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O segredo profissional

Hipócrates, considerado o pai da medicina, 460 a. C., já ensinava a respeito da necessidade de mantença do segredo médico

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Atualizado às 14:06

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...Penetrando no interior das Famílias, meus olhos serão cegos e minha língua calará os segredos que me forem confiados...

Hipócrates, 460 a.C.

Aos profissionais de saúde, independentemente da especialidade, é comum que lhes sejam confiadas informações de foto íntimo, por vezes, segredos dentre os quais talvez sequer a amizade mais próxima o confiaria.

Naquele momento de fragilidade e adoecimento o paciente depõe ao profissional de saúde não só as informações de seu adoecimento, mas também a nudez de seu corpo e principalmente a sua intimidade, suas frustrações, angústias, medos, segredos, vitórias e derrotas, em seus altos e baixos que compõem o seu cotidiano, em especial os momentos mais marcantes de sua família, do trabalho, da vida financeira, dentre outros.

O segredo profissional, confiado ao exercício da medicina, por exemplo, é feito quando certo o paciente está de que nenhuma daquelas informações o serão utilizadas contra si mesmo; mas ao contrário, lhe serão úteis ao seu convalescimento. No mesmo sentido ocorre com outras profissões, tais como os da psicologia, serviço social, enfermagem, fonoaudiologia etc.

Em regra, é o prontuário do paciente o fiel depositário desses segredos!

O Manual de Orientação Ética e Disciplinar, do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina, define o prontuário médico como "o conjunto de documentos padronizados e ordenados, onde devem ser registrados todos os cuidados profissionais prestados aos pacientes e que atesta o atendimento médico a uma pessoa numa instituição de assistência médica ou num consultório médico. É também o documento repositário do segredo médico do paciente1"(grifo meu).

Hipócrates, considerado o pai da medicina, 460 a. C., já ensinava a respeito da necessidade de mantença do segredo médico, conforme se depura da frase em epígrafe deste texto.

Sob a ética, o que está em jogo é a manutenção da confiança na relação do profissional e paciente, conforme muito bem dispõem os arts. 11 e 76 do Código de Ética Médica, bem como aos ditames da resolução CFM 999/80, transcritas ao final.

Sob a ótica jurídica, fala-se, na verdade, no direito à inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, conforme provimento do art. 5º, inc. X, de nossa Carta Magna.

Constituição Federal de 1988

Art. 5º (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O sigilo profissional é ainda protegido por legislações infraconstitucionais esparsas. Veja o quadro demonstrativo abaixo, bem como a transcrição desses dispositivos, ao final:

Previsão Legal

Direito Constitucional

CF/88

Art. 5º, inc. X

 

Direito Penal

Código Penal

Arts. 154 e 269

 

 

Cód. Processo Penal

Art. 207

 

 

Lei das Contravenções Penais

Art. 66, inc. II

 

Direito Civil

 

Cód. Processo Civil

Art. 388, inc. II,
Art. 404, inc.
IV,
Art. 448, inc. II

 

Direito do Trabalho

CLT

Art. 169

 

 

Lei 9.434/97

Art. 13

Essas informações, sob a proteção do segredo profissional, vêm sendo cada vez mais cobiçadas, seja por juristas ou mesmo por órgãos de controle e investigação, inclusive policial. Antenados requisitam o acesso às anotações, classificadas como sigilosas pelos conselhos de classe, com vistas ao subsídio de suas teses, nas mais diversas áreas do direito, como o direito de família, administrativo, cível, criminal, consumidor e outros.

Não é incomum, por exemplo, em vara de família, órfãos e sucessões que uma das partes busque valer-se das informações afetas ao adoecimento por transtorno de ordem mental e comportamental, da outra parte em litígios pela guarda e tutela de menor, v.g. Em outros termos, significaria comprovar que o reiterado histórico de adoecimento de determinada pessoa a impossibilitaria, por exemplo, do cuidado à terceira pessoa, como o menor absolutamente incapaz. Ou mesmo de provar, ou excluir, no âmbito criminal ou administrativo disciplinar eventual excludente de ilicitude ou de responsabilidade em relação a determinado ato capitulado em legislação penal ou ético-disciplinar.

Mas já pensou se o paciente deixasse de confiar ao profissional de saúde, informações essenciais as causas de seu adoecimento, por receio de que essas informações algum dia possam ser utilizadas contra si mesmo?

O segredo profissional também é confiado a outras "profissões", tais como as religiosas, como na confissão feita ao padre e ao aconselhamento do pastor. Portanto, o grau de confidencialidade dado ao profissional de saúde, também é afeto a outros profissionais que, pela natureza das atividades que exerce, detêm a obrigação de resguardar o confidente, zelando pelo direito à inviolabilidade da intimidade, ainda que não regulado por conselho de classe, mas sob a proteção do ordenamento jurídico pátrio, em alhures.

Fato é que a desconfiança na relação entre médico e paciente ensejaria, oportunamente, a possibilidade de que informações imprescindíveis pudessem ser ocultadas e ainda falsamente declaradas pelo paciente a ponto de isso poder vir a comprometer o tratamento a ser empregado, ou mesmo à fé e os dogmas dos religiosos.

Mas há de se convir que por terem de registrar absolutamente tudo relacionado ao atendimento prestado, é o profissional de saúde que se encontra em posição de maior cobiça, ou seja, o mais frágil.

O acesso a tais informações somente deve ocorrer, em regra, com a autorização do paciente ou com autorização judicial, pois enseja a quebra do sigilo ético-profissional, ou mesmo a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

O direito, em seus fundamentos supracitados, merece ser empregado na proteção ao sigilo médico, bem como ao sigilo das informações passadas aos profissionais de saúde e ao sacerdócio em geral, na proteção ao direito à inviolabilidade da intimidade das famílias, a base do estado e da sociedade.

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1 MANUAL DE ORIENTAÇÃO ÉTICA E DISCIPLINAR. Volume 1 - 2a. edição revista e atualizada Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos Florianópolis - Março, 2000.

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  • MANUAL DE ORIENTAÇÃO ÉTICA E DISCIPLINAR. Volume 1 - 2a. edição revista e atualizada Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos Florianópolis - Março, 2000.
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  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica. Resolução CFM 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM 2.222/18 e 2.226/19.
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*Douglas Ferreira do Amaral é advogado da seccional Brasília/DF. Profissional especializado em saúde ocupacional, direito de família, direito administrativo, direito cível e defesa do consumidor.

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