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Aplicação do "Fato do Príncipe" e o coronavírus

Paula Renata de Camargo Pinto e Guilherme Montoro

Faz-se importante esclarecer que o Fato do Príncipe trata-se de uma situação prevista na CLT, em seu artigo 486.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Atualizado às 11:43

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Muito tem se falado, após citação do Presidente da República, sobre o cabimento do Fato do Príncipe no atual cenário em que estamos vivendo, o da pandemia do Coronavírus.

Segundo o Presidente, Sr. Jair Bolsonaro, todo empresário ou comerciante que teve que fechar seu estabelecimento por decisão do chefe executivo, poderiam recorrer aos governadores e/ou prefeitos para que pagassem indenizações decorrentes da cessação das atividades.

Ao mencionar tal situação, o Presidente da República refere-se a uma possibilidade jurídica chamada Fato do Príncipe.

Faz-se importante esclarecer que o Fato do Príncipe (factum principis) trata-se de uma situação prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 486. Vejamos:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

O artigo versa sobre uma situação excepcional, onde caso a empresa seja submetida a um prejuízo financeiro desproporcional, decorrente do acatamento de medidas determinadas pelas autoridades governamentais, sem prescindir da cautela e de apreciação técnica devida, poderá ela rescindir os contratos de seus empregados tendo como fundamentação o "Fato do Príncipe".

No Direito do Trabalho, em específico, são raros os casos em que há procedência da ação com fulcro no Fato do Príncipe, como condição de excludente da responsabilidade do empregador, a fim de obrigar o Estado a indenizar os danos sofridos.

No cenário atual, a decretação da paralisação em diversos Estados, a chamada "quarentena", são advindos de uma preocupação com a saúde pública, seguindo, inclusive, recomendação da Organização Mundial de Saúde, a fim de evitar que o COVID-19 seja disseminado pela população.

Tais medidas foram tomadas a fim de preservar a dignidade da pessoa humana, além de evitar que o Estado não consiga suportar a alta demanda de contaminados, onde acarretaria superlotação em hospitais, ausência de leitos e equipamentos, ausência de espaço para sepultamento em cemitérios, ou seja, uma questão de contenção do Estado para que o problema não seja ainda maior do que já é, visto que é um caso de força maior.

Destaca-se que apesar de haver um dos requisitos previstos para cabimento do Fato do Príncipe, a força maior, o que em tese justificaria a aplicação desse instituto, resta claro que o Estado não escolheu uma única atividade ou um grupo de serviços, e sim determinou que todos paralisassem, com exceção dos serviços essenciais, a fim de um bem maior, a saúde pública.

Um exemplo para elucidar melhor a questão, foi a determinação que na cidade de São Paulo estava proibido a propaganda externa, como outdoors, banners e painéis, fazendo com que empresas deste nicho fossem obrigadas a cessarem suas atividades em cumprimento à lei, impossibilitando a continuidade e criando grandes prejuízos a estas empresas, ou seja, à época, poderiam ter invocado o Fato do Príncipe.

Portanto, não há o que se falar, nesse momento, em aplicação do Fato do Príncipe, visto que o risco da atividade econômica é do próprio empregador, conforme previsão legal no art. 2, §2º da CLT e no art. 170, III da CF, não podendo repassá-lo à terceiro.

A melhor solução neste momento é a negociação coletiva de trabalho, onde as partes envolvidas, o empregador e o empregado, poderão negociar outras alternativas a fim de que a rescisão contratual seja utilizada como última opção.

Desta forma, entende-se que o Fato do Príncipe não pode ser aplicado da maneira como foi exposta pelo Sr. Presidente, visto que não se pode transmitir este ônus para órgão da administração pública, a menos que demonstrado cabalmente, o que no caso em tela é de extrema controvérsia e de difícil aplicação diante do estado de calamidade pública instalado.

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*Paula Renata de Camargo Pinto é advogada do LTSA Advogados.

*Guilherme Montoro é sócio da área trabalhista do LTSA Advogados.

 

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