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Por que é importante questionar seus candidatos e candidatas sobre segurança pública?

Ana Casarin e Mariana Boujikian

Para tratar o tema com a complexidade que ele exige, os futuros e futuras governantes não podem se esquivar de tratar do atual modelo de forma crítica e propositiva, pensando na segurança pública dentro de uma política integral de acesso a direitos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Atualizado em 23 de setembro de 2019 17:19

A questão da segurança pública é uma pauta presente nos discursos de quase todos os candidatos e candidatas. Isto porque, de fato, é uma questão que inquieta a população. Pesquisas realizadas pelo IBOPE colocam a segurança pública como uma das maiores preocupações do eleitorado brasileiro. Historicamente, a questão da segurança aparece junto com saúde, corrupção e educação no ranking de temáticas mais relevantes para a população. A preocupação não é injustificada: o país atingiu a marca histórica de 62.517 mortes violentas intencionais em 2016, e a sensação de insegurança vem aumentando cada vez mais para os cidadãos e as cidadãs.

No entanto, é importante se atentar para a abordagem que o candidato ou candidata faz sobre o tema. A grande maioria costuma apelar à ideia de que mais rigor no tratamento do crime vai refletir numa diminuição nos índices de violência. No entanto, tal afirmação não condiz com a realidade. Há comprovações empíricas do fracasso da atual política de encarceramento em massa, pois o exponencial aumento da população prisional no Brasil nos últimos anos não teve como reflexo uma diminuição dos índices de criminalidade e nem uma mudança significativa na sensação de insegurança experimentada pela população.

A tendência dos candidatos mais conservadores é, justamente, a de identificar as demandas de melhoria na segurança pública diretamente com a necessidade de incremento nas ações repressivas do Estado. Essas ações repressivas se traduzem, primeiro, num policiamento ostensivo violento que traz como consequência uma série de violação de direitos das populações marginalizadas - população de rua, vendedores ambulantes, moradores e moradoras de regiões periféricas, a juventude negra - que são as pessoas mais expostas a sofrerem uma abordagem policial. Uma polícia mais dura significa uma polícia que prende mais, e não uma polícia que se preocupa em estar a serviço das necessidades e da proteção de todos e todas.

Além disso, a expansão do Estado punitivo significa, também, um sistema de justiça penal que encarcera mais e que pensa na prisão como a única resposta para situações de conflito, em detrimento de outras medidas alternativas de resolução e reparação, que podem ser mais efetivas e menos onerosas para as pessoas e para o próprio Estado. Desse modo, insistir no aumento da malha punitiva do Estado e seguir com a política de encarceramento massivo seria o mesmo que continuar tomando um remédio que não teve efeito para o tratamento de uma doença.

Para obter mudanças efetivas no quadro atual, é importante que o eleitorado procure propostas que vão além do endurecimento penal e do combate ao crime pautado na individualização da questão. É urgente pensar em abordagens que tratem o problema da segurança pública de forma estrutural. Caso contrário, estaremos insistindo novamente em um medicamento que não produz efeitos.

Assim, para o eleitor ou eleitora que quer uma mudança real na abordagem da questão da segurança pública, é interessante buscar candidatos e candidatas que proponham mudanças estruturais. Para além de frases de efeito, é necessário que olhem para o problema de forma integrada a outras áreas da política pública, como a assistência e inclusão social, educação etc.

Posturas mais inovadoras quanto ao tema da segurança pública irão trazer propostas no sentido de fortalecer os mecanismos de garantias de direitos de toda a população e, principalmente, dos segmentos mais vulneráveis, o que, certamente, irá trazer um aumento na sensação de segurança da população como um todo. Estes discursos também podem ser identificados, por exemplo, nas propostas de mudanças nas estruturas das polícias, como: produção e transparência de dados sobre segurança e justiça; formação em direitos humanos dos agentes; fortalecimento dos mecanismos de controle interno e externo; bem como na melhoria das condições de trabalho. Também identificam-se traços inovadores nas propostas de efetivação das audiências de custódia, implementação de medidas alternativas à prisão para crimes não violentos, bem como de mecanismos de justiça restaurativa.

Por sua vez, as propostas de implementação de políticas públicas para garantir acesso a direitos de populações vulneráveis que passam pelo sistema de justiça criminal - adolescentes em conflito com a lei penal, mães e gestantes encarceradas, deficientes, idosos, população LGBT são fundamentais para impedir as constantes violações às quais são submetidas. Além disso, promover políticas que priorizem a inclusão social de pessoas egressas é também forma de impedir que voltem a ser selecionadas pela polícia e pensar na questão da segurança pública como parte de um projeto de cidadania.

Estes são só alguns exemplos de medidas que podem ser de fato transformadoras em relação à segurança pública. De maneira geral, partem da ideia de que a garantia da segurança pública pressupõe a garantia de acesso a direitos básicos como saúde, educação, trabalho, moradia, acesso à justiça, ocupação democrática do espaço urbano - dentre outros direitos - para toda a população.

Neste ano eleitoral decisivo, em que o tema vem sendo abordado ostensivamente, é necessário questionar qualquer candidato e candidata que se coloca como porta-voz dos problemas de segurança pública. Essa é a proposta da campanha Eleições Sem Truque da Rede Justiça Criminal, um coletivo de organizações da sociedade civil brasileira, que trabalha para tornar o sistema de justiça criminal mais justo e atento aos direitos e garantias fundamentais. Para tratar o tema com a complexidade que ele exige, os futuros e futuras governantes não podem se esquivar de tratar do atual modelo de forma crítica e propositiva, pensando na segurança pública dentro de uma política integral de acesso a direitos.

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*Ana Casarin é advogada, pós-graduada em Estudos Críticos do Direito e mestranda em Direito Penal pela PUC/SP onde realiza pesquisa sobre Segurança Pública sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Atualmente é pesquisadora do programa Justiça sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC, organização membro da Rede Justiça Criminal.

*Mariana Boujikian é cientista social pela USP. Atualmente é mestranda em Antropologia Social na mesma instituição e pesquisadora do programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC, organização membro da Rede Justiça Criminal.

 

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