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Advogados e médicos colaboram para mudança regulatória da Cannabis Medicinal

Carolina Nocetti

Mais de 1200 médicos prescritores e dezenas de advogados tem colaborado para trazer uma melhor qualidade de vida para os brasileiros que não tem suas necessidades terapêuticas atendidas por meio dos tratamentos convencionais ou condições financeiras para custear importação do produto.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Atualizado em 4 de dezembro de 2019 09:41

tApesar da regulamentação restrita, o acesso à cannabis medicinal ja é uma realidade no Brasil desde 2015, quando a Anvisa, por meio da RDC 17/15, iniciou o processo de importação excepcional para pacientes com doenças crônicas refratarias aos medicamentos convencionais.

A primeira barreira é encontrar um médico prescritor que tenha experiência no manejo terapêutico do paciente, ja que o assunto não é ensinado nas universidades brasileiras, com exceção da UFPB, que disponibiliza curso extra-curricular para os cursos de medicina, biomedicine e farmácia.

Outro entrave é o produto em si, pois cepas (tipos de planta) ricas em THC são difíceis de serem encontradas, outro desafio é o alto custo mensal.

Uma das soluções encontradas, além da importação autorizada pela Anvisa, é uma colaboração entre médicos e advogados, que culminou no 50º habeas corpus preventivo para pacientes cultivarem a planta de forma doméstica.

Os médicos se encarregam de avaliar o paciente e identificar se há indicação para o uso terapêutico da planta e os advogados lideram a obtenção do produto por diferentes vias. Uma delas é o habeas corpus preventivo que possibilita cultivo doméstico e uso do óleo extraído da planta. Outra forma de acesso se dá por meio de judicilização, onde o paciente obtém o produto por meio de subsidies da secretaria de saúde ou plano de saúde. Estima-se que cerca de 10% dos pacientes brasileiros tenham acesso a cannabis medicinal por meio do processo de judilialização, liderado por um grupo com forte atuação em advocacia relacionada a Cannabis Medicinal.

A segurança no uso de canabinoides e seu já consagrado uso milenar são temas frequentes de pesquisas acadêmicas que demonstram eficácia considerável em diferentes indicações clínicas e segurança no uso de cepas (tipos) de Cannabis. No Brasil, a maioria das importações de cannabis medicinal são para uso em doenças crônicas ou de difícil controle, como autismo, epilepsia refrataria, doença de Alzheimer, doença de Parkinson, dor crônica e sintomas decorrente do uso de quimioterápicos.

A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), em João Pessoa/PB, é a única entidade do país a cultivar cannabis para fins medicinais. A Justiça Federal na Paraíba autorizou o cultivo e a manipulação da planta por meio de uma liminar até a obtenção da resposta definitiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A decisão foi da juíza federal da 2ª Vara, Wanessa Figueiredo dos Santos Lima. A juíza menciona que pais de crianças que já experimentaram bons resultados com o tratamento passaram a impetrar habeas corpus para obter salvo conduto a fim de cultivar a planta cannabis em suas próprias residências. Na análise do pedido, a juíza afirmou que tanto a autora ABRACE quanto a ANVISA e UNIÃO, reconhecem a permissão, na lei brasileira, do cultivo e da manipulação de plantas para fins exclusivamente medicinais e científicos.

A Anvisa contra-argumentou que não há regulamentação para que seja concedida a autorização. A magistrada compreendeu que a alegação de falta de regulamentação da lei não permite afastar o exercício do direito por aqueles que necessitam dos produtos em questão para preservar sua saúde e que essa previsão decorre do direito à saúde e da garantia da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente assegurados.

O Senado e Câmara dos Deputados tomaram nota deste movimento, e deram o primeiro passo para regulamentar o cultivo, produção e distribuição de produtos terapêuticos derivados da Cannabis. O assunto está sendo discutido no Senado Federal por meio da SUG 6/16 (SUGESTÃO 6 de 2016) que propõe um padrão regulamentar abrangente para a cannabis medicinal e o cânhamo industrial no Brasil. O Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o gabinete da senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP), realizou pesquisa de opinião de 14 a 27 de junho para ouvir os brasileiros sobre a legalização do uso medicinal da cannabis. Foram entrevistados 2.400 cidadãos de todas as unidades da Federação em junho de 2019. A pesquisa constatou que 79% dos brasileiros são a favor de que medicamentos a base de cannabis sejam distribuídos pelo SUS e que 9% dos brasileiros conhecem pelo menos uma pessoa que usa Cannabis Medicinal.

Na Camara dos Deputados, há duas ações acontecendo de forma ativa, em paralelo. Uma é a comissão especial que analisa o projeto de lei que permite a comercialização de medicamentos baseados em cannabis sativa (PL 399/15). A proposta altera a política nacional antidrogas (Lei 11.343/06) e permite a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação. A segunda ação, de forma inédita, é liderada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e  Desenvolvimento Rural, que seguindo os termos do art. 255 do Regimento interno da Camara dos Deputados, irão realizar no dia 20 de novembro audiência pública para discutir a proposta para liberação do plantio da Cannabis para fins medicinais.

O cultivo e manufatura de produtos terapêuticos no Brasil pode ajudar pelo menos 10 milhões de pacientes que sofrem com doenças refratarias. Mais de 1200 médicos prescritores e dezenas de advogados tem colaborado para trazer uma melhor qualidade de vida para os brasileiros que não tem suas necessidades terapêuticas atendidas por meio dos tratamentos convencionais ou condições financeiras para custear a importação do produto. É por causa destes profissionais e da determinação dos pacientes que vemos possibilidades claras de mudança regulatória. O Brasil foi o último país da America Latina a ter universidade e a libertar os escravos, aparentemente os políticos estão tomando as medidas cabíveis para não verem a história se repetir. 

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*Carolina Nocetti é médica consultora especializada em Cannabis.

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