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A tecnologia contra o advogado

É imprescindível que o advogado enxergue sua atividade como um negócio, e como tal deve ser tratado com profissionalismo através de pessoas qualificadas em áreas específicas, como tecnologia, finanças, recursos humanos, planejamento estratégico e marketing.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Atualizado em 21 de fevereiro de 2019 11:53

Não, não falarei sobre a ameaça da inteligência artificial à profissão do advogado, até porque isso já está sendo dito por vários especialistas e sensacionalistas - com grande diferença de conteúdo entre eles. Estou aqui pra falar de tecnologia da informação, que inclui a IA e outras soluções providas de recursos computacionais que permeiam a informação. Os meios de comunicação avançaram e estreitou ainda mais a relação entre conteúdo e pessoas, além de ter possibilitado um aumento expressivo desse conteúdo na internet. A quantidade de conteúdo digital praticamente triplica a cada ano, afinal, estamos diante do Big Data.

Com isso, é comum que a sociedade viva uma ansiedade da informação, onde os meios de comunicação nos bombardeiam diariamente com um turbilhão de conteúdo, numa busca insana de nossa atenção. Neste contexto está a figura do advogado, que cada vez mais tem sido exigido a buscar novas competências e desenvolver novas habilidades, primando pela sua atuação como gestor, controller, desenvolvedor, design, social media, chief financial officer, líder e que além de tudo possua um mindset inovador, permitindo estar à frente da concorrência. É, são muitos e diferentes papeis para um único profissional. O que resta saber é: em que momento da jornada de trabalho esse profissional vai se dedicar ao seu ofício?

É bom que se diga que muitos profissionais estão surgindo com soluções para o mercado jurídico, trazendo desde técnicas e métodos de gestão a softwares como ferramentas para automação, e isso beneficia diretamente as instituições, organizações e profissionais deste mercado. Mas veja, são pessoas se dedicando exclusivamente a desenvolver soluções transformadoras para o mercado jurídico, servindo de apoio ao advogado. Este, por sua vez, possui em sua rotina, além das atividades burocráticas e ainda necessárias, a análise minuciosa de seus casos, a elaboração de suas defesas, a organização de sua agenda de compromissos com despachos, audiências, sustentações orais, visitas ao cliente, prospecção e captação (afinal o advogado precisa rentabilizar sua atividade).

Claro que é importante conhecer este novo cenário advindo da transformação digital, mas não em sua totalidade, pois é impossível. O conhecimento do advogado em tecnologias e ciências da administração devem servir para atualizá-lo desse novo contexto auxiliando na sua tomada de decisão, já que as especificidades precisam ser tratadas por profissionais daquelas áreas de conhecimento. O que de certa forma exige que o advogado seja assessorado por esses profissionais, orientando sua tomada de decisão. Esses profissionais podem estar dentro ou fora da estrutura, como as consultorias neste último caso.

"A tecnologia torna tudo mais simples". Uma frase bem comum nos dias de hoje. Com o advento da internet e da transformação digital, é comum acharmos que a solução está na ferramenta. Mas a ferramenta por si só, não muda algo, não transforma algo, se não houver gestão, organização e disciplina. E quem promove isso são pessoas (pelo menos ainda) capacitadas e engajadas. As tecnologias só servirão de apoio na obtenção de resultados se o advogado souber definir seus objetivos. Caso contrário ocorrerá desperdício de tempo e dinheiro, pois pela ausência de objetivo as coisas retornarão ao que era antes da tecnologia aplicada. A tecnologia será sempre nossa aliada e o segredo está em fazer as perguntas certas. Onde queremos estar?

Não adianta negar, pois boa parte das estruturas não possui organização, não possuem métodos de trabalho e de divisão de tarefas ou não há fluxos definidos para as suas atividades, que permitiriam obter uma noção clara de onde estão os gargalos e as lacunas. Portanto, a questão está longe de ser a tecnologia adequada ou a ausência dela, mas sim a forma como lidamos com a tecnologia, em achar que dela sairá a solução dos nossos problemas, quando muitas vezes nem sabemos identificar que problemas são esses. Por essas e outras, a figura do profissional de administração, ou de uma assessoria por parte de consultores, se faz importante para identificação das necessidades e definição dos objetivos a partir de um diagnóstico preciso e de um planejamento estratégico bem elaborado. Menciono isso num artigo publicado em 2011, A importância da administração para escritórios de advocacia, e percebo que de lá pra cá pouca coisa mudou.

O título deste texto é uma provocação para reflexão de que precisamos modernizar sim nossas estruturas, mas principalmente no âmbito do conhecimento e da gestão, e só depois partir para as ferramentas. O conceito de gestão jurídica, que é o mesmo que Administração legal, termo este introduzido no Brasil na década de 90 e muito discutido em meados de 2000 por profissionais como Anna Luiza Boranga, Simone Salomão e Mário Esequiel, traduz uma adequação dos conceitos da Administração, amplamente utilizados na gestão empresarial, à área de prestação de serviços jurídicos.

É imprescindível que o advogado enxergue sua atividade como um negócio, e como tal deve ser tratado com profissionalismo através de pessoas qualificadas em áreas específicas, como tecnologia, finanças, recursos humanos, planejamento estratégico e marketing. Só assim este profissional do Direito estará preparado para a transformação digital, se beneficiando das inovações e gerando vantagem competitiva.

Até a próxima!

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*Moisés Cerqueira é administrador na Advocacia Dias de Souza e especialista em gestão empresarial pela FGV-DF.

 

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