponto final numa relação de violência, da qual muitas mulheres são vítimas!

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*Carla Verônica Paraizo é advogada associada da Advocacia Hamilton de Oliveira.

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