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Pensões para assassinos. Até quando?

Por falta de comunicação e procedimentos adequados, criminosos se beneficiam das pensões de suas vítimas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:29

Dependentes menores de 21 anos, cujos pais falecem e eram contribuintes do instituo nacional de seguro social, o INSS, são beneficiários de pensões. Assim, os próprios jovens ou, no caso de crianças, os seus tutores podem se apresentar ao INSS com a carteira de identidade e o atestado de óbito e requererem o benefício. Após a maioridade legal, 21 anos, o recebimento é cancelado.

Ora, se é assim, por que Suzane Von Richthofen, ainda com 19 anos quando da morte de seus pais, não o faria? Ela não só requereu a pensão, como a recebeu por dois anos, até completar 21 anos. É difícil esquecer o nome dessa moça e o crime hediondo cometido, mas caso você não se lembre, vamos aos fatos:

Suzane está presa desde novembro de 2002 por causa da morte dos pais Marísia e Manfred von Richthofen, ocorrido no dia 31 de outubro daquele ano. Foi ela quem arquitetou o crime, cometido pelos irmãos Cristian e Daniel Cravinhos. Quatro anos depois dos assassinatos e quando já estava presa, Suzane foi condenada a 39 anos de reclusão; mesma sentença decretada aos irmãos Cravinhos. Atualmente, a moça está na penitenciária feminina de Tremembé, interior de São Paulo.

Como se pode constatar pelas datas, ao longo do tempo em que Suzane recebeu o benefício, sua condenação ainda não estava decretada, embora ela estivesse detida. E se ela deixou de receber, foi justamente por ter completado 21 anos, não por ser a responsável pelo assassinato dos pais. Agora, por meio de uma decisão de caráter administrativo, o INSS pede a devolução aos cofres públicos de todo o dinheiro. O valor corrigido é de R$ 44,9 mil.

Suzane ainda pode recorrer judicialmente, mas a procuradoria Federal do INSS já anunciou que pode entrar com ação na Justiça, caso Suzane não devolva a quantia. Esses processos podem, sim, ter andamento judicial; pelo menos, tem sido essa a atitude de Suzane, a de buscar "justiça", e vem colecionando derrotas: já teve recusado o pedido de progressão para regime semiaberto e, mais recentemente, também lhe foi negada uma indenização. Suzane queria ser ressarcida em R$ 190 mil pelo Estado por ter sofrido ameaça de morte e passado fome durante a rebelião no presídio feminino do Carandiru, em 2004. Nos dois casos, os pedidos chegaram às instâncias superiores e foram negados pelo STF.

Também é com afinco que Suzane continua lutando pela metade da herança dos pais. A outra metade pertence ao irmão, Andreas, de 26 anos, que pode, ao final, acabar por ser o único herdeiro, a depender do processo que ainda está tramitando na Justiça. Os recursos que Suzane e seu advogado impetram acabam por impossibilitar o final do inventário e o destino dos 11 milhões.

Judicialmente, Suzane já foi condenada por indignidade em primeira instância, o que a exclui do processo sucessório. Esclarecendo: "indignidade" é o termo utilizado para designar a condição de filhos ou herdeiros que por motivo torpe - como é o caso aqui - são excluídos do processo sucessório. Para que essa exclusão aconteça é necessário que outros herdeiros ajuízem o processo de indignidade e foi o que fez Andreas, o irmão de Suzane. Embora ela já tenha perdido em primeira instância, está recorrendo da decisão, com a esperança de que consiga mudar o julgamento e possa receber sua parte. Enquanto o imbróglio não se resolve, os bens estão bloqueados. A casa que foi cena do crime está fechada há 11 anos.

E em relação à pensão do INSS? Ocorre que para esse contexto ainda não existem regras muito claras na previdência, tampouco há leis específicas na Constituição, embora fique óbvio que o benefício seja um grande contrassenso. Outro exemplo recente - e, é preciso dizer, tão ou mais esdrúxulo do que o caso de Suzane - é o do professor de matemática Claudemir Nogueira, que em 2009 assassinou a esposa, Mônica El Khouri, enforcando-a com um fio, dentro de casa. Morador da capital paulista, apesar de réu confesso, não está detido. Com a morte da esposa passou a receber o benefício do INSS. E, pasmem, atuando na rede estadual de ensino, foi deslocado das salas de aula para tarefas burocráticas, recebendo seu salário de R$ 2.509,00 normalmente.

Afora a impunidade vergonhosa, capaz de nos deixar sem ação ou palavras, resta-nos a pergunta: por que ele ainda recebe pensão?

É justamente para que episódios como de Suzane e Claudio não sejam recorrentes que o INSS inicia tratativas para a realização de convênio com os Estados e Distrito Federal. Até agora, assassinos que recebem pensões de suas vítimas só são identificados quando o caso é publicado na mídia ou por meio de denúncia. A partir de uma base de dados compartilhada, será possível detectar os casos similares. Eventualmente o pagamento pode ser negado mesmo que o réu esteja recorrendo a instâncias superiores. Por outro lado, se após as apelações o réu for julgado inocente, o INSS pagará a quantia referente ao tempo em que a pessoa deixou de receber.

Está aí a Justiça na qual devemos acreditar e recorrer.

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*Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão e membro efetivo da comissão de Direito de Família da OAB/SP, do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Famíia, e do IASP.

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