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Os impactos da pandemia da covid-19 nas operações de mercado de capitais de dívida

Ricardo Russo

Algumas medidas já foram anunciadas pelas autoridades competentes e espera-se que, nos próximos dias, novas regras sejam anunciadas.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 14:38

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A pandemia da covid-19 ocasionou uma crise sem precedentes na economia global, afetando de forma relevante as transações de diversos setores, inclusive as operações de mercado de capitais de dívida (debt capital markets - DCM), que incluem ofertas de debêntures, notas promissórias, títulos incentivados1, letras financeiras, bem como as operações implementadas no mercado externo (através de emissões de bonds e notes).

De forma a auxiliar os participantes deste mercado (companhias emissoras, investidores, agentes fiduciários, agentes de garantia, escrituradores, agentes de liquidação, dentre outros) destacamos a seguir algumas medidas que podem ser observadas para fins da tomada de decisões, neste momento adverso e de indefinição.

Criação de comitês internos de crise. Definição das pessoas-chave para mapeamento das operações de dívida que estão no mercado, revisão dos instrumentos envolvidos nas operações, checagem de aprovações e registros realizados, instauração de controles internos e procedimentos voltados a questões adversas que possam surgir, antecipação de eventuais problemas, dentre outros fatores.

Análise dos instrumentos de dívida. Revisão de todas as escrituras de debêntures, cártulas de notas promissórias, contratos de garantia, contratos de prestação de serviços, e análise (além do saldo devedor em aberto, prazos e taxas aplicáveis) das cláusulas relevantes que podem ter impactos adversos neste momento (e.g., eventos de vencimento antecipado, obrigações de fazer e não fazer, declarações, foro para eventuais disputas, dentre outras).

Revisão dos covenants da operação. Análise das obrigações impostas pelos documentos da operação de dívida. Além das obrigações de caráter financeiro (pagamentos devidos, cumprimento de financial covenants) há, tipicamente, diversas obrigações envolvendo entrega de documentos e informações periódicas que devem ser observadas, caso contrário o vencimento antecipado da dívida pode ser declarado (por exemplo, notificações ao agente fiduciário acerca de eventos adversos relevantes, entrega de dados financeiros, manutenção de licenças, recolhimento de tributos dentro do prazo, dentre outros).

Possibilidade de resgate antecipado, amortização extraordinária. Os documentos da oferta de dívida devem ser revisados, para fins de verificação acerca da possibilidade da companhia emissora realizar ofertas de resgate antecipado dos títulos emitidos (total ou parcialmente), bem como implementar operações de aquisição facultativa no mercado secundário, amortizações extraordinárias e recompra dos títulos de dívida emitidos.

Mapeamento das hipóteses de vencimento antecipado. Esta análise não deve envolver apenas a revisão das datas de pagamento de juros e principal da dívida, mas, as demais situações que podem obrigar o agente fiduciário da oferta a chamar o vencimento antecipado (por exemplo, vencimento de outras dívidas, protestos de títulos, decisões judiciais desfavoráveis, reorganizações societárias, dentre outras situações).

Detalhes relacionados ao vencimento antecipado. Deve ser feita, ainda, uma análise cuidadosa (i) daquelas hipóteses que podem ocasionar vencimento antecipado "automático", e de outras que dependem de assembleias de investidores para que o vencimento antecipado seja observado ("não automático"); (ii) dos prazos de cura eventualmente existentes para a companhia no caso de verificação de determinado inadimplemento; (iii) dos valores de threshold para descumprimento de obrigações; (iv) dos prazos e formalidades para notificações, convocações de assembleias de investidores, dentre outros aspectos.

Quórum para tomada de decisões. As decisões a serem tomadas por investidores dependem de quóruns de aprovação determinados nos respectivos instrumentos da operação de dívida. Os quóruns variam de acordo com o tipo de operação (e.g., maioria simples, maioria absoluta, dois terços dos investidores, 75% dos títulos em circulação, dentre outras), e a revisão dos quóruns aplicáveis é extremamente importante na definição de eventuais estratégias por um participante de determinada operação.

Mapeamento dos investidores. Dependendo do tipo de oferta pública realizada no mercado local, os títulos de dívida emitidos podem estar pulverizados entre investidores, ou concentrados nas mãos de alguns poucos. Eles podem ser negociados no mercado secundário entre investidores pessoas físicas, ou podem estar nas carteiras de investidores profissionais ou qualificados. Estas informações devem ser obtidas junto aos agentes de mercado, e são relevantes, inclusive para fins da análise acima mencionada relacionada aos quóruns de aprovação da oferta respectiva.

Revisão do pacote de garantias. Análise do status das garantias outorgadas no âmbito da oferta de dívida aos investidores (avais, fianças, garantias reais). Checagem dos registros realizados, objeto dado em garantia (fluxo de recebíveis, direitos creditórios, ativos, participações societárias), tipo de garantia outorgada (hipoteca, alienação fiduciária, penhor, cessão fiduciária), dentre outros aspectos.

Por fim, algumas medidas já foram anunciadas pelas autoridades competentes2 e espera-se que, nos próximos dias, novas regras sejam anunciadas. Neste tocante, no âmbito do comitê de crise acima sugerido, deve ser indicado o responsável pelo controle e acompanhamento de eventuais novas regras que possam flexibilizar ou alterar determinadas obrigações previstas atualmente para companhias emissoras.

As recomendações acima são aspectos básicos e preliminares que devem ser levados em consideração por emissores de títulos de dívida, investidores, agentes, assessores financeiros na implementação de estratégias para enfretamento desta crise global.

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1 As chamadas "debêntures de infraestrutura", criadas pela lei 12.431, de 24.6.2011.

2 Por exemplo, Instrução CVM 620, de 17 de marco de 2020, que trata sobre aquisição por companhias emissoras de debentures de sua própria emissão.

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*Ricardo Russo é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados





*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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