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A nossa crise fiscal deve ser tratada e curada no divã do planejamento estratégico

Quem sabe um dia, descobriremos que a trajetória do nosso planejamento fiscal passa, necessariamente, pela análise cartesiana do comportamento de índices socioeconômicos conforme determina a natureza jurídica da LDO.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Atualizado às 09:03

Não é de hoje que alguns entes federativos estão com as finanças em estado de alerta e ultimamente a apreensão do funcionamento da máquina pública está voltada para a frustração de receitas, fator imaginário o qual é decorrente do desconhecimento de uma ferramenta importante do direito financeiro: o planejamento estratégico.

Isso porque sua legislação de regência, que possui como dois eixos principais a lei 4.320/64 (lei geral dos orçamentos - ora por mim chamada de lei da escrituração das contas públicas) e a LC nacional 101/00 (lei de responsabilidade fiscal [LRF], a qual me enamora diariamente e me permite apelida-la de lei da qualidade do gasto público), estabelece diversos parâmetros para que as políticas públicas possuam prévio planejamento orçamentário e financeiro. Mas qual a diferença entre orçamentário e financeiro?

Para quem (ainda) é pouco habituado com a vivência do direito financeiro apresento uma distinção em termos coloquiais: lembremo-nos do cheque especial. O limite, fictício em relação à nossa possibilidade de pagar, é o orçamento e a nossa real capacidade de pagamento é o lastro financeiro. Não adianta ter orçamento se não há dinheiro para pagar as despesas. A não ser em um país onde ter déficit é fato corriqueiro.

No âmbito do direito público as conhecidas "frustrações de receitas" são resultado de um planejamento equivocado o qual, nas mais das vezes, superestima uma arrecadação destoante da realidade econômica e isso tem ocasionado problemas de solvência em alguns entes federados o que inclusive atrai a teria da responsabilização na gestão fiscal, também conhecida como accountability.

Mas por que estamos nos frustrando tanto, se há um arcabouço normativo apto a garantir o equilíbrio das contas públicas? Reflitamos, pois, um pouco sobre isso na jurisdição do direito financeiro.

Determina o art. 165, §8º da Constituição Federal que o planejamento das finanças públicas deve estimar a receita e fixar a despesa na perspectiva de garantir o equilíbrio das contas. Dessa maneira, a lei orçamentária anual (LOA) é quem pavimenta as ações do gestor público, e, também por imposição constitucional, a mesma deve levar em consideração uma lei de importância estratégica para a administração pública a qual não é valorizada como deveria: a lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

A forma instrumental das diretrizes orçamentárias possui uma baliza genérica insculpida no artigo 165, §2º da CF a qual é lapidada de maneira aprofundada a partir do art. 4º da lei de responsabilidade fiscal e sob uma técnica de interpretação gramatical observa-se, por intermédio da ordem cronológica dos seus incisos, que o equilíbrio entre as receitas e as despesas é o porta-bandeira da LDO.

Acerca do equilíbrio fiscal, o legislador financeiro, quando trata sobre planejamento em relação à efetiva arrecadação de receitas, determina um diálogo entre o direito (financeiro), a economia e a contabilidade pública, conforme positivado no art. 12 da lei de responsabilidade fiscal, o qual dispõe que as previsões de receitas devem observar os efeitos das alterações na legislação, crescimento econômico e serem acompanhadas de demonstrativo de evolução nos últimos três anos.

Se o cenário da macroeconomia aponta para uma redução do consumo o que, por via de consequência, interfere na arrecadação das receitas e diminuição das respectivas transferências, obrigatórias ou voluntárias, logo, o planejamento orçamentário deve sofrer uma adequação para se adaptar. Sobretudo no tamanho da despesa.

É preciso voltar os olhos para o planejamento fiscal em quatro dimensões: a) orçamentário; b) financeiro; c) receita; e, d) despesa. Já não temos mais a zona de conforto de outrora e o sofismo do simples silogismo de apontar a "frustração de receitas" como a solução dos nossos problemas já passou do ponto de ser inadmissível. Assim, a subsunção das regras do direito financeiro deve transcender as ciências jurídicas e visitar outros ramos do conhecimento como, por exemplo, a economia e a contabilidade pública.

Dessa forma, quem sabe um dia, descobriremos que a trajetória do nosso planejamento fiscal passa, necessariamente, pela análise cartesiana do comportamento de índices socioeconômicos conforme determina a natureza jurídica da LDO. Até lá vamos continuar nos frustrando em relação às nossas pobres receitas. Deitemos, então, no divã do planejamento para superar a nossa crise.

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*Mário Augusto Silva Araújo, especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mestre em Constituição e Garantia de Direitos pela mesma instituição, Professor Universitário em Cursos de Pós-Graduação e Assessor de Gabinete no Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.

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