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A aproximação de aspectos valorativos da realidade social para o direito penal

Lucas Andrey Battini

O direito penal passa a caminhar por rumos distintos, permitindo que o debate científico se aproxime de valorações que o homem faz da realidade.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Atualizado em 29 de maio de 2019 12:53

Embora a aplicação da pena tenha ganhado contornos cada vez mais humanitários, principalmente com o surgimento do movimento reformador influenciado pelo Iluminismo, ainda muito se discute quais as funções que esta deve exercer sobre os membros de um determinado grupamento social, se deve ser orientada com fins justificantes e moralizadores (retributivos), ou ainda, buscar evitar a reiteração de condutas consideradas criminosas (prevenção geral e especial).

 

É inegável também que o direito penal por ter como um de seus objetivos o dever de punir, ainda constitui uma das maiores intervenções que uma pessoa pode sofrer por parte do Estado, o que enseja uma tensão dialética entre um direito penal mínimo e a defesa contra a criminalidade, razão pela qual se busca cada vez mais a adoção de propostas capazes de superar paradigmas clássicos, com a flexibilização de categorias e institutos penais, sem que garantias fundamentais conquistadas durante anos sejam deturpadas.

 

E dentre essas propostas, não remanescem dúvidas de que o funcionalismo teleológico de Claus Roxin estabeleceu um novo marco no estudo da dogmática jurídico-penal, ao qual se atribui méritos por superar a concepção finalista de Hans Welzel, delegando à política criminal a fundamentação e o fornecimento de orientações valorativas, em que a própria ciência criminal caminha paralelamente à realidade social.

 

 

 

 

O ABANDONO DA ONTOLOGIA FINALISTA DE HANS WELZEL E AS BASES DE UM NOVO SISTEMA METODOLÓGICO: O FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO PENAL.

 

Criado por Hans Welzel entre os anos de 1930 e 1960 o pensamento finalista "afasta-se das formulações do causalismo valorativo para sustentar uma perspectiva ontológica, assentada na natureza das coisas. Seu ponto de partida, com respeito à teoria do conhecimento, é distinto: as diversas formas que possuem a natureza inanimada, qualquer forma de vida ou o comportamento das pessoas, não podem ser alteradas pelo observador, são estruturas externas e ontológicas, estruturas lógico-objetivas"1.

 

Com efeito, Hans Welzel desenvolveu sua doutrina finalista "baseado no método fenomenológico de investigação, sustentando a formulação de um conceito pré-jurídico de pressupostos materiais (dentre os quais a conduta humana) existentes antes da valoração humana e, por isso, precedentes a qualquer valoração jurídica. Para contrapor-se ao subjetivismo epistemológico do neokantismo, afirmava Welzel que não é o homem, com a colaboração de suas categorias mentais, quem determina a ordem do real, mas sim o próprio homem que se encontra inserido numa ordem real correspondente a estruturas lógico-objetivas (não subjetivas)"2.

 

Daí a razão do deslocamento, para a teoria finalista, do dolo e da culpa para o tipo penal, retirando-os da culpabilidade, de modo que a finalidade é "la espina dorsal de la acción finalista. Ella es el factor de dirección, que sobredetermina el acontecimiento causal exterior, sin el cual éste, destruído en su estructura material, degeneraría en un proceso causal ciego".3

 

O grande mérito do pensamento finalista de Welzel, ao trabalhar com o conceito de ação como a vontade dirigida a um fim, inserindo no tipo penal a ideia de previsibilidade e possibilidade de determinação da conduta, foi o de ensejar fundamentação diferenciada para a punição de crimes culposos e dolosos, o que antes não foi realizado pelos positivistas e neokantistas.

 

Todavia, embora seja manifesta participação positiva no modo de operar o direito, a corrente finalista foi - e ainda é - alvo de severas críticas que motivaram Claus Roxin na elaboração de sua proposta funcionalista.

Nesse exato sentido, um dos pontos em que houve mais resistência na nova proposta, foi na explicação que Hans Welzel deu aos crimes culposos. Ao partir da premissa de que a ação humana estaria fundamentada na finalidade, não conseguiu esclarecer de forma satisfatória o acontecimento de um resultado não querido pelo agente.

Isto porque quem age culposamente não dirige sua finalidade à consecução de um resultado, muito pelo contrário, atua no sentido de não conseguir evitá-lo, sendo "justamente esse fato que possibilitou ao sistema clássico de delito, que se contentava com a causalidade da ação culposa, resistir por tanto tempo às investidas finalistas".4

De modo semelhante, tal fracasso se estende à explicação da atuação do agente nos crimes omissivos, visto que aquele que se omite não dirige seu atuar dominando o curso causal, sendo-lhe reprovável o fato de não ter atuado positivamente.

Outro ponto importante a ser destacado é que o finalismo reduz o significado do injusto ao inserir o dolo e a culpa na conduta, afastando-se o tipo penal apenas com a verificação da ocorrência de tais elementos. "E quando, por acaso, a vontade do agente esteja sim dirigida à realização do resultado - o vendedor de carro vende ao odiado comprador um carro de corrida com um bom desconto, porque quer que o comprador morra -, necessitará a teoria finalista da ação de procurar, em vão, por razões concludentes para a negação do homicídio doloso".5

Nesse cenário de críticas e na busca de uma perspectiva avessa a qualquer construção metodológica pré-estabelecida, surge o Funcionalismo Teleológico de Claus Roxin, propondo ao direito penal a libertação do dogma lógico-objetivo, através da inserção de elementos da realidade e valorações do conjunto social que vão se reascender após a superação do Ontologismo Finalista de Hans Welzel.

Dessa forma, o direito penal passa a caminhar por rumos distintos, permitindo que o debate científico se aproxime de valorações que o homem faz da realidade e, que categorias do sistema penal embasem-se "em princípios reitores normativos político-criminais, que, entretanto, não contêm ainda a solução para os problemas concretos; estes princípios serão, porém, aplicados à matéria jurídica, aos dados empíricos, e com isso chegarão a conclusões diferenciadas e adequadas à realidade"6.

Em breve síntese, "o finalista pensa que a realidade é unívoca (primeiro engano), e que basta conhecê-la para resolver os problemas jurídicos (segundo engano - falácia naturalista); o funcionalista admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só pode ser resolvido através de considerações axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia e a legitimidade da atuação do Direito Penal"7.

Sob esse viés, o direito penal e as penas ganham a função - dever - de orientar o atuar estatal na persecução criminal, de modo que este não deixa de lado as influências que exerce na própria sociedade em que atua, motivo pelo qual se afirmou em tópico introdutório que o Funcionalismo Teleológico não "fecha os olhos" para a realidade social.

A nova guinada funcionalista, no que tange ao exercício do jus puniendi estatal, conduz-nos às seguintes indagações: a) Qual o objetivo do Direito Penal? b) Quais as funções da pena na sociedade em que projeta seus efeitos c) As funções da pena correspondem ao modo por meio do qual o objetivo do direito penal se mostra eficaz?

E é principalmente com a resposta dessa última indagação que não só podemos traçar um panorama - mesmo que breve - do Funcionalismo Teleológico, como também evidenciar uma nova "virada copernicana" estabelecida pelo autor, em que a estruturação de categorias basilares do Direito Penal "com base em pontos de vista político-criminais permite transformar não só postulados sócio-políticos, mas também dados empíricos e; especialmente, criminológicos, em elementos fecundos para a dogmática jurídica".

 

AS BASES DO SISTEMA FUNCIONALISTA TELEOLÓGICO DE CLAUS ROXIN

 

Em 1970, com a publicação do Kriminal Politik und strafrechtssystem (direito penal e política criminal), na Alemanha, ganha destaque a teoria Funcionalista de Claus Roxin em sua vertente teleológica. Seu ponto de partida, como dito anteriormente, é a superação do método ontológico Finalista proposto por Hans Welzel, devendo o direito penal, desvincular-se de realidades e conceitos pré-constituídos.

Pode-se dizer que para o Funcionalismo Teleológico, o direito penal deve acompanhar as valorações que o homem faz da realidade. Haveria, portanto, de se realizar a retomada do método valorativo utilizado pelos neokantistas, entretanto, completando-o com um novo conteúdo, qual seja: a relação entre direito penal e os fundamentos da política criminal.

Através dessa perspectiva, o direito penal moderno deve ter como principal característica uma estrutura teleológica, em que seja construído para o alcance de suas finalidades, as quais devem ser sempre orientadas através dos princípios oriundos da política criminal.

As consequências desse pensamento são diversas, passíveis de evidentes transformações nas categorias do direito que conhecemos. O conceito de ação, por exemplo, deixa de ter sua definição de maneira pré-existente, sendo abarcada pelo aspecto valorativo, podendo ser definida como aquilo que se produz por um ser humano como exteriorização da personalidade.

Registre-se ainda que é manifesta sua relação com a teoria da prevenção geral como fundamento das penas. Isto porque, pretende o funcionalismo em sua vertente teleolótica, através da tipificação de uma conduta, motivar um indivíduo para que aja ou abstenha-se de agir. Nesse contexto, Roxin lança mão da Imputação Objetiva, trabalhando o conceito de risco permitido e proibido. Propõe que o resultado somente pode ser imputado a um autor, se tal fato adveio de um risco não permitido, não podendo constituir mero fato do azar, excluindo-se lesões a bens jurídicos, produzidas como consequência de uma conduta antijurídica qualquer.

Quanto ao injusto, vale dizer que estaria abarcado por três funções: solução de conflitos de interesses de maneira relevantes para a punibilidade; servir como elo entre as medidas de segurança e outras consequências jurídicas e; integrar ao ordenamento os valores do direito penal.

A primeira função diz respeito ao fato do injusto apresentar o que está proibido e o permitido, dentro de um eixo social. Assim, este restaria caracterizado pela danosidade social, intolerável, marcada pelas valorações político-criminais.

Em segundo lugar o injusto seria o pressuposto de todas as medidas de segurança. Tendo em vista o conceito anterior e a intolerância à danosidade social, bem como o caráter preventivo da pena, para que ocorra a necessidade de correção por parte do Estado é necessário a periculosidade do autor.

Por último, ao reconhecer a valoração do injusto, justifica-se as causas de proteção, procedentes dos mais variados ramos do ordenamento jurídico, como, por exemplo, a política familiar e os interesses individuais que possam ter impacto coletivo.

Outro ponto importante do pensamento funcionalista é o alargamento do conceito de culpabilidade. O conceito de responsabilidade nos permite deduzir se o autor é merecedor ou não de sofrer as consequências de aplicação da pena. Assim, como pressuposto desta análise, deve-se recorrer às necessidades preventivas da punição, isso - frise-se - somado ao princípio da culpabilidade. Conforme destaca Roxin.

Assim, evidentemente que no Funcionalismo Teleológico residem maiores complexidades e, automaticamente, seu entendimento de modo pleno pressupõe a análise de outros conceitos que demandam maiores explicações, razão pela qual, torna-se impossível sua plena análise neste trabalho.

Entretanto, não remanescem dúvidas de que, em que pese a profundidade de seu pensamento, para Claus Roxin, o Direito Penal tem a função de garantir a segurança jurídica e, ao mesmo tempo, equalizar, por meio de um método teleológico, a persecução criminal, ante as respostas dos casos concretos.

Seu maior mérito reside no fato de não abandonar a aproximação com a veracidade dos acontecimentos em sociedade. Desta forma, delegou à política criminal a fundamentação e o fornecimento de orientações valorativas do direito penal, fazendo com que suas categorias e definições - anteriormente e, por muito tempo consideradas imutáveis - passem a sofrer influência da realidade social.

 

TEORIA UNIFICADORA DIALÉTICA E A APROXIMAÇÃO COM ASPECTOS VALORATIVOS DA REALIDADE SOCIAL. A RESPONSABILIDADE COMO NECESSIDADE DE CUMPRIR FINALIDADES POLÍTICAS CRIMINAIS.

 

Após a análise dos principais fundamentos do Funcionalismo Teleológico, imprescindível que respondamos as indagações feitas no início do trabalho que constituem a essência da proposta metodológica de Claus Roxin, principalmente no que respeita à função que a pena exerce na sociedade e qual sua influência para o próprio direito penal.

De início, para que se possa elucidar tal questionamento, é importante salientar que o penalista alemão propõe "uma teoria unificadora dialética, que parte da diferenciação entre o fim da pena, que se impõe na valoração de um caso concreto, e o fim do direito penal"8.

Por consequência desse raciocínio, "se o direito penal tem que servir à proteção subsidiária de bens jurídicos e, com isso, ao livre desenvolvimento do indivíduo, assim como à preservação de uma determinada ordem social que parta deste princípio, então, mediante estre propósito, somente se determina quais condutas podem ser sancionadas pelo Estado"9.

Deste modo, o direito penal deve ser modulado de forma que não entre em colapso com as finalidades atribuídas à pena, buscando, ao mesmo tempo, não deixar de lado a realidade social a que projeta seus efeitos. Nesse contexto, seria inviável a construção de um sistema rigoroso que atribua às determinadas condutas caráter ilícito se, após isso, nada fosse feito, ou ainda, se não atendesse aos fins políticos-criminais.

Por isso, Roxin defende que o fim da pena é o de tão somente prevenir delitos, baseado na função preventiva, tanto de caráter geral, como especial, conjuntamente como fins das penas, "puesto que los hechos delictivos pueden ser evitados tanto através de la influencia sobre el particular como sobre la colectividad, ambos medios se subordinan al fin ultimo al que se extienden y son igualmente legitimos10.

A pena imposta deverá alcançar tanto a finalidade preventivo especial, quanto geral, ou ainda, atender à ressocialização e, ao mesmo tempo, demonstrar seus efeitos sobre a sociedade, de maneira que motive os cidadãos a não delinquir e renuncie a qualquer tipo de retribuição. Através dessa dialética, os aspectos acertados da punição continuariam a prevalecer e suas deficiências seriam supridas através de um sistema recíproco de complementação e restrição.

Segundo Roxin, a referida dialética entre o caráter preventivo especial e geral na aplicação das medidas criminais poderia levar a um desequilíbrio no quantum das penas. A título de exemplo11, utiliza-se de um jovem que causou uma lesão com resultado morte em sua irmã, em que parece adequado tanto um castigo de três anos de privação da liberdade - prevenção geral - como também um ano de prisão com suspensão condicional - prevenção especial -.

Todavia, a solução para o problema estaria consubstanciada na necessidade de sopesar os fins de prevenção geral e de especial, colocando-os em ordem de prioridade. No presente caso, a pena mais razoável seria a de um ano de prisão com suspensão condicional, uma vez que em primeiro lugar, "la reocialización es um imperativo constitucional, que no puede ser desobedecido donde sea posible su cumplimiento"12.

À luz do exemplo utilizado pelo autor, não é de muita dificuldade perceber que sua Teoria Unificadora Dialética contribui para a preservação de garantias fundamentais do homem, principalmente quando busca extirpar qualquer tentativa de retribuição, afastando, consequentemente, a subsistência de pensamentos tendenciosos em que se propõe o livre arbítrio na aplicação de penas por parte do Estado.

E é exatamente com a renúncia a qualquer tipo de retribuição como elemento integrante das finalidades da pena que o princípio da culpabilidade passa a ocupar uma função secundária. "Isto é, o princípio de culpabilidade deixa de estar vinculado à ideia de retribuição da culpabilidade, e passa a exercer tão só o papel de limite máximo da pena aplicada ao caso concreto, no sentido de que a duração desta não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mesmo quando os fins preventivos o aconselhem13"

De todo certo é que para Roxin a legitimidade do direito de punir do Estado terminaria no momento em que as penas fugissem das finalidades políticas-criminais. Em outras palavras: quando a persecução criminal se baseia em finalidades desconexas com as necessidades políticas criminais estaria ferido de morte o próprio Funcionalismo Teleológico.

Destarte, passa-se a indagar agora quais seriam os limites do atuar estatal no que respeita à aplicação das penas e até que ponto a necessidade de se alcançar expectativas de política criminal figuraria como condicio sine qua non da sanção.

Muito embora seja de extrema dificuldade negar que o nascimento de qualquer norma penal - em um Estado democrático de direito - detenha uma certa tonicidade, mesmo que mínima, de exigências políticas-criminais, não se pode confundir o processo de criação normativo-penal com a ótica funcionalista de Claus Roxin, porquanto esta ultrapassa a mera tipificação de condutas consideradas como reprováveis.

De tal modo, "o ponto de partida indubitavelmente normativo decide, por um lado, quais estruturas da realidade têm relevância jurídica, complementando, ao mesmo tempo, que dados empíricos vão ganhando cada vez mais importância na sucessiva concretização dos pontos de partida normativos".14

E sob essa perspectiva, onde estaria consubstanciado o aspecto político-criminal autorizador da sanção penal?

Inicialmente, insurgem-se as criações normativas que vão trazer para a legislação penal por meio de orientações legislativas a ideia daquilo que se considera - a priori - como permitido ou não no âmbito das projeções do atuar humano. Ou seja, "assim é que a totalidade dos dados empíricos relevantes para a dimensão do risco de ação penetram no direito penal através da imputação objetiva''15.

Em segundo plano, passa-se da legalidade ou ilegalidade de uma conduta - por meio da imputação objetiva com relação às criações normativas - à análise da categoria daquilo que Roxin denomina responsabilidade, de modo a se decidir "em que medida se pode manter o interesse estatal de punir ações ilícitas, que pode facilmente levar a exageros, em limites condizentes com o estado de direito16.

Saliente-se que sob esse viés a punição passa estar intimamente atrelada ao cumprimento da necessidade política-criminal que "fundamenta-se, portanto, sobre a idéia de uma dupla limitação do direito estatal de punir: através da culpabilidade e das necessidades preventivas de punição. Se faltar um destes dois pressupostos, ficará excluída a punibilidade. Esta conclusão decorre da teoria dos fins da pena, segundo a qual a pena não pode ser fundamentada nem pela culpabilidade, nem por sua finalidade preventiva, tomadas separadamente, pois a pena pressupõe, para ser legítima, tanto a necessidade social (isto é, preventiva) quanto uma reprovação pessoal do agente pela existência de culpabilidade."17

Desse modo, há o alargamento do conceito de culpabilidade, em que além da existência de seus tradicionais elementos, a responsabilidad18 seria aquilo que nos permite deduzir se o autor é merecedor ou não de sofrer as consequências de aplicação da pena.

Claus Roxin socorre-se, em primeiro plano, à dialética entre o caráter preventivo geral e especial como fundamentos da pena, uma hora este como centro da questão e, em outros casos, aquele como elemento basilar, oferecendo um novo marco teórico para o Estado na aplicação das penas.

Todavia, ao defender o equilíbrio das funções preventivo especial e geral das penalidades lança mão do atendimento às finalidades políticas-criminais como superação da mera produção normativa daquilo que se tem como ilícito. Por consequência, permite o afastamento das punições para aquelas condutas que embora tenham de fato violado criações típicas não cumpram com um dos elementos da culpabilidade para a teoria Funcionalista Teleológica, qual seja: a Responsabilidad, calcada no atendimento das funções políticas-criminais da sociedade.

 

CONCLUSÃO

           

O fenômeno da criminalidade sempre se fez presente ao logo do tempo, acompanhado do pensamento humano de tentar extirpar eventos criminosos que, de alguma forma, causavam incômodos na vida dos membros da coletividade. Este foi o ambiente propício para o nascimento do embrião de uma ciência penal, explicativa e regulamentadora de punições.

Atualmente, pode-se dizer que pena e Estado são conceitos que se conjugam, de modo que "que a concepção do direito penal está intimamente relacionada com os efeitos que ele deve produzir, tanto sobre o indivíduo que é objeto da persecução estatal, como sobre a sociedade na qual atua"19.

E frente a tentativa de, ao mesmo tempo, regulamentar um direito penal capaz de dar conta de novas configurações criminosas, sem deixar de lado o respeito às garantias fundamentais conquistadas ao longo de anos, surge a proposta de Claus Roxin e seu sistema Funcionalista Teleológico, que tem como maior mérito justamente por em planos igualitários as funções do direito penal, das penas e os resultados na sociedade em que projetam seus efeitos.

Desse modo, "a discussão em torno da estrutura sistemática correta no direito penal não é, como por vezes é mencionado, um estéril jogo conceitual, mas sim um trabalho sobre os fundamentos do direito penal"20, que com Roxin se afastam de conceitos pré-estabelecidos desvinculados da realidade social.

Indagações referentes às funções do direito penal, das penas e a eficácia da aplicação da sanção passam a ser fundamentadas sob a ótica do limite da intervenção do Estado, qual seja: quando a proteção de bens jurídicos tidos como essenciais não possa ser alcançada por meio de outras medidas sociopolíticas menos gravosas, enaltecendo seu caráter subsidiário.

Assim, a "concepção de sistema fundada político-criminalmente baseia-se na consideração e que o injusto é definido a partir do fim do direito penal (proteção subsidiária de bens jurídicos), mas que a categoria sistemática posterior ao injusto apenas se define a partir do fim da pena a ser aplicada concretamente. Esse fim é a prevenção limitada pela culpabilidade."21

As finalidades políticas-criminais em toda construção sistemática do Funcionalismo Teleológico de Roxin ficam nítidas, principalmente quando da análise da responsabilidade como elemento integrante da culpabilidade. Assim, "a possibilidade de punição que se abre após a realização do injusto pelo autor é limitada duplamente: por meio da culpabilidade e de sua extensão de um lado e por meio da exigência de necessidade preventiva de punição por outro"22. 

E mais: quanto à necessidade de pena denota-se esta não se resume à conveniência ou não de imposição da sanção, mas na proposta de um sistema jurídico que desde o momento da criação de orientações normativas, esteja voltado ao atendimento das finalidades políticas criminais (a priori). Da mesma maneira, caso mesmo assim o autor venha a incidir no tipo legal a qual se comina uma pena, sua imposição estará condicionada também ao atendimento das finalidades política-criminais do próprio sistema que, por essa razão, torna-se amplamente funcional (a posteriori).

Diferentemente, Jakobs propõe um sistema totalmente fechado para a realidade social. Parte do princípio de que a pena serve para afirmar ao infrator que sua conduta não impede a manutenção da norma, devendo ser aplicada como forma de emitir uma mensagem à população na tentativa de amenizar o sentimento de descrédito do sistema em razão da deturpação das próprias normas, distinguindo-se sobremaneira da tentativa de Roxin em aproximar-se de elementos valorativos da própria sociedade.

Portanto, com a superação do Ontologismo, através de um sistema aberto, Claus Roxin intenta uma melhor regulação dos fatos da realidade, evitando respostas automáticas e baseadas em conceitos imutáveis e pré-construídos. Retira qualquer possibilidade do direito penal servir como instrumento para consecução de objetivos diversos, restando evidente que a dogmática jurídico-penal, com tal metodologia, cumpre efetivamente um de seus papeis: acompanhar a evolução da sociedade e os elementos que nela se fazem presentes.

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1 Ferré Olivé, Juan Carlos; Roxin, Claus. Direito penal brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011. p. 141.

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19º ed.  São Paulo: Saraiva, 2013. pg. 119. Apud. SCHMIDT, Andrei Zenkner. O método do Direito Penal: perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 60.

3 WELZEL, Hans. Teoria de la Acción. Tradução: BALESTRA, Carlos Fontán. FRIKER, Eduardo. Buenos Aires, Editorial Delpalme, 1951. p.21.

4 ROXIN, Claus. Novos estudos de direito penal. Organização: Alaor Leite. Tradução Luís Greco. 1ª ed. São Paulo, Marcial Pons, 2014. p. 103.

5 ROXIN, Claus. Op. Cit. p. 103.

6 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução. Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. Rio de Janeiro. Renovar. p. 61.

7 Greco, Luís, artigo intitulado "Introdução à dogmática funcionalista do delito", p. 7. ROXIN, Claus. Op. Cit. p. 77.

8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19º ed.  São Paulo: Saraiva, 2013. pg. 157.

9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit. p. 157. Apud. ROXIN, Claus. Sentido y limites, cit., p. 26.

10 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. 2ª Ed. Tradução: Diego-Manuel Luzon Peña et. al. Madrid: Editorial Civitas, 1997. p. 95.

11"Un conflicto entre prevencion general y especial se produce solamente ali donde ambos fines perseguidos exigen diferentes cuantias de pena. Asi, en um caso concreto (p.ej. cuando un joven ha causado una lesion con resultado de muerte en una rina), puede parecer adecuado un  astigo de tres anos de privacion de libertad sobre la base de la prevencion general y en  plicacion dei § 226 II, mientras que las exigencias de prevencion especial solo permiten un ano con remision condicional porque una pena mas grave desocializaria al autor y cabria esperar un tropiezo en futura criminalidad. Cualquiera de ambas posibles soluciones obtiene, pues, un beneficio preventivo, por uma parte, a cambio de un perjuicio preventivo, por otra. En un caso asi es necessário sopesar los fines de prevencion especial y general y ponerlos en un orden de prelacion parte, a cambio de un perjuicio preventivo, por otra. En un caso asi es necessário sopesar los fines de prevencion especial y general y ponerlos en un orden de prelacion". ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. p. 96.

12 ROXIN, Claus. Op. Cit. p. 96.

13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19º ed.  São Paulo: Saraiva, 2013. pg. 158.

14 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução. Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. Rio de Janeiro. Renovar. p. 61. Apud. Schünemann, Roxin-Festschrift, 2001, p. 30

15 ROXIN, Claus. Op. Cit. p. 72.

16 Op. Cit.

17 Op. Cit. p. 74.

18 El presupuesto más importante de la responsabilidad es, como es sabido, la culpabilidad del sujeto. Pero ésta no es el único presupuesto, sino que debe añadirse además una necesidad preventiva de punición. Así p. ej., em el denominado estado de necesidad disculpante el autor no sólo actúa anntijurídicamente, sino que también puede actuar de outro modo y se comporta por ello culpablemente. Si no concurre un supuesto excepcional así, la impunidad no se fundamenta por tanto em la falta de culpabilidad, sino que se debe a que em tales situaciones extremas el legislador no considera que haya una necesidad de pena ni preventivoespecial ni general, com  que por essa razón queda excluida la responsabilidad penal. Lo mismo sucedo em el exceso em la legítima defensa y em outras constelaciones que aún habrá que discutir." ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. p. 96.222

19 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19º ed.  São Paulo: Saraiva, 2013. pg. 131.

20 ROXIN, Claus. Novos estudos de direito penal. Organização: Alaor Leite. Tradução Luís Greco. 1ª ed. São Paulo, Marcial Pons, 2014. p. 109.

21 ROXIN, Claus. Novos estudos de direito penal. Organização: Alaor Leite. Tradução Luís Greco. 1ª ed. São Paulo, Marcial Pons, 2014. p. 113.

22 Op. Cit. p. 115.

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REFERÊNCIAS

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19º ed.  São Paulo: Saraiva, 2013.

 

DURKHEIM, E.; As regras do Método Sociológico. São Paulo, Editora Nacional, 1987.

 

FERRÉ OLIVÉ, Juan Carlos; ROXIN, Claus. Direito penal brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011.

 

Greco, Luís, artigo intitulado "Introdução à dogmática funcionalista do delito".

 

HASSEMER, Winfried; MUNÕZ CONDE, Francisco. Introduccion a la Criminologia y al Derecho Penal. Valencia, 1989.

 

JAKOBS, Günther. A Imputação Objetiva no Direito Penal. Tradução. André Luis Callegari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

 

JAKOBS, Günther. Sobre a Normativizacion de la Dogmatica Juridico Penal. Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoó Sanchez. Madrid: Civitas 2003.

 

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo, Saraiva, 2014.

 

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Tradução: Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. v. 1.

 

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 11º. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

 

ROXIN, Claus. Novos Estudos de Direito Penal. Organização: Alaor Leite. Tradução Luís Greco. 1ª ed. São Paulo, Marcial Pons, 2014.

 

ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução. Luís Greco e Fernando Gama de Miranda Netto. Rio de Janeiro. Renovar. p. 61. Apud. Schünemann, Roxin-Festschrift, 2001.

 

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. 2ª Ed. Tradução: Diego-Manuel Luzon Peña et. al. Madrid: Editorial Civitas, 1997.

 

WELZEL, Hans. Teoria de la Acción. Tradução: BALESTRA, Carlos Fontán. FRIKER, Eduardo. Buenos Aires, Editorial Delpalme, 1951.

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*Lucas Andrey Battini é advogado criminalista, pós graduado em direito penal e processo penal pela Universidade Estadual de Londrina; Pós graduando em direito penal econômico e processo penal pela Pontifícia Universidade Católica de Londrina.

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