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A prejudicial redução linear das mensalidades escolares

O que se percebe é um esforço expressivo das escolas no sentido de seguir prestando os seus serviços, ainda que de forma alternativa, de outro lado, pais, igualmente prejudicados, insatisfeitos com a nova sistemática.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Atualizado às 11:20

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A pandemia do coronavírus e as medidas de segurança propostas em razão de sua expressiva disseminação, notadamente o isolamento social, impuseram severas mudanças na rotina e na dinâmica das famílias.

Com a suspensão das aulas presenciais, os pais se viram obrigados a assumir, além das funções habituais e, em muitos casos, do teletrabalho, a tarefa de manter uma rotina de estudos com os filhos. De outro lado, as escolas tiveram que se adaptar e desenvolver novas formas de prestar seus serviços.

Diante desse contexto, verificou-se, nos órgãos de proteção aos consumidores, um forte movimento no sentido de que as mensalidades escolares fossem reduzidas. A premissa defendida pelos pais é de que, em razão da quarentena, os serviços educacionais não estão sendo prestados conforme contrato e, ainda, que despesas como água, luz e manutenção foram suprimidas, de modo que não se justificaria a cobrança do valor integral. Por sua vez, as escolas afirmam que os mencionados custos representam parte ínfima de suas despesas e que eventual redução implicaria na demissão de funcionários, afora a necessária e dispendiosa implementação de sistemas de ensino à distância. Assim, a redução pretendida inviabilizaria a continuidade de suas atividades, especialmente das escolas de médio e pequeno porte.

Apesar de o Código de Defesa do Consumidor estabelecer a responsabilidade objetiva dos fornecedores por eventuais danos decorrentes dos serviços que prestam, ou seja, independentemente da verificação de culpa, cabendo a eles o risco da atividade que exercem, o atual cenário, absolutamente inédito e imprevisível, exige uma análise mais sistêmica (e sensível) da legislação.

Isso porque, em seu art. 14, §3º, o Código elenca as excludentes de responsabilidade do fornecedor, quais sejam: a) a inexistência de defeito nos serviços prestados; e b) a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro. Note-se que situações excepcionais como o coronavírus não se enquadrariam em nenhuma dessas duas hipóteses.

Por sua vez, o Código Civil, em seu art. 393, disciplina os institutos do caso fortuito e de força maior, que consistem no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, o que afasta a responsabilidade do devedor.

Da análise isolada da lei consumerista, poderia se concluir que, diante da suspensão das aulas presenciais e da alteração do modo de fornecimento dos serviços educacionais, os pais teriam direito à resolução do contrato firmado. Entretanto, a ausência de previsão expressa do caso fortuito ou de força maior dentre as excludentes de responsabilidade do fornecedor não enseja o compulsório afastamento de sua aplicação às relações consumeristas.

Na verdade, a impossibilidade de execução do contrato, pelas escolas, nos moldes originariamente firmados, decorreu de atos absolutamente alheios à sua vontade e ao seu controle, razão pela qual o bom senso deve nortear as tratativas entre elas e os pais dos alunos.

É nesse sentido a orientação da Secretaria Nacional do Consumidor, que na Nota Técnica nº 14/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ, ratificou a necessidade de se construir soluções negociadas, com base em dois fundamentos: i) garantir a prestação do serviço, ainda que de forma alternativa, e ii) garantir ao consumidor que, nos casos em que não houver outra possibilidade, seja feito o cancelamento ou desconto do contrato com a restituição parcial ou total dos valores devidos, sem que isso comprometa economicamente o prestador de serviço. E conclui ser descabida a redução das mensalidades enquanto as escolas estiverem prestando seus serviços com qualidade equivalente ou semelhante àquela contratada inicialmente.

Na contramão desse entendimento, verifica-se a existência de projetos de lei nos âmbitos federal, estadual e distrital. No Senado Federal, está em análise o PL 1163/20, que propõe a redução de, no mínimo, 30% (trinta por cento) no valor das mensalidades das instituições de ensino fundamental, médio e superior da rede privada cujo funcionamento esteja suspenso em razão da pandemia. Nessa mesma linha, tramitam, na Câmara dos Deputados, os PLs 1119/20, 1108/20 e 1183/20.

No Distrito Federal, o PL 1079/2020, também prevê o desconto de 30% enquanto durar a suspensão das aulas. Apesar de aprovado em primeiro turno, a Câmara Legislativa parece ter recuado e buscará soluções alternativas ao desconto obrigatório, a exemplo da negociação individual dos contratos e da tentativa de redução de impostos para as instituições, o que refletirá diretamente nas mensalidades.

De tal contexto, percebe-se que não há uma solução linear para o problema. Os impactos econômicos do coronavírus afetam diretamente os fornecedores e os consumidores. O que se percebe é um esforço expressivo das escolas no sentido de seguir prestando os seus serviços, ainda que de forma alternativa, de outro lado, pais, igualmente prejudicados, insatisfeitos com a nova sistemática.

Certo é que a imposição de descontos obrigatórios levará pequenas e médias escolas à bancarrota, com demissões em massa e inevitável fechamento de suas portas, o que pode ser muito mais danoso. Assim, entende-se que a negociação caso a caso, a partir de critérios a serem legalmente definidos, considerando a redução da capacidade financeira do consumidor e, ainda, a viabilidade objetiva da escola em conceder o desconto, mediante uma comunicação clara e transparente entre os envolvidos, é o caminho adequado.

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*Mariani Chater é advogada e sócia do escritório Chater Advogados, em Brasília.

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