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A exigência do pagamento de valores ou de imposição de filiação dos trabalhadores como condição para negociação coletiva

Fabrício Lima Silva e Iuri Pinheiro

Como viabilizar o cumprimento da liminar proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6363 nesses casos?

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Atualizado às 14:07

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Todos sabemos que o sindicalismo brasileiro, após o advento de lei 13.467/17, passa por um momento de grande fragilidade, pois a denominada Reforma Trabalhista, que ampliou os poderes negociais dos sindicatos, estabelecendo a prevalência do negociado sobre o legislado (art. 611-A da CLT), contraditoriamente, impôs o fim da compulsoriedade das contribuições sindicais de maneira repentina, sem nenhuma regra de transição e sem o estímulo de outras fontes de receitas, dificultando, em muito, a subsistência dos entes coletivos por ausência de receitas para o custeio das despesas necessárias para manutenção de sua estrutura e pessoal.

Logo após o advento da lei, já propugnávamos que a supressão da contribuição compulsória, que foi um dos únicos pontos da reforma que, segundo a opinião de muitos, representaria uma vitória para a classe obreira, poderia implicar em inúmeras perdas aos trabalhadores. Como dissemos em outras oportunidades, utilizando o bom português: que esse dia de salário sairia muito caro, uma vez que sempre reconhecemos a importância do movimento sindical para a efetivação e ampliação dos direitos sociais trabalhistas.

E, não demorou muito para que, em diversas categorias, negociações coletivas perdessem vigência, datas-bases deixassem de ser observadas e direitos conquistados coletivamente fossem se esvaindo como areia ao vento.

De forma acertada, muitos diziam que, sem uma reforma sindical profunda, com a implementação da convenção 87 da OIT em nosso país, não seria adequada a supressão da contribuição sindical compulsória, uma vez que o modelo de representatividade adotado pelo texto constitucional de 1988, somente se sustentava com a manutenção do tripé de unicidade sindical, contribuições sindical obrigatória e representação por categoria.

Todavia, até o presente momento, nenhuma reforma foi efetivamente implementada e, infelizmente, alguns poucos sindicatos, de maneira engenhosa, estão procurando soluções pouco ortodoxas para auferirem renda e sobreviver sem a receita outrora proveniente das contribuições sindicais.

E, nesse contexto de grande fragilidade das relações coletivas em nosso país, passamos, nesse momento, a enfrentar, a duras penas, a pandemia causada pelo covid-19, que, de maneira abrupta e com proporções globais, impôs medidas de quarentena e isolamento social, segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde.

Como seria natural e, sem a necessidade de maiores conhecimentos econômicos, forçoso concluir que, mesmo diante da adoção de um modelo econômico liberal, medidas governamentais seriam necessárias para o contingenciamento da crise decorrente da paralisação das atividades empresariais e para manutenção do emprego e da renda.

Em poucas semanas, diversas medidas provisórias foram editadas em âmbito federal, dentre as quais destacamos a de 936, de 1º de abril de 2020, objeto do presente estudo e da decisão liminar proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, nos autos da ADI 6363.

A MP 936/20 foi editada com o objetivo básico de assegurar a preservação das atividades laborais e empresariais por de duas alternativas principais:

I) Redução de jornada e salário;

II) Suspensão do contrato de trabalho.

Como forma de socorrer a crise econômica e social e assegurar um mínimo existencial, as duas alternativas acima apontadas são acompanhadas da concessão de um Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda (BEMPER), calculado tendo como referência o valor que seria devido à título de seguro-desemprego em caso de eventual dispensa.

As duas alternativas podem sempre ser operacionalizadas por meio de negociação coletiva, tendo a medida provisória permitido a sua pactuação por meio de acordo individual caso:

I) Percebam salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) ou

II) Percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ 12.202,12) e possuam diploma de nível superior.

Por outro lado, com relação aos que percebem salário igual ou superior a R$ 12.202,12 e possuam diploma de nível superior, a lógica nos parece ser centrada na inovação da lei 13.467/17, que permitiu a esses empregados celebrarem negociações individuais, na forma do art. 444, parágrafo único, da CLT.

Apreciando pleito cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu, em parte, a pretensão para, in verbis:

(...) dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que "[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração", para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.

Analisando os termos da referida decisão, verificamos que, conforme a interpretação dada pelo ministro relator, deveria ser estimulada a negociação coletiva, sendo que, apenas em caso de inércia, fosse considerada a anuência com o acordado entre o trabalhador e a sua empregadora, com a validação do pactuado individualmente.

Salientamos que esse seria o momento de os sindicatos assumirem o protagonismo e, valendo-se das flexibilidades formais asseguradas pelo inciso II do art. 17 da medida provisória (MP) 936/20, fizessem valer o princípio da adequação setorial negociada e encontrassem soluções rápidas e eficazes para a tutela dos interesses de classe, minimizando os prejuízos decorrentes das paralisações, tutelando os interesses dos chamados grupos de risco e pactuassem medidas para a preservação do emprego e a renda.

Entretanto, tem-se notícia de que alguns sindicatos (sem a intenção de generalização), ao receberem notificações sobre os acordos individuais, estão apresentando exigências para o pagamento de valores pelas empresas ou impondo, como condição para a negociação, que os trabalhadores sejam filiados ao sindicato.

Nesse aspecto, para sustentar a inviabilidade da prática adotada, destacamos que o texto constitucional de 1988 continua íntegro e, diante de reiterados posicionamentos de nossas cortes superiores (TST e STF), os sindicatos continuam com o encargo de representar toda a categoria, independente de filiação ou de manutenção da contribuição compulsória ou facultativa, nos moldes do art. 8º, inciso III da CR.

Além disso, constitui prática antissindical extremamente grave o estabelecimento de cláusula coletiva que preveja que as empresas da categoria econômica vertam valores aos cofres do sindicato da categoria profissional.

Nesse sentido, o item 2 do art. 2º da convenção 98 da OIT estabelece que:

Serão particularmente identificados a atos de ingerência, nos termos do presente artigo, medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organização de empregados, ou a manter organizações de trabalhadores por meios financeiros ou outros, com o fim de colocar essas organizações sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores.

O que se objetiva é evitar que o financiamento da atividade sindical pelo empregador ocasione a ingerência da categoria econômica sobre o ente representativo dos obreiros, uma vez que os sindicatos que recebessem tais valores poderiam, de forma direta ou indireta, mesmo que sem intenção lesiva, deixar de atender aos legítimos interesses da categoria que deveria representar, na tentativa de atender suas necessidade financeiras momentâneas.

Nesse sentido, destacamos decisão proferida pela Subseção de Dissídios Individuais I do TST, no sentido de que o financiamento do sindicato profissional com recursos provenientes do empregador configura conduta antissindical por impossibilitar a autonomia da negociação coletiva, fragiliza o sistema sindical e a relação entre empregados e empregadores, ensejando, inclusive, a reparação por dano moral coletivo (TST-E-ARR-64800-98.2008.5.15.0071, SBDI-I, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, 12.2.15. Informativo TST 100).

Assim, diante de imposição de requisitos que, em tese, não teriam amparo legal, qual seria a forma de adequação ao decidido na liminar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363?

Pensamos que, ao impor tais condições para dar início às tratativas coletivas, tal conduta sindical violaria os limites da boa-fé objetiva, atraindo as consequências da supressio, uma das facetas do referido princípio, equivalendo, mutatis mutandis, à inércia volitiva.

Conforme ensinam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2012, p. 193), a supressio "é a situação do direito que deixou de ser exercitado em determinada circunstância e não mais possa sê-lo por, de outra forma contrariar a boa-fé. Seria um retardamento desleal no exercício do direito, que, caso exercitado, geraria uma situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes, pois a abstenção na realização do negócio cria na contraparte a representação de que esse direito não mais será atuado".

O princípio da boa-fé objetiva, estampado no art. 422 do Código Civil, impõe um dever de conduta e obriga as partes a se comportarem com recíproca cooperação, a fim de preservar os interesses comuns (econômicos e sociais), com a manutenção da ética da igualdade e da solidariedade.

Destacamos que a aplicação da boa-fé objetiva às relações coletivas já foi acolhida por nosso Tribunal Superior do Trabalho em diversas oportunidades, conforme, exemplificativamente, destacado no seguinte trecho: "É patente que, entre as consequências da boa-fé objetiva, cláusula geral que deve nortear o comportamento dos Sujeitos Coletivos, está a vedação de comportamento contraditório" (TST - RO: 3808620155140000, relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 09.10.17, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 18.10.17).

Em outras palavras, ao deixar de dar início à legítima negociação coletiva, nos moldes do art. 8º, VI da CR, impondo exigências consideradas abusivas, o ente coletivo retarda de forma desleal o exercício do direito pela contraparte, criando por parte da empresa que efetuou a notificação sobre a negociação, a expectativa de que o direito não seria mais realizado, devendo tal prática ser considerada equivalente à inércia e, nos termos da decisão liminar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363, implicar em anuência com o acordado pelas partes, após o transcurso do prazo de 10 dias, com o reconhecimento da validade do acordo individual.

Ressaltamos que idênticas consequências devem ser reconhecidas quando o ente coletivo apenas apresenta manifestação de recusa à negociação, sem a apresentação de justos motivos, abrindo mão de sua importante missão constitucional de transacionar coletivamente.

Isso porque tal conduta também violaria os princípios da boa-fé objetiva a até mesmo a função social dos contratos, que irradia seus efeitos desde a fase pré-contratual, não se podendo ignorar que os ajustes coletivos possuem natureza híbrida (norma e contrato).

Assim, a título de arremate, concluímos que a recusa injustificada de negociação configura abuso de direito e que a cobrança de valores pelo sindicato para dar início ou ultimar as negociações configura prática antissindical e poderá fundamentar a nulidade de eventual pactuação estabelecida, conforme o parágrafo 3º do art. 8º da CLT, sendo imprescindível a comunicação do fato ao Ministério Público do Trabalho, com as devidas comprovações, para que atue na salvaguarda dos interesses coletivos.

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*Fabrício Lima Silva é Juíz do Trabalho do TRT da 3ª Região. Coordenador da Pós-graduação em Direito e Compliance Trabalhista do Ieprev/Faculdades Arnaldo.

*Iuri Pinheiro é Juíz do Trabalho do TRT da 3ª Região. Coordenador da Pós-graduação em Direito e Compliance Trabalhista do Ieprev/Faculdades Arnaldo.

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