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Litigância climática e o marco legal brasileiro

A sociedade civil tem usado litígios para fins de alavancar as políticas dos estados. Nesse sentido, os aspectos políticos estão entrelaçados com considerações legais.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:07

Antes de adentrar no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessária uma contextualização sobre o tema das mudanças climáticas no âmbito internacional. Os instrumentos internacionais relevantes para o tema da litigância climática são o Acordo de Paris, vigente desde 4 de novembro de 2016, ratificado pelo Brasil em 21 de setembro de 2016 e a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

O conceito de Justiça Climática vem sendo desenvolvido ao longo dos anos, e foi, originalmente, expressado entre os países em desenvolvimento, encampado precipuamente pela Índia, no sentido de justiça redistributiva que também pode ser percebida como uma ferramenta multilateral de barganha diplomática para buscar compensação econômica para as repercussões da mudança climática oriundas do norte geoeconômico.

Essas considerações políticas foram posteriormente traduzidas em ações judiciais, através de ações coletivas ajuizadas em face dos Estados e empresas por danos causados pelas mudanças climáticas. A litigância climática internacional está em crescente desenvolvimento através de jurisdições internacionais como a Corte Internacional de Justiça ou o Tribunal Internacional de Direito do Mar.

A litigância climática é considerada ferramenta judicial estratégica, já que a sociedade civil tem usado litígios para fins de alavancar as políticas dos estados. Nesse sentido, os aspectos políticos estão entrelaçados com considerações legais, portanto, uma abordagem positivista estritamente jurídica, não compreenderia as complexidades do assunto.

Com relação à responsabilidade dos Estados, a Agenda 2030 das Nações Unidas para o desenvolvimento foi adotada pelos chefes de Estado, inserindo a resolução no conceito de soft law. Apesar disso, a resolução possui inegável peso político.

Já no âmbito corporativo, a litigância climática poderá encontrar suas fontes de responsabilidade não apenas com os Estados, mas também com empresas como o Acordo de Paris contempla. Os ODS, ao contrário do Acordo de Paris, não têm uma força vinculante legal, mas sua natureza flexível pode servir no contexto da responsabilidade social corporativa como uma alavanca poderosa e instrumento legal de prestação de contas se a empresa se comprometer.

A London School of Economics descreve resumidamente:

"A litigância climática pode ser usada para facilitar a regulação climática e responsabilizar os policymakers - ou pode ser usado para se opor ou enfraquecer a regulação climática", no entanto, de acordo com o estudo por ela conduzido, dois terços das decisões judiciais confirmaram o que dispõe o ordenamento climático internacional, e, portanto, "o litígio parece ter tido uma influência construtiva até agora".

Depois de retratar o contexto internacional, uma análise do panorama legal no Brasil e da jurisprudência recente servirão como exemplo de conquistas na litigância climática.

Através do ativismo judicial, verifica-se uma tendência à concretização dos valores de desenvolvimento sustentável. No âmbito da litigância climática, o papel do Poder Judiciário encontra respaldo jurídico na lesão aos direitos fundamentais e coletivos, obrigação atribuída ao Estado e prevista no art. 225 da Constituição Federal. Nesse sentido, o entendimento do STF a respeito do alcance jurídico do art. 225:

"(...) é dever do Poder Público e da sociedade a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. 2. Assim, pode o Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar que a administração pública adote medidas assecuratórias desse direito, reputado essencial pela Constituição Federal, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. (RE 658171 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL)"

Dessa forma, é também dever do Poder Judiciário a concretização do regramento legal a respeito das mudanças climáticas, o qual começa a contribuir utilizando o aspecto técnico da questão das mudanças climáticas com as possibilidades jurídicas que o ordenamento brasileiro possui.

Dentre essas possibilidades, destacam-se as seguintes regras jurídicas:

(i) Lei da Política Nacional da Mudança do Clima (lei 12.187/09), (ii) com o Acordo de Paris (iii) acórdãos prestigiam precedente do Supremo Tribunal Federal que, ao interpretar o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, declarou que o meio ambiente equilibrado é um bem público, um direito constitucional fundamental e deve ser protegido no interesse das presentes e das futuras gerações (iv) Código Florestal Brasileiro.

O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o artigo 27 do antigo Código Florestal, decidiu que é ilegal a utilização da técnica da queimada da palha na colheita da cana de açúcar "por causar impactos negativos ao meio ambiente e emissão de CO2, contribuindo para o aquecimento global, além de causar danos respiratórios às pessoas, especialmente trabalhadores da lavoura".

E, em caso de aterro e dreno ilegal de manguezal, o Superior Tribunal de Justiça, mencionando a mudança do clima como um dos fundamentos fáticos centrais da decisão, deixou consignado que "é dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. (...)"

Portanto, no âmbito da litigância climática, o Judiciário possui legitimidade para instigar o Poder Público a editar leis e regulamentações e a aplicar as previsões normativas já estabelecidas pelo ordenamento jurídico, para a mitigação ou para a adaptação às mudanças climáticas.

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*Luciana Lanna é advogada responsável pela área ambiental do escritório Lemos e Associados Advocacia.

 

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