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A fraude à execução no âmbito da desconsideração da personalidade jurídica

A questão em tela encontra-se pacificada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça e tal entendimento não se restringe apenas aos processos cíveis, na medida em que é perfeitamente cabível no âmbito das execuções fiscais.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Atualizado às 10:21

Inicialmente cumpre esclarecer que a fraude à execução é um instituto de natureza processual que consiste em manobras realizadas pelo devedor, visando frustrar a expropriação de seus bens e por consequência acaba por frustrar a atividade jurisdicional.

Inclusive, a doutrina entende que a fraude à execução revela-se mas grave que a fraude contra credores, na medida em que é cometida no curso do processo executivo.

O ilustre professor Fredie Didier assim leciona:

"A fraude à execução é manobra do devedor que causa dano não apenas ao credor (como na fraude pauliana), mas também à atividade jurisdicional executiva. Trata-se de instituto tipicamente processual. É considerada mais grave do que a fraude contra credores, vez que cometida no curso de processo judicial, executivo o apto a ensejar futura execução, frustrando os seus resultados. Isso deixa evidente o intuito de lesar o credor, a ponto de ser tratada com mais rigor"

(Fredie Didier, Curso de Processo Civil, 21ª edição, Revista Ampliada)

Nos termos do artigo 792 e seguintes do CPC a fraude à execução deve ser reconhecida nas seguintes circunstâncias:

Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V - nos demais casos expressos em lei.

Entre os supramencionados incisos o que nos interessa para a compreensão do tema, ora abordado, é o inciso IV que inclusive é a circunstância mais comum nos processos de execução em tramite pelo país.

Como o objetivo do presente trabalho não é o de esgotar a matéria relativa ao instituto da fraude à execução, em síntese verificamos que o inciso IV do artigo 792 do CPC ocorre quando o executado onera ou aliena bem enquanto tramitava contra ele ação capaz de reduzi-lo a insolvência.

Porém, nos últimos anos os Tribunais de Justiça vêm enfrentando uma série de recursos, relativos a declarações de fraude à execução de sócios que alienam imóveis enquanto tramitava ação em face de sua empresa, antes da ocorrência da desconsideração da personalidade jurídica.

Após incessantes discussões o assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do RESP 1.391.830-SP da relatoria da ministra Nancy Andrighi que proferiu voto ao qual foi acompanhada por todos os ministros presentes nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL POR SÓCIO DA PESSOA JURÍDICA ANTES DO REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CONFIGURADA.

1. Cinge-se a controvérsia em determinar se a venda de imóvel realizada por sócio de empresa executada, após a citação desta em ação de execução, mas antes da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, configura fraude à execução.

2. A fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.

3. Na hipótese dos autos, ao tempo da alienação do imóvel corria demanda executiva apenas contra a empresa da qual os alienantes eram sócios, tendo a desconsideração da personalidade jurídica ocorrido mais de três anos após a venda do bem. Inviável, portanto, o reconhecimento de fraude à execução.

4. Recurso especial não provido.

(RECURSO ESPECIAL 1.391.830 - SP (2013/0203178-8), RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI, j. 22 de novembro de 2016)

Conforme o supramencionado julgado, verificamos que o sócio só estaria incorrendo na fraude à execução, caso a alienação do bem ocorresse após desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, ou seja, pouco importa que a citação da empresa tivesse sido realizada na pessoa de seu sócio, pois este não figurava no polo passivo da ação, o que só ocorreria com a referida desconsideração.

Portanto, enquanto não houver a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada seus sócios poderão alienar, gravar ou transferir seus bens como bem entenderem sem que reste configurada a ocorrência da fraude à execução.

Porém, após ocorrência da referida desconsideração é vedado aos sócios alienarem bens, pois neste  momento passam a integrar o polo passivo da ação podendo incorrer nas hipóteses previstas do supramencionado artigo 792 do CPC.

Desta forma, a questão em tela encontra-se pacificada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça e tal entendimento não se restringe apenas aos processos cíveis, na medida em que é perfeitamente cabível no âmbito das execuções fiscais.

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Bruno Carli Tantos é advogado, especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito, especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Membro efetivo da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP Subseção de Pinheiros.

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