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Pagamento de dívida de parcelamento ocorrido antes da mudança do entendimento do STJ deve extinguir punibilidade para furto de energia

Lucas Andrey Battini e Guilherme Maistro Tenório Aráujo

É preciso que se dê atenção especial a casos específicos, ainda que se concorde com o entendimento posterior do STJ no que concerne à não aplicação analógica em casos de furto de energia, sobretudo porque nas referidas situações é provável que a própria Justiça Criminal pode ter concedido a possibilidade de quitação do débito como condição da extinção da punibilidade.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Atualizado às 09:34

Tema que ainda gera maiores discussões no âmbito do Direito Penal é a possibilidade de aplicação, por analogia, da leis 9.249/95 e 10.684/03, no que tange à extinção da punibilidade - na hipótese do adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia - ao crime de furto de energia elétrica, previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal, ou ainda à suspensão da persecução penal em caso de composição com a concessionária de energia elétrica, sobretudo porque era aceita desde 2012 e teve seu rumo alterado neste ano de 2019.

Partindo desta premissa, vislumbra-se que tal argumento era plenamente consoante com o entendimento dos Tribunais Superiores, porquanto "(...), embora o valor estipulado como contraprestação de serviços públicos essenciais - como a energia elétrica e a água, por exemplo - não seja tributo, possui ele a natureza jurídica de preço público, já que cobrado por concessionárias de serviços públicos, as quais se assemelham aos próprios entes públicos concedentes. (...) (HC 252.802/SE, rel. ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 3/10/13, DJe 17/10/13).

E mais: o referido entendimento também se fez presente no julgamento do agravo em recurso especial 796.250, oportunidade em que o ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça, salientou que eventual tese de afastamento da aplicação analógica da legislação que rege os crimes tributários para o delito de furto de energia estaria em "discordância com o entendimento firmado nesta Corte".

Vale dizer que, no ano de 2018, ministro Sebastião Reis Júnior concedeu liminar no HC 445.886/PR suspendendo um inquérito policial, admitindo que aplicação da lei 10.684/03 era o entendimento consolidado no âmbito do STJ, o writ foi impetrado pelos subscritores do presente e noticiado no CONJUR1.

Ocorre que, no dia 13 de março de 2019, a terceira seção do STJ, no julgamento do RHC 101299/RS, decidiu que "Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que os dispostos no artigo 34 da lei 9.249/95 e no artigo 9º da lei 10.684/03 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos."

Portanto, o entendimento que era consolidado na Corte Superior, desde 20122, foi alterado, inclusive, sendo aplicado nos casos já em andamento, como no já citado HC 445.886/PR, ocasião em que o ministro Sebastião Reis Junior cassou a liminar e denegou a ordem de habeas corpus, mesmo diante da quitação integral do débito pelos pacientes do writ.

Todavia, muito embora a mudança repentina de entendimento do STJ, o que por si só, não demandaria mais discussões, ante a possibilidade de retroatividade de entendimento consolidado posteriormente, ainda que mais gravoso, existem razões que transcendem a mera discussão sobre a aplicabilidade, unilateral, do entendimento firmado.

Diga-se transcendem pois ainda que se concorde com o posicionamento exarado pelo STJ, como ficaria a situação em casos que a extinção da punibilidade já havia operado com o pagamento da última parcela - em momento anterior à mudança de entendimento - em que pese não tenha sido somente declara?

Pode-se cogitar que, em tais casos, há manifesta criação de uma expectativa, sobretudo naqueles em que a defesa teve que se socorrer às instâncias superiores buscando a suspensão do inquérito em razão do parcelamento da dívida, oportunidade na qual se esperava, com o parcelamento regular, que a quitação da última parcela da dívida com a concessionária de energia alcançasse a extinção da punibilidade.

Imagine que a defesa tenha se socorrido ao STJ, através de habeas corpus, momento no qual concedeu-se a liminar para suspender o inquérito policial que apurava eventual furto de energia, por meio da utilização, à época, de entendimento pacífico na Corte e, após a quitação integral do débito, sobreveio entendimento diverso, ou seja: uma situação deveras tormentosa e que não encontra resolução, até o momento, no Direito Penal.

Veja-se que não se discute, de forma alguma, a irretroatividade de entendimento posterior que não é benéfico àquele que havia parcelado a dívida buscando a extinção de sua punibilidade. O que se questiona é a possibilidade de prevalência do entendimento anterior nos casos em que a extinção da punibilidade apenas não foi declarada, todavia, operou com a quitação integral antes da aplicação do novo entendimento ao caso concreto.

É válido o exemplo da situação que ocorre com o Sursis processual, em que o STJ, em inúmera decisões, já assinalou que a possibilidade de revogação da benesse, após o período de prova, só pode ocorrer por fatos atinentes ao próprio período3, em semelhança ao que ocorre nos casos em discussão, em que o entendimento emanado posteriormente à quitação integral da obrigação está superando a extinção da punibilidade que só não havia sido declarada.

É preciso dizer que a falta de declaração anterior da extinção da punibilidade ante a quitação integral daquele que atuou diligentemente e cumpriu com a íntegra do parcelamento não tem o condão de fazer "ressucitar" a persecução estatal daquilo que já havia operado e, somente, não foi declarado.

Isto porque, novamente, no caso da suspensão condicional do processo, já decidiu o STJ que a natureza da decisão que revoga o benefício é meramente declaratória, oportunidade em que se considera automaticamente operada a extinção da punibilidade quando do cumprimento das condições durante o período de prova4.

Ou seja: "expirado o período de prova sem que tenha havido a revogação da suspensão condicional da pena, considera-se extinta a sansão privativa de liberdade aplicada (art. 82, CP). A extinção opera-se de pleno direito, independentemente de expressa declaração judicial"5.

Em HC 403.406-DF, que trata de tema semelhante - natureza jurídica da decisão de extinção da punibilidade -, decidiu o ministro Felix Fischer do STJ que "A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a decisão concessiva do indulto ou da comutação de penas possui natureza meramente declaratória, devendo seus efeitos retroagir à data de publicação do decreto presidencial."

Partindo desta premissa, é preciso que se dê atenção especial a casos específicos, ainda que se concorde com o entendimento posterior do STJ no que concerne à não aplicação analógica em casos de furto de energia, sobretudo porque nas referidas situações é provável que a própria Justiça Criminal pode ter concedido a possibilidade de quitação do débito como condição da extinção da punibilidade.

Em tais circunstâncias, torna-se, por consequência, imprescindível - após efetuação da última parcela - a declaração da extinção da punibilidade a fim de igualar a aplicação da lei penal, em respeito à ao princípio da isonomia, principalmente porque a situação ensejadora do parcelamento e, principalmente, o pagamento ocorreu antes da adoção da novo entendimento pela Corte e, nos casos em que socorreu-se aos Tribunais Superiores mediante a impetração de habeas corpus, antes da cassação das liminares.

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1 "Pagamento de dívida extingue punibilidade de furto de energia, decide STJ."

2 HC 199.959/RJ, rel. ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/4/12, DJe 24/4/12 e HC 159.609/RS, rel. ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14/2/12, DJe 28/2/12.

3 DIREITO PROCESSUAL PENAL. REVOGAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL APÓS O PERÍODO DE PROVA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/08-STJ). TEMA 920. Se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício poderá ser revogado, mesmo se já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência. A letra do § 4º do art. 89 da lei 9.099/95 é esta: "A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta". Dessa forma, se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício deverá ser revogado, mesmo que já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.366.930-MG, Quinta Turma, DJe 18/2/15; AgRg no REsp 1.476.780-RJ, Sexta Turma, DJe 6/2/15; e AgRg no REsp 1.433.114-MG, Sexta Turma, DJe 25/5/15. REsp 1.498.034-RS, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 25/11/15, DJe 2/12/15.

4 HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO APÓS O ESCOAMENTO DO PERÍODO DE PROVA, QUANDO COMPROVADO O DESCUMPRIMENTO DE UMA DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS DURANTE O CURSO DO BENEFÍCIO. DECISÃO REVOGATÓRIA QUE É MERAMENTE DECLARATÓRIA. PRECEDENTES DO STJ. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NÃO CONFIGURADA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. É pacífico o entendimento desta Corte sobre a possibilidade de o Magistrado negar a extinção da punibilidade, após passado o período de prova, quando verificado o descumprimento de qualquer condição imposta pelo Juízo ao conceder a suspensão condicional do processo, já que a decisão revogatória do sursis é meramente declaratória. 2. Assim, escorreito o acórdão recorrido ao cassar a decisão de primeiro grau, que extinguiu a punibilidade da infração pelo simples escoamento do período de prova sem avaliar o efetivo cumprimento das condições impostas no sursis. 3. Parecer do MPF pela denegação da ordem 4. Ordem denegada. STJ DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO Edição 282 - Brasília, sexta-feira, 19 de dezembro de 2008. (STJ - HC: 105333, relator: NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 19/12/08).

5 Prado. Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 11ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 750.

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*Lucas Andrey Battini é pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina; pós-graduando em Direito Penal Econômico e Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de Londrina; advogado criminalista.

*Guilherme Maistro Tenório Aráujo é pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina; pós graduando em Direito Penal Econômico e Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de Londrina; advogado criminalista.

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