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Início do prazo para pagamento da integralidade da dívida, para apresentar resposta e consequências práticas

A contagem do prazo de pagamento da integralidade da dívida a contar da execução da liminar, interpretação do Decreto Lei de alienação fiduciária 911/69.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:09

Na atuação com direito bancário, especialmente a recuperação de crédito, muitas dúvidas surgem quanto a interpretação do decreto lei de alienação fiduciária 911/69. Um dos pontos mais importantes é o início da contagem dos prazos de pagamento da integralidade da dívida e defesa.

 

Inicialmente trata-se de procedimento de rito especial: regulamentada pelo decreto-lei 911/69 e alterações introduzidas pela lei 10.931/04;

 

É uma ação autônoma e independente de qualquer procedimento posterior (art. 3º, §8º);

 

Possui elementos de cognição e de execução, visto que o credor consegue consolidar a posse e a propriedade do bem (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. 43 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. 3, p. 575);

 

Com a vigência da lei 10.931/04, o artigo 3º, parágrafos 1º e 2º do decreto-lei 911/69 passaram a estabelecer:

 

§ 1° Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

§ 2° No prazo do § 1°, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.

 

O decreto lei 911/69 não fala em citação. Trata somente do prazo de 5 dias para efetuar o pagamento e 15 dias para apresentar defesa.

 

Decisão que considera o prazo de pagamento da execução da liminar:

"Vistos, presentes os requisitos legais, DEFIRO a medida liminar de busca e apreensão dos bens móveis e após citem-se os devedores. No prazo de 5 (cinco) dias após executada a liminar mencionada no caput do art. 3º do decreto-lei 911/69, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva dos bens no patrimônio do credor fiduciário, (...). No mesmo prazo, os devedores fiduciantes poderão pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual os bens lhe serão restituídos livre do ônus. Caso exerça essa prerrogativa, fica desde já determinada a intimação do autor para se manifestar em 5 dias sobre o depósito realizado, em especial se é suficiente para quitar integralmente o débito pendente. Os devedores fiduciantes apresentarão defesa no prazo de 15 (quinze) dias da execução da liminar, sob pena de o feito seguir à sua revelia. [...]". Autos 1010746-49.2017.8.26.0248, 3ª Vara Cível de Indaiatuba-SP

 

Decisão que condiciona o pagamento da dívida somente após a citação:

"Comprovada a mora, defiro a liminar, com fundamento no artigo 3º, caput, do decreto-lei 911/69 e havendo cumprimento da liminar, o requerido deverá proceder a entrega dos documentos (porte obrigatório e de transferência), nos termos do artigo 3º, parágrafo 14º, redação dada pela lei 13.043/14. Cite-se o réu para pagar a integralidade da dívida pendente (valor remanescente do financiamento com encargos), no prazo de 5 (cinco) dias contados do cumprimento da liminar (DL 911/69, artigo 3º, § 2º, com a redação da lei 10.931/04), e apresentar defesa, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, desde a efetivação da medida, sob pena de presunção de verdade do fato alegado pelo autor, nos termos do artigo 344 do Código de Processo Civil." Autos 1006489-78.2017.8.26.0248, 2ª Vara Cível de Indaiatuba-SP.

 

O precedente do STJ submetido ao instituto dos recursos repetitivos dispôs:

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/69. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 10.931/04. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR.1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: 'Nos contratos firmados na vigência da lei 10.931/04, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária'.2. Recurso especial provido." (REsp 1.418.593/MS, rel. ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/5/14, DJe 27/5/14 - grifou-se).

 

Já o informativo de jurisprudência do STJ 0433 prevê:

"O cerne da quaestio é saber se o termo inicial do prazo de cinco dias para o pagamento da integralidade da dívida pelo devedor, conforme disposto no art. 3º, § 1º, do DL 911/69, é o da data da execução da liminar da busca e apreensão ou a data da juntada aos autos do mandado cumprido (art. 241 do CPC). No caso dos autos, o tribunal a quo considerou a data da juntada do mandado cumprido como o termo inicial. Ressalta o ministro relator que, com a vigência do art. 56 da lei 10.931/04, a nova redação atribuída ao DL 911/69 prevê, no art. 3º, §§ 1º e 2º, que o prazo para o pagamento integral da dívida pelo devedor inicia-se a partir da efetivação da decisão liminar na ação de busca e apreensão, visto que, cinco dias após executada a medida, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário.(...)."

A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

 

Estamos tratando de uma lei que prevê o domínio resolúvel e a posse indireta, que se resolve com a consolidação da propriedade em 5 dias contados do cumprimento da liminar.

 

Vamos imaginar a seguinte situação: ação de busca e apreensão de um contrato de alienação fiduciária com 10 caminhões. Conto o prazo de 5 e 15 dias da execução da liminar, apenas quando eu apreender todos os veículos? E se eu localizar apenas 5 veículos, é razoável que o credor fiduciário tenha que apreender todos os bens, para citar e depois iniciar a contagem dos prazos?

 

É possível considerarmos que após consolidada a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, eu cite o devedor para lhe oportunizar prazo para pagamento e defesa, de um bem que a posse não lhe pertence?

 

Chamo atenção para esses questionamentos e num breve histórico do decreto-lei 911/69 talvez possamos tentar chegar a alguns esclarecimentos sobre a aplicação de referido dispositivo.

O art. 3º O proprietário fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.

Na leitura anterior tínhamos:

§ 1º Despachada a inicial e executada a liminar, o réu será citado para, em três dias, apresentar contestação ou, se já tiver pago 40% (quarenta por cento) do preço financiado, requerer a purgação de mora.

§ 2º Na contestação só se poderá alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais.

§ 3º Requerida a purgação de mora, tempestivamente, o juiz marcará data para o pagamento que deverá ser feito em prazo não superior a dez dias, remetendo, outrossim, os autos ao contador para cálculo do débito existente, na forma do art. 2º e seu parágrafo primeiro.

§ 4º Contestado ou não o pedido e não purgada a mora, o juiz dará sentença de plano em cinco dias, após o decurso do prazo de defesa, independentemente da avaliação do bem.

§ 5º A sentença do juiz, de que cabe agravo de instrumento, sem efeito suspensivo, não impedirá a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente e consolidará a propriedade e a posse plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário. Preferida pelo credor a venda judicial, aplicar-se-á o disposto no título VI, livro V, do Código de Processo Civil.

5 º A sentença, de que cabe apelação, apenas, no efeito devolutivo não impedirá a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente e consolidará a propriedade a posse plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário. Preferida pelo credor a venda judicial, aplicar-se-á o disposto nos artigos 1.113 a 1.119 do Código de Processo Civil. (Redação dada pela lei 6.014, de 1973)

§ 6º A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior.

Na sua antiga redação o legislador trouxe expressamente que o devedor seria citado para que no prazo de 3 dias apresentasse contestação ou, se já tivesse pago 40% da dívida, poderia requerer a purgação da mora. A matéria de contestação era limitada a alegação de pagamento do débito ou o cumprimento das obrigações contratuais. Com a nova redação, parece que a intenção do legislador foi deixar o tramite da busca do bem alienado mais célere, como se a busca e apreensão fosse um procedimento extrajudicial, que deve ser feito e fiscalizado pelo Poder Judiciário.

 

Se a propriedade e a posse se resolvem em favor do credor fiduciário no prazo de 5 dias, parece que o mesmo também deve servir para o pagamento da integralidade da dívida, que é a única hipótese de restituição do bem ao devedor.

 

Indo para os demais parágrafos, já era previsto que a ação de busca e apreensão é um processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior e que a sentença poderia ser prolatada independente da avaliação do bem, e, não impediria a venda extrajudicial do veículo.

 

Qual seria a finalidade da citação na ação de busca e apreensão, já que o prazo de defesa se conta do cumprimento da liminar?

 

Pois bem, para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, são utilizadas subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil no que a lei especial não tem previsão.

O artigo 238 e 239 do Código de Processo Civil dispõe:

Art. 238 Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.

Art. 239 Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

 

A finalidade da citação é dar ciência ao réu da existência do processo.

As regras processuais têm de ser estar em conformidade com as normas de direitos fundamentais. Assim, uma norma processual que não respeite o contraditório, é claramente inconstitucional.

O princípio do Devido Processo Legal está previsto no art., LIV - inciso 54 da Constituição Federal dispõe: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Já o princípio do Contraditório e da ampla defesa, estabelecidos no art. , LV - inciso 55 da CF nos traz: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Os princípios acima, visam garantir a ciência ao réu da existência do processo, permitindo que apresente suas razões em oposição à pretensão do adversário.

Por essa razão não podemos confundir a regras de direito processual, com as regras de direito material. Dessa forma a citação na ação de busca e apreensão tem como única finalidade dar ciência ao réu da existência do processo, mas não para pagar a dívida e apresentar defesa, visto que a norma que disciplina a contagem do prazo, tem conteúdo de direito material, e não de direito processual.

 

Fica como sugestão para reflexão, que a intenção do legislador nas alterações do decreto lei de alienação fiduciária 911/69 objetivou dar celeridade a consolidação da propriedade e posse do bem ao patrimônio do credor fiduciário, oportunizando prazo para pagamento da dívida e defesa, contados da execução da liminar. Isso não se confunde com a garantia constitucional ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa previstos na Constituição Federal de 1988.

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*Alini Marcela A. M. Mariano é advogada do escritório Ferraz | Cicarelli & Passold Advogados Associados.

 

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