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Interação e comercialização de animais em estabelecimentos comerciais e diretrizes legais

Vinícius Braga e Júlia Gontijo Mendes Vieira

A recorrente fiscalização dos estabelecimentos que comercializam animais é outro grande motivo para que seus administradores procurem se manter atualizados da legislação e de todas suas exigências de documentação decorrente da aquisição e comércio de animais.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Atualizado em 18 de setembro de 2019 09:55

O mercado pet é um dos setores de maior crescimento no país. Segundo dados do "instituto pet Brasil", em 2017, esta fatia do setor econômico movimentou mais de R$25 bilhões de reais, representando um crescimento de 7% (sete por cento) em relação a 2016.

Prática comercial que está cada vez mais popular no mercado pet é a interação dos animais de estimação em shoppings centers. A companhia destes animais nestes espaços agrada aos donos, que ficam menos limitados para o passeio com os pets, mas pode também causar desconforto ao público geral destes estabelecimentos, o que gera recorrentes questionamentos relativos às normas, ações e cuidados que devem ser observados por empreendedores e donos.

Noutro giro, a falta de conhecimento dos normativos que regulam o mercado de comercialização de animais pode trazer prejuízos aos empreendedores, especialmente no que se refere às regras para comercializar e doar animais em estabelecimentos comerciais.

Esses temas são foco deste breve estudo, que busca orientar os administradores destes espaços sobre regras gerais para atuação nesta área. Assim, com objetivo de brevemente indicar a regulamentação legal sobre o tema, passamos a análise da legislação atual.

Interação de animais em shoppings centers, restaurantes e diretrizes legais

Quanto à permanência de animais domésticos em estabelecimentos comerciais, como qualquer nova situação social ainda não regulamentada, fica à mercê do bom senso. A interação com animais em locais públicos, permitindo-lhes a circulação e permanência cresce com a ampliação do mercado pet, contudo enfrentam fastidiosas discussões pautadas em reflexões sobre higiene e saúde dos alérgicos.

Tais situações vêm sendo superadas no meio comercial e passamos cada dia mais a encontrar estabelecimentos comerciais que aceitam a presença de animais desde que seus donos observem normas de convivência que minimizam e apaziguam a oposição à presença dos animais nestes estabelecimentos.

A entrada do mercado pet no mix de lojas dos shopping centers e, por consequência, a demanda da presença destes animais nos estabelecimentos, impeliu a abertura deste mercado, sendo considerado como diferencial mercadológico a permissão de animais nestes locais. Assim, a administração dos shopping centers fica encarregada de estabelecer as regras de convivência nos espaços comuns destes empreendimentos, e a cada lojista cabe determinar a aceitação dos animais dentro de cada loja comercial diante da inexistência de vedação legislativa neste sentido.

Dentre as políticas mais comuns, nota-se: a limitação ao porte dos animais permitidos aos pequenos e médios; obrigatoriedade da utilização de guia; utilização dos kits de higiene; limitação da utilização de escadas rolantes e determinados elevadores e banheiros e proibição de permanência nas praças de alimentação, sendo esta última decorrente de norma da agência nacional de vigilância sanitária - ANVISA.

A resolução da diretoria colegiada - RDC 2016, de 15 de setembro de 2004 da ANVISA, estabelece requisitos higiênico-sanitários gerais para serviços de alimentação aplicáveis em todo território nacional e aprova o regulamento técnico de boas práticas para serviços de alimentação, que pode ser complementado pelos órgãos de vigilância sanitária Estaduais, distrital e municipais. Fica estabelecido neste regulamento que as áreas internas e externas do estabelecimento devem estar livres de objetos em desuso ou estranhos ao ambiente, não sendo permitida a presença de animais.

O regulamento aplica-se aos serviços de alimentação que realizam algumas das seguintes atividades: manipulação, preparação, fracionamento, armazenamento, distribuição, transporte, exposição à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo, tais como cantinas, bufês, comissárias, confeitarias, cozinhas industriais, cozinhas institucionais, unidades de alimentação e nutrição dos serviços de saúde, delicatéssens, lanchonetes, padarias, pastelarias, restaurantes, rotisserias e congêneres.

Naturalmente aplica-se então este regulamento aos espaços de praça de alimentação dos shopping centers que, em geral, proíbem a permanência de animais nestas áreas visto que nestes locais além do consumo propriamente dito, ocorre também a manipulação, exposição à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo.

Comercialização e exposição de animais em estabelecimentos comerciais e diretrizes legais

No tocante às disposições para comercialização e doação de animais, o conselho Federal de medicina veterinária (CFMV) editou a resolução de 1069/14, que estabelece diretrizes gerais de responsabilidade técnica em estabelecimentos comerciais de exposição, manutenção, higiene estética e venda ou doação de animais, e dá outras providências.

Para essas práticas, destacam-se apenas como exemplo as seguintes obrigações a serem observadas pelos comerciantes:

a) A resolução se refere a mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes;

b) O estabelecimento comercial deve estar devidamente registrado no sistema do CFMV ou conselho regional de medicina veterinária (CRMV) e manter um médico veterinário como responsável técnico pelos animais;

c) O veterinário responsável técnico deve assegurar que as instalações e local de manutenção dos animais proporcionem um ambiente livre de excesso de barulho, com luminosidade adequada, livre de poluição e situações que causem estresse aos animais, confortável, seguro, com temperatura e umidade adequadas;

d) O local deve ainda possuir plano de evacuação rápida em caso de emergência, observando a legislação específica;

e) Os animais devem ter fácil acesso a água e alimentos, bem como espaço suficiente para se movimentarem de acordo com suas necessidades;

f) O responsável técnico deve manter programa de higienização constante das instalações e dos animais, além de respeitar os programas de imunização.

Especificamente em relação à venda ou doação de animais, o responsável técnico e o estabelecimento devem:

a) Fornecer aos clientes informações sobre hábitos, fatores estressantes, espaços de recintos e demais cuidados sobre a espécie em questão;

b) Orientar o estabelecimento em eventual necessidade de formalização de contrato de compra e venda ou doação;

c) Garantir que todos os animais comercializados sejam devidamente imunizados e desverminados, considerando as necessidades de cada espécie;

d) Disponibilizar carteira de imunização;

e) Evitar o acesso direto aos animais expostos, ficando o contato dos clientes a estes restrito apenas em situações de venda iminente;

f) Assegurar que animais com alteração comportamental decorrente de estresse sejam retirados de exposição e mantidos em local adequado, sem contato com o público, até que retorne ao estado de normalidade;

g) Não permitir a venda ou doação de fêmeas gestantes e de animais que foram submetidos a procedimentos proibidos pelo CFMV.

O responsável técnico e o estabelecimento deverão ainda assegurar a realização de inspeção diária obrigatória do bem-estar e saúde dos animais, observando se estes apresentam comportamento normal, sendo que os cuidados veterinários aos animais deverão ser realizados em ambiente específico, sem contato com o público ou outros animais.

Destaca-se também a obrigação da loja de manter à disposição do sistema CFMV/CRMVs, pelo prazo de 02 (dois) anos, registro dos animais comercializados, abrangendo as informações estabelecidas na resolução, incluindo a documentação atualizada dos criadouros de origem constando CPF ou CNPJ, endereço e responsável técnico ou contrato que contemple tais informações.

O não cumprimento de todos os requisitos fixados na resolução sujeitará o estabelecimento e o responsável técnico ao pagamento de multa. Ainda, como mencionado supra, as obrigações aqui destacadas são exemplificativas, devendo o lojista observar todas as disposições da resolução 1069/14.

Cabe aqui esclarecer que não obstante o estabelecido pela resolução quanto a necessidade de inscrição destes estabelecimentos junto ao CFMV/CRMV, é pacífico o entendimentos nos tribunais de que, tratando-se de locais cuja atividade principal é o comércio de animais vivos e não seu atendimento clínico, não há a necessidade da inscrição, vejamos:

ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. COMÉRCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS E DE ANIMAIS VIVOS. REGISTRO E CONTRATAÇÃO DE MÉDICO VETERINÁRIO. OBRIGATORIEDADE DE REGISTRO PERANTE O CONSELHO. DESNECESSIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. -Estão obrigados a se inscrever nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissão as empresas e os profissionais, considerada a atividade principal, nos termos do artigo 1º da lei 6.839/80 -No caso do conselho de medicina veterinária, o artigo 1º do decreto 69.134/71, com a redação que lhe foi dada pelo decreto 70.206/72 determinou a inscrição nos quadros do CRMV àqueles que exercem a atividade direta de medicina veterinária. -Sujeitam-se ao registro nos conselhos regionais de medicina veterinária as empresas que exerçam as atividades elencadas nos artigos 5º e 6º da lei 5.517/68. -É entendimento dominante na jurisprudência do STJ e desta E. Corte Federal que a empresa cuja atividade precípua seja o comércio de animais vivos, de produtos agropecuários e veterinários, bem como a prestações de serviço de banho e tosa em animais domésticos, não exerce atividade básica relacionada à medicina veterinária, motivo pelo qual não é obrigatório seu registro junto ao conselho regional de medicina veterinária, tampouco à contratação de profissional registrado no referido conselho. -No caso, consta do comprovante de inscrição e de situação cadastral junto à RFB juntado às fls. 13 que a atividade da empresa é: "comércio varejista de animais vivos e de artigos e alimentos para animais de estimação". -Não há como compelir a inscrição neste conselho profissional, tampouco à contratação de responsável técnico, já que a atividade do apelante não está relacionada à área de fiscalização do conselho regional de medicina veterinária. -Apelação provida. (TRF3, AC 2010.61.09.005996-2/SP, rel. des. fed. Mônica Nobre, 4ª Turma, DJ 6.7.16)

Em julgamentos similares esclarecem os magistrados que deve haver um responsável técnico pelos animais comercializados, contudo não há necessidade de que esse profissional integre o quadro de funcionários destas empresas

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MICROEMPRESA. COMÉRCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS E DE ANIMAIS VIVOS. REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. O STJ entende que a atividade básica desenvolvida na empresa é fator determinante para vincular o seu registro ao conselho regional de medicina veterinária (CRMV). 2. O art. 27 da lei 5.517/68 exige o registro no CRMV para as firmas, associações, companhias, cooperativas, empresas de economia mista e outras que exercem atividades peculiares à medicina veterinária. 3. In casu, o Tribunal de origem constatou que o objeto social é o comércio de produtos alimentícios, e que a venda de animais vivos, com escopo lucrativo, não desnatura o ramo de atividade da recorrida, que não é inerente à medicina veterinária. 4. Desnecessário, portanto, o registro da microempresa no CRMV. Precedentes: REsp 1.188.069/SP, rel. ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 17.5.10; REsp 1.118.933/SC, rel. ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 28.10.9. 5. A eventual obrigatoriedade de contratação de veterinário, exclusivamente em razão da manutenção de animais vivos, não autoriza a conclusão de que o profissional contratado deva integrar o quadro de empregados da microempresa, razão pela qual, conforme compreensão do órgão colegiado do Tribunal a quo, a vinculação (registro) ao CRMV é imposta "apenas ao profissional (...), não à contratante, considerada a sua atividade básica (comércio)". 6. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1350680/RS, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 15.2.13)

Verifica-se assim que é necessário que os estabelecimentos que comercializem animais vivos sigam as diretrizes definidas na resolução de 1069/14 e que tenham o responsável técnico, registrado junto aos CFMV/CRMV, para assessoria da prática, mas não há necessidade de registro do estabelecimento junto aos CFMV/CRMV.

Para a comercialização de animais silvestres em estabelecimentos comerciais, o estabelecimento deverá observar, além de toda a legislação ambiental aplicável, notadamente as portarias do IBAMA brevemente abordas a seguir.

A portaria 117/97 estabelece as diretrizes para a comercialização de animais silvestres vivos, abatidos, partes e produtos, e determina a obrigatoriedade de registro dos estabelecimentos comerciais junto no IBAMA na categoria de comerciante de espécimes da fauna silvestre brasileira e exótica, partes e produtos, mediante protocolo de requerimento ao superintendente do IBAMA no Estado onde será instalado o empreendimento. A referida portaria estabelece ainda que:

a) A aquisição dos animais silvestres deverá ser proveniente exclusivamente de criadouros comerciais, comerciantes ou industrias/beneficiamento registrados junto ao IBAMA;

b) É obrigatório constar na nota fiscal os dados referentes à marcação individual dos espécimes comercializados;

c) O comerciante tem obrigação de manter disponíveis as cópias ou segundas vias das notas fiscais para possível fiscalização do IBAMA ou demais órgãos públicos, bem como o cadastro contendo o nome do comprador, CPF, endereço de residência, endereço onde os animais serão alojados e telefone para contato;

d) O comerciante deve ainda fornecer ao comprador orientações básicas sobre a espécie, bem como a recomendação de não soltura ou devolução dos animais à natureza sem o prévio consentimento da área técnica do IBAMA;

e) O descumprimento do disposto na portaria implicará na apreensão dos animais pelo IBAMA e será impossibilitado de novas aquisições da espécie envolvida.

A portaria 117/97, estabelece diretrizes para a importação e exportação de fauna silvestre e proíbe ainda a importação de espécimes vivos para fins de criação com fins comerciais, manutenção em cativeiro como animal de estimação ou ornamentação e para a exibição em espetáculos itinerantes e fixos, salvo em jardins zoológicos de determinadas espécies. Ou seja, a comercialização de animais exóticos de outros biomas em solo brasileiro deve ocorrer apenas pela aquisição diretamente de criadouros nacionais licenciados.

Os procedimentos e exigências mínimas para os criadores comerciais de fauna silvestre exótica são estabelecidos pela portaria 102/98, sendo a origem dos animais comercializados o cativeiro. Vejamos uma breve sinopse dos fundamentos que originaram tal prática:

Animais silvestres chegam ao IBAMA apreendidos de traficantes, recuperados de residências que os mantinham irregularmente ou simplesmente abandonados. O IBAMA não pode simplesmente destinar estes animais de volta à natureza, pois muitos destes foram retirados das matas ainda filhotes e não saberiam como sobreviver em suas áreas nativas. Além disto, a origem certa de cada animal não pode ser estabelecida e introduzir um animal em uma população que não é a sua original pode interferir nos padrões genéticos desta população. Some-se a isto o fato de que muitos dos animais criados em convivência com o homem e outros animais domésticos podem possuir doenças assintomáticas que poderão passar para a população nativa caso estes animais sejam reintroduzidos.

Desta maneira, o IBAMA destina os animais para zoológicos, centros de pesquisa e criadouros licenciados. Por determinação, o animal encaminhado para um criadouro não pode ser comercializado, só podendo servir como matriz reprodutora. Os filhotes nascidos em criadouros comerciais podem ser comercializados. Eles são registrados, marcados e podem ser comercializados para pet shops.

Embora a criação e comércio de animais silvestres seja regulamentada, este tema ainda é pauta de emotivas discussões do público que podem levar a denúncias ao IBAMA quanto a regularidade da prática comercial.

Ressalva-se ainda a possibilidade de Estados e municípios sancionarem legislações específicas quanto a permanência e comercialização de animais em estabelecimentos comerciais.

Conclusão

Conclui-se que a recorrente fiscalização dos estabelecimentos que comercializam animais é outro grande motivo para que seus administradores procurem se manter atualizados da legislação e de todas suas exigências de documentação decorrente da aquisição e comércio de animais.

Ainda, com relação à permanência de animais domésticos acompanhados de seus donos em shopping centers, dar ciência e publicidade a seus clientes da importância do cumprimento das normas legais e condutas que devem ser observadas durante um passeio com seus pets em estabelecimentos comerciais, se mostra importante atribuição dos administradores, que além de atrair um público em constante crescimento, pode garantir comodidade e satisfação aos seus clientes.

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- Resolução da diretoria colegiada 216, de 15 de setembro de 2004, da agência de vigilância sanitária ANVISA.

 

- Resolução 1069/14 do conselho Federal de medicina veterinária.

- Portaria 117/97 do instituto brasileiro do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis - IBAMA.

- Portaria 102/98 do instituto brasileiro do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis - IBAMA.

 

- MARQUES, Claudio. "Serviços vão acelerar alta do setor pet". Instituto pet Brasil.

 

- FRANCISCO, Wagner de Cerqueria e. "Tráfico de animais"; Brasil escola.

 

- TRINDADE, Priscila. "Na contramão da crise econômica, mercado pet cresce".

- "Sobre o comércio de animais silvestres".

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*Vinícius Braga é graduado em Direito na Faculdade Pitágoras de Divinópolis em 2016.

 

*Júlia Gontijo Mendes Vieira é graduada em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 2014.

 

 

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