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Habeas Corpus preventivo e a Codiv-19 - Possibilidade de concessão em tempo de pandemia

Gesiel de Souza Rodrigues

Para o presente estudo, interessa a figura do habeas corpus preventivo, ou seja, aquele que se aplica em situações nas quais exista forte pretensão/receio de que o direito de ir e vir esteja prestes a ser cerceado.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 07:55

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O preceito normativo inserto no inciso LXVIII da Constituição Federal assevera que o Habeas Corpus visa evitar (na sua modalidade preventiva) ou fazer cessar (na sua modalidade preventiva) qualquer ilegalidade ou espécie de abuso que afete o direito de locomoção do indivíduo.

Alguns doutrinadores apontam ainda para o caráter impositivo do HC, tendo em vista que tem por objetivo ainda que a autoridade abusiva pare, cesse, de maneira imediata a conduta, sob pena de desobediência à ordem judicial. O CPP, embora trate o HC como recurso, torna claro que o mecanismo pode vir a ser aplicado em qualquer momento, pouco importando ter ocorrido o esgotamento das instâncias administrativas ou judiciais.

Para o presente estudo, interessa a figura do habeas corpus preventivo, ou seja, aquele que se aplica em situações nas quais exista forte pretensão/receio de que o direito de ir e vir esteja prestes a ser cerceado.

A transpor tais diretrizes para a situação atual decorrente da Pandemia da Covid-19, a qual afeta de forma contundente as receitas das empresas, forçoso se torna reconhecer que muitos empresários terão enorme dificuldade em fazer frente a toda carga tributária incidente. E nesta esteira, poderá ocorrer à falta de recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, bem como a do IR Fonte.

Neste cenário agudo, ao responsável tributário surge a indigesta situação de ter que decidir o que deverá pagar e o que - por absoluta impossibilidade, não poderá fazer frente a crise, redução de faturamento e aumento do grau de endividamento, dentre outros fatores deletérios.

A Magna Carta traz como princípios da atividade empresarial o pleno emprego e a função social, expressos de forma clara e objetiva a preocupação do constituinte originário em eleger tais situações como essenciais e indispensáveis. Assim, na ingrata posição de ter que escolher o que saldar, porquanto, a receita é finita e reduzida, deverá o empresário saldar preferencialmente sua folha de salários e fornecedores essenciais para a existência de seu negócio.

Está-se assim diante de inexigibilidade de conduta diversa decorrente da possibilidade de praticar determinado ato (o não recolhimento in casu), a gerar com isso excludente de criminalidade ou até mesmo diminuição da pena, mormente, porque não se mostra possível exigir do autor um comportamento diverso (conforme o direito) para a situação concreta.

É evidente que tal situação deve ser aferida caso a caso, porquanto, deverá ser comprovado efetivamente pelo autor o seu enquadramento, uma vez que a concessão do HC exige comprovação prévia e eficaz acerca do alegado. 

Por outro lado, a caracterização dos requisitos em sua modalidade preventiva decorre naturalmente da própria disposição legal, tipificada na conduta do não recolhimento como crime de apropriação indébita, aliado ao fato de que a autoridade fiscal, deve encaminhar a situação ao parquet para a instauração da ação penal, sob pena de prevaricação.

Em condições normais, ou seja, sem que existisse no cenário atual a pandemia decorrente da Covid-19 e o Decreto que reconheceu Calamidade Pública, aliado ao isolamento social e quarentena, a aplicação da inexigibilidade de conduta diversa estaria sujeita a uma análise nos moldes da jurisprudência vigente, contudo, não se pode afastar a realidade atual, com o grave risco de quebras e falências de empresas, que, para manter suas estruturas em funcionamento, terão que optar pelas contas a pagar. 

A toda evidência não poderá o empresário, já penalizado sobremaneira com o efeito da pandemia, vir ainda a sofrer persecução criminal em razão da ausência de recolhimento. Neste momento seria impor ônus adicional.

Diante de tal cenário e com as ressalvas de não ter a pretensão de esgotar o tema em breve estudo é que entendo possível juridicamente o manejo do remédio heroico para que eventuais valores retidos e não repassados aos cofres públicos, mormente, INSS Empregados e IR-Fonte, durante o período de que estiver vigendo o Decreto de Calamidade Pública e Isolamento Social, não possa ser alvo de ação penal por eventual apropriação, deste que evidentemente reste comprovado documentalmente sua condição financeira deficitária e que essa tenha sido resultante da época da calamidade pública.

Indispensável que seja conferido ao empresário, mínimas condições de poder gerir seu negócio e seguramente não será com o risco iminente de uma denúncia penal, quando todos os esforços, energia e equilíbrio psicológico deverão estar focados na preservação do negócio, dos empregos e na função social da sociedade.  Ademais, acredita-se que o Judiciário estará sensível a tais aspectos e seguramente assumirá postura mais equânime e plausível em favor das empresas.

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*Gesiel de Souza Rodrigues é advogado titular no escritório Souza Rodrigues e Lisboa Advogados, pós-graduado em Direito Tributário, especialista em Direito Civil e Processo Civil.

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