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A segurança jurídica e sua natureza de sobreprincípio

No presente artigo, faremos uma análise desse princípio que sem nenhuma hesitação é um dos mais importantes do nosso ordenamento.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Atualizado às 11:03

Preâmbulo

O princípio da segurança jurídica não é passível de apenas uma conceituação, no entanto, seguindo as lições do professor Humberto Ávila, consideramos haver segurança jurídica quando o ordenamento jurídico for: compreensível, estável e previsível.

1. Introdução

Certamente um dos temas mais conhecidos do Direito, mesmo por quem não é jurista, e que parece sempre estar na moda - em razão da imensa confusão das normas que aqui vigoram -, a Segurança Jurídica é analisada a fundo por poucos estudiosos do Direito, o que leva a um entendimento equivocado de que é um assunto simples de ser tratado. Tentaremos demonstrar, com todo o respeito, tal equívoco.

No presente artigo, faremos uma análise desse princípio que sem nenhuma hesitação é um dos mais importantes do nosso ordenamento - para alguns doutrinadores o mais importante -, adotando três dimensões a serem detalhadas: o Direito no presente (compreensível); o Direito na transição do passado para o presente (estável); o Direito na transição do presente para o futuro (previsível).

2. A segurança jurídica, como sobreprincípio

Quando Humberto Ávila consigna em sua obra que o princípio da Segurança Jurídica se revela como um sobreprincípio, tem o claro objetivo de demonstrar a importância deste para as demais normas jurídicas. Não por acaso, muito em razão da perspicácia daquele autor, a Segurança Jurídica é conhecida como a "norma das normas", haja vista servir como fundamento para a validade das demais, além de instrumentalizar sua aplicação.

A famosa metáfora da balança, que faz alusão ao sopesamento dos princípios, bem ilustra o que pretendemos explicar: os princípios, por serem normas abstratas, que estabelecem um estado de coisas a ser alcançado, porém sem indicar os meios necessários para tanto, devem ser sopesados mediante as circunstâncias do caso concreto, de modo que em determinadas situações haverá maior peso de um, e noutras, de outro.

O princípio da segurança jurídica não se submete a esse sopesamento, pelos motivos já expostos. E concluindo a metáfora utilizada acima, ele jamais poderá ser os pratos da balança. Deverá ser a própria balança, senão o próprio material dessa balança.

Ocorre que, no Brasil as normas são obscuras. E as razões disso são inúmeras, dentre as quais destacamos a incapacidade do legislador em elaborar textos normativos claros, dos quais resultarão nas normas, pois se utiliza de expressões amplamente vagas e, não raramente, contraditórias. Para piorar, o ceticismo interpretativo por parte dos aplicadores (teoria cética da interpretação) viola gravemente a Segurança Jurídica.

No nosso país, as palavras possuem os significados que o intérprete bem deseja, desprezando-se a sua determinação. Não desconhecemos que as palavras possam ser vagas e ambíguas, porém estamos seguros em afirmar que elas são no mínimo determináveis.

Nossa sugestão, na mesma linha de raciocínio com a de muitos juristas, é a de um retorno à determinabilidade das palavras. A linguagem é a melhor forma de construir e manter comunicação entre os cidadãos. E também entre esses e o Estado. Ao utilizar determinada palavra na lei, o legislador automaticamente está incorporando o significado adotado no momento anterior da edição da referida lei. O legislador não cria palavras, tampouco constrói significados a seu bel-prazer. E o papel dos juristas é justamente respeitar a utilização dessas palavras, nem mais, nem menos.

3. Teoria da segurança jurídica

Conforme mencionado no início do texto, para o Direito ser seguro deve ser compreensível, estável e previsível. Falemos um pouco melhor desses três ideais.

Na obra cujo nome intitula este capítulo, Ávila sustenta que numa perspectiva do presente, o Direito, para ser compreensível, deve ter uma mínima clareza e determinação. O contribuinte, para seguir a norma, cujos efeitos serão irradiados independentemente do seu conhecimento, bastando a prática da hipótese de incidência prevista na lei (fato gerador), deve possuir condições mínimas de interpretar o texto normativo, para que não se torne a relação jurídica tributária numa espécie de forte (Estado) contra o fraco (contribuinte). Para alcançar essa clareza e determinação, o legislador deve escolher as palavras corretas na edição dos enunciados normativos.

Na dimensão da transição do passado para o presente, o Direito deve ser estável, de tal modo que o contribuinte que adotou condutas no passado, confiando no ordenamento, não tenha sua confiança traída com a criação de novas leis que não existiam à época da prática de seus atos. O contribuinte somente pode agir, por mais óbvio que isso seja, com base no Direito. E aqui, não podemos esquecer as lições de Bobbio, quando diz que o Direito é um instrumento para a realização do bem comum, através da previsão de regras de condutas. Ou seja, o contribuinte não pode jamais ser traído pela sua única fonte de confiança.

Por último, na análise da transição do Direito do presente para o futuro, as normas devem ser minimamente calculáveis, previsíveis. Significa que o contribuinte deve ter capacidade de prever, relativamente, os efeitos futuros dos seus atos, possibilitando-o a escolher quais atitudes tomar, com responsabilidade. Essa previsão somente se torna possível se o Direito futuro se situar em um campo reduzido de novas possibilidades. Mais uma vez destacamos que não estamos discordando da necessidade de mudança e interpretação das normas, mas tão somente a entrega de instrumentos mínimos para tornar viável essa calculabilidade.

Nesse sentido, o economista americano Frank Knight elaborou uma distinção entre risco e incerteza, afirmando que o risco tem inúmeras dimensões, caracterizando-se pela possibilidade de ser estimado e calculado, com uma mínima orientação de certeza, ao passo que a incerteza é a total impossibilidade de estimativa e cálculo. O Judiciário contribui enormemente para esse cenário desastroso, o que passamos a demonstrar.

4. Ativismo judicial e a aplicação do princípio da segurança jurídica

O sobreprincípio da Segurança Jurídica pode ser fundamentado em princípios formais e disso não existem dúvidas. Todavia, os aspectos materiais, principalmente oriundos dos direitos fundamentais, também são suportes para a aplicação deste princípio, de modo que não apenas a conduta do Estado deve ser observada, mas principalmente a dos contribuintes, que fizeram investimentos, contrataram funcionários, mudaram de domicílio, sob a crença de que teriam suas condutas respeitadas pelo Poder Público.

E aqui entra o Poder Judiciário. O seu protagonismo tem data de nascimento, especificamente em 5 de outubro de 1988 - promulgação da Constituição Federal vigente.

A Carta da República de 1988 incorporou temas que eram tratados pela legislação ordinária, o que ampliou o papel do Supremo Tribunal Federal. Tal exercício, porém, cria uma linha de tensão entre a separação dos poderes e o almejado equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Diante do desempenho ruim do Legislativo na edição das normas, o Judiciário se vê obrigado a declarar a inconstitucionalidade dessas, gerando enorme desconfiança nos jurisdicionados. A grande questão (problema, aqui no Brasil) é que as decisões judiciais proferidas pelos tribunais superiores, em muitos casos, produzem efeitos erga omnes, e a frequência com que a jurisprudência é alterada é algo não visto nos países desenvolvidos.

O Direito Tributário jamais poderia ser exercido pelo Poder Judiciário. A Constituição outorga poderes aos Entes Federados para instituírem tributos através de lei, matéria reservada ao Legislativo. Sem contar o papel desempenhado pelos princípios constitucionais, que dispensam regulamentação pela legislação infraconstitucional por sua eficácia imediata, não existindo brechas, então, para o ativismo judicial.

Por outro lado, quando o Supremo Tribunal Federal modula os efeitos, com base na "segurança jurídica ou excepcional interesse social", o faz sempre prevendo as eventuais consequências que suas decisões terão. Em que pese as aplaudíveis intenções, a Corte Superior esquece o primordial: a segurança jurídica ora citada é uma garantia dos contribuintes, fincada na não surpresa, com a finalidade de que eles não sejam surpreendidos por uma mudança jurisprudencial. O Estado jamais pode sustentar que foi surpreendido pela nova decisão, haja vista ser ele, o próprio Estado, o detentor do poder para criação das normas, lembrando que na relação tributária o Estado possui tripla atuação, criando a norma, aplicando-a e julgando os conflitos que eventualmente surjam a partir dessa aplicação ("lides tributárias", como leciona James Marins).

Sendo assim, quando as leis editadas pelo Legislativo deixam de ser a principal fonte de confiança dos cidadãos, por saberem que a norma poderá ter outro sentido quando da interpretação do Judiciário, a Segurança Jurídica se abala sobremaneira.

5. Conclusão

A solução aqui proposta, já enunciada no decorrer do texto, de retornarmos à determinação das palavras, sem extensão, nem redução, poderia parecer algo singelo, mas se tratando de um país em que alguns dizem que nem o passado é certo, a adoção dessa medida é tão complicada quanto necessária.

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*Vinicius Cunha é presidente da Comissão de Direito Tributário da Associação Brasileira dos Advogados/RJ, LL.M em Direito Tributário na FGV (em curso). Pós-graduado em Direito Tributário pela UCAM. Sócio do escritório Vinicius Cunha Advocacia.

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