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E agora Brumadinho?

Sobre a efetiva gestão de riscos, que poderia evitar danos imensuráveis

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Atualizado em 14 de outubro de 2019 18:13

Na última sexta-feira, dia 25 de janeiro de 2019, fomos surpreendidos com mais uma chocante notícia, acerca do desastre ocorrido em Brumadinho/MG, mais especificamente na Mina Córrego do Feijão, a qual, pasmem, estava desativada desde 2015.

Pois bem, em que pese discussões incansáveis acerca dos riscos em reativar esta mina, bem como os alertas destacados pelos ambientalistas, altamente especializados no assunto, a decisão que prevaleceu foi aquela que, em tese, defenderia os interesses da mineradora e, o resultado não foi outro senão a tragédia que todos nós assistimos desacreditados.

Pessoas e famílias inteiras prejudicadas, muitos mortos e desaparecidos, animais isolados, ônibus com passageiros totalmente soterrados, pousadas engolidas, são alguns exemplos da dimensão da catástrofe ocorrida.

E a pergunta que fica: o fato era previsível? Veja, se licenças foram concedidas e mobilizações foram efetuadas para flexibilizar regras ambientais, apesar dos alertas emanados por pessoas peritas na questão, por óbvio que a resposta é sim.

E agora, em um cenário de tristeza e indignação, busca-se remediar aquilo que deveria ter sido prevenido e, aqui é que gostaria de destacar a importância do compliance, enquanto estrutura de governança corporativa e sua efetiva gestão de riscos.

Ora, não é por acaso que o gerenciamento de riscos é um dos principais pilares de um programa efetivo de compliance, também conhecido por Programa de Integridade e, apenas para formalizar sua base legal, conveniente citar o decreto 8420/15, especificamente em seu artigo 42, inciso V, que dispõe:

Art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;

Destaca-se que tal decreto regulamentou nossa Lei Anticorrupção, qual seja a 12.846/13, a qual dispõe sobre a responsabilização objetiva, nas esferas civil e administrativa, incluindo, entre suas sanções, multas pesadíssimas, que podem chegar até 20% do faturamento bruto anual da empresa.

E não para por aí, na esfera criminal, a lei 9613/98, também conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro, dispõe sobre a responsabilidade criminal daqueles que não seguem seus preceitos, tampouco se preocupam com o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Isto, sem falar na Lei dos Crimes Ambientais, isto é, lei 9.605/98, que igualmente dispõe acerca de sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Como se pode observar, legislações que busquem o comprometimento destas empresas existem, resta aplicá-las em sua integralidade, pois a remediação de tudo o que está ocorrendo é infinitamente pior, maior e mais cara do que a efetiva prevenção, ressaltando que o valor das vidas perdidas não tem preço.

Nesta seara, prevenção é a palavra de ordem e, repita-se, através de um efetivo gerenciamento de riscos, este fato lastimável, poderia sim ter sido evitado.

E agora Brumadinho? É correr atrás de todo o prejuízo, totalmente imensurável, diante do ocorrido. E pasmem, a estória se repete, pois em novembro de 2015, a cidade de Mariana, também em Minas Gerais, vivenciou a mesma e triste realidade, fato que deveria ter sido levado muito a sério, de modo que a tragédia não se repetisse... Infelizmente, não foi o que ocorreu, diante da falta de comprometimento, através de indenizações ainda não pagas, bem assim da falta de responsabilização.

Em termos de cooperação internacional, também representada por órgãos brasileiros como o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), que possui como principais atribuições a articulação de órgãos do governo nos aspectos relacionados ao combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional, esta cooperação, a nível internacional, também constitui uma das 40 (quarenta) Recomendações do GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), ambos com foco no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, importante salientar que, neste momento, estamos tendo apoio de outras nações, como é o caso de Israel, que enviou ao Brasil equipe especializada para ajudar na busca de possíveis e desejáveis sobreviventes e tentar amenizar aquilo que puder ser feito, salientando que esta equipe conta com profissionais como militares, médicos, mergulhadores e engenheiros. Oxalá, se não precisássemos desta cooperação simplesmente pela inexistência do fato catastrófico!

Além de todo exposto, convém, também, destacar que a agência de classificação de risco S&P classificou a Vale do Rio Doce como empresa em observação, tendo em vista, seus riscos altamente potencializados.

Assim, caminhando para o final destas considerações e, também para não ser exaustiva e falar mais do mesmo, como observação final fica a incontestável importância de um efetivo gerenciamento de riscos dentro da realidade, tão necessária, de um robusto programa de integridade para todas as empresas, sem exceção.

Considerando, ainda, que o Brasil não tem tradição e cultura em termos de prevenção, a mudança desta realidade não constitui apenas uma urgência, mas um hábito a ser incorporado no dia a dia das empresas, de seus dirigentes e responsáveis, seja na esfera local e/ou global.

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*Andrea Wiezbicki Strapasson é advogada, especialista em Compliance. Membro da Comissão de Compliance da OAB/PR, membro do Compliance Women Committee, membro do Potencial Compliance Brasil. Especialista em Direito e Processo Penal e proprietária da A.W. Strapasson Advocacia e Consultoria.

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