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Pagamento de precatórios e o fomento à economia em tempos de pandemia

Camila Abolafio

Pessoas e empresas permanecem vulneráveis, com necessidade de caixa, administração pública em mora, economia sem injeção de dinheiro.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Atualizado às 07:37

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Em um momento histórico sem precedentes, percebemos que a visão sistêmica e a união de esforços são o caminho para minimizar os danos que certamente advirão da pandemia. Como o direito à vida, propriedade, saúde, moralidade, eficiência, existência digna estão assegurados em nossa Constituição, não havendo dicotomia entre proteção à saúde e proteção à economia, pedidos de suspensão ou prorrogação do prazo de pagamento de precatórios são injustificados, sem a discussão sobre possíveis soluções.

A via crucis dos credores de precatórios somam sucessivas moratórias: pagamento em 8 parcelas, 10 parcelas, prazo para pagar o estoque até 2020, prorrogação até 2024. No Estado de São Paulo, estão sendo pagos os precatórios de ordem cronológica 2002, ou seja, 18 anos depois da data da expedição os credores começaram a receber, quando nos termos do art. 100, § 5º da Constituição, uma vez expedido o precatório, o ente devedor tem 18 meses para efetuar o pagamento. No Quadro do Estoque de Precatórios do Governo de SP, em 2002, o estoque do ano era de R$ 1.396.538.353,79; em 30.04.2011, o estoque total era de R$ 18.711.103.664,73; R$ 23.682.529.936,31 (31.12.2018); R$ 24.035.413.886,80 (31.12.2019).

Diante do caos que vivenciamos hoje, parece evidente que, se os credores de ordem cronológica 2002/2018 - aposentados, pensionistas, pessoas físicas, empresas - já tivessem recebido, o enfrentamento da pandemia estaria se dando em um outro cenário, afinal, dinheiro no bolso, em caixa, pode gerar melhores condições de vida, possibilitar giro da empresa, enfrentamento de crise etc.

A fila da ordem cronológica vem evoluindo, ainda que lentamente, visto que estados e municípios realizam parte dos pagamentos com o valor de depósitos judiciais (LC 151/2015, EC 94/2016, resolução CNJ 303/2019).

Se há recursos não-orçamentários disponíveis que podem ser destinados ao pagamento de precatórios, com a possibilidade, inclusive, de ser viabilizado o aumento do percentual dos depósitos para este fim, não se justifica qualquer tentativa de suspender ou adiar novamente a quitação dessa dívida estatal, conforme tem defendido as Comissões de Precatórios da OAB-SP e IASP.

Ademais, outras formas podem ser pensadas para equacionar o problema, mas deixar de pagar não é uma delas, pois não atende nenhum dos envolvidos: pessoas e empresas permanecem vulneráveis, com necessidade de caixa, administração pública em mora, economia sem injeção de dinheiro.

Projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados dão o tom da necessidade de se pagar precatórios para não prejudicar quem se valeu do Judiciário para buscar um direito e fazer circular recursos já devidos pelo Poder Público. No PL 1156/2020, do Deputado Capitão Augusto - PL/SP (27.3.2020), que visa autorizar o Executivo a pagar os precatórios de natureza alimentar, foi indicada a seguinte justificação: "O objetivo deste projeto de lei é no período em que perdurar o estado de calamidade, onde existe uma retração da economia como um todo, injetar recursos com a liberação imediata dos precatórios de natureza alimentar, em especial os previdenciários. (...)Temos a certeza que este projeto vem ao encontro das reais necessidades da sociedade, num momento delicado da vida em sociedade, e ao mesmo tempo faz justiça com as pessoas que litigarão com o poder público vários anos em busca de seus direitos alimentares, que poderão ser alcançados e utilizados em benefício do autor da ação e que movimentará a economia local. Portanto, neste momento de calamidade, faz-se necessária a aprovação de leis que permitam o poder público cumprir suas obrigações, fazer justiça e movimentar a economia."

Já o PL 815/2020 apresentado, em 23.3.2020, pelo Deputado Coronel Armando - PSL/SC, dispõe sobre a antecipação dos pagamentos, dos precatórios federais previstos para liquidação em 2020, como aqueles a serem expedidos para liquidação em 2021, diante da paralisação da marcha processual em função da pandemia do covid-19.

Não se nega o esforço para gerir a pandemia, mas considerar a dilação de prazo ou suspensão do pagamento de precatórios, quando possível o pagamento, minimizando vulnerabilidades e fomentando a economia, com o atendimento de todos os envolvidos, agrava a difícil situação que vivemos.

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*Camila Abolafio é advogada e integra a equipe do Luz Moreira Advogados.

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