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Cancelamento de planos de saúde por inadimplência em época de coronavírus - Considerações jurídicas

É possível entender que a pandemia do coronavírus se enquadra no conceito de caso fortuito, na medida em que este acontecimento mundial ocorreu de fato da natureza sem que houvesse, a priori, a interferência da vontade humana.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 08:18

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Atualmente enfrentamos com a pandemia do covid-19, doença respiratória aguda causada pelo coronavírus, o maior desafio da sociedade contemporânea, com consequências concretas em diversas áreas do conhecimento, especialmente, no campo jurídico. 

No Brasil, para resolver as questões que já afloram no Direito, no que tange à legalidade ou não do cancelamento dos planos de saúde por inadimplência das mensalidades, nesta época de crise sanitária e com sérias repercussões na economia, faz-se necessário analisar se a pandemia pelo coronavírus é considerada evento de caso fortuito e força maior, a justificar, ainda que temporariamente, a quebra das obrigações contratuais. 

Acontece que as legislações pertinentes ao tema, quais sejam, a lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e subsidiariamente, a lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) são omissas ao regramento que se deve utilizar para sanar possíveis conflitos entre consumidores e operadoras dos planos de saúde quanto aos cancelamentos e suspensões de contratos de saúde, em razão da falta de pagamento, ocasionadas, justamente, por eventos desta ordem. 

Considerando, apenas o artigo 13, II, da lei 9656/98 resta claro que é lícito à operadora realizar a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, por fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia da inadimplência. 

Quanto ao CDC, este diploma não traz a figura do fato fortuito ou força maior como excludente de ilicitude, o que também desempara, neste momento, o consumidor. 

Acontece que o raciocínio jurídico, neste caso concreto, deve ser ampliado para sanar a omissão que os textos legais acima citados não conseguem suprir. É necessário trazer à baila para resolver de forma mais justa, privilegiando assim, aquele que na relação de consumo é considerado hipossuficiente e vulnerável, o artigo 393, parágrafo único do Código Civil de 2002. 

Segundo o artigo 393, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Ainda no parágrafo único dispõe que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 

Ora, é possível entender que a pandemia do coronavírus se enquadra no conceito de caso fortuito, na medida em que este acontecimento mundial ocorreu de fato da natureza sem que houvesse, a priori, a interferência da vontade humana.

Sendo assim, há possibilidade de se pleitear a manutenção do plano de saúde, mesmo que ocorra o inadimplemento por prazo superior a sessenta dias, em razão da pandemia, alegando caso fortuito, a teor do artigo 393, parágrafo único do CC/02. 

Observa-se que o artigo mencionado diz que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, sem indicar quem da relação contratual assume este papel, de modo que é perfeitamente possível entender que o consumidor poderá também, neste caso concreto, ser considerado o devedor. 

Certamente, no viés abordado neste artigo, o consumidor torna-se o devedor na  relação contratual, de modo que parece bastante razoável, requerer que os planos de saúde não apliquem o artigo 13, II da lei 9.656/90, enquanto durarem os efeitos dessa pandemia. 

Portanto, por todos os ângulos que se queira analisar e, em perfeita analogia às providências tomadas em relação aos Contratos de Fornecimento de Energia Elétrica pela Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica, que proibiu o corte da energia, durante a pandemia, é prudente que medidas oficiais sejam tomadas o mais rapidamente possível pela ANS - Agência Nacional da Saúde Suplementar para que, também nesta seara, não impere a insegurança jurídica, bem como os evidentes e esperados prejuízos à saúde dos segurados dos planos de saúde.

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*Viviane Guimarães é advogada especialista em Direito da Saúde e Direito da Pessoa com Deficiência e proprietária do escritório VGuimarães Advocacia.

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