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O estado de calamidade pública provocado pela pandemia da covid-19 e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho

Inicialmente, importante contextualizar que a situação de calamidade pública decretada em virtude da pandemia deve ser encarada como uma situação de força maior.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Atualizado às 10:48

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No início de abril, a Organização Internacional do Trabalho noticiou a previsão global de desaparecimento de 6,7% de horas de trabalho no segundo trimestre de 2020, o que equivaleria a 195 milhões de pessoas laborando em tempo integral, considerando os efeitos da crise do covid-191.

Alertou ainda sobre o alto risco de aumento da estimativa inicial de 25 milhões de pessoas desempregadas, sem contar a patente possibilidade de recessão global, demonstrando uma especial preocupação com os trabalhadores informais e os empregados dos setores de hospedagem, alimentação, manufatura, varejo e atividades comerciais/administrativas.

Todas as estimativas são claramente desoladoras, sendo considerada a pior crise global desde a segunda guerra mundial.

Inicialmente, importante contextualizar que a situação de calamidade pública decretada em virtude da pandemia deve ser encarada como uma situação de força maior, o que atrai a necessidade de flexibilidade das previsões existentes em uma situação de normalidade, incluindo as normas internacionais do trabalho, seja para redução ou suspensão de atividades para alguns setores laborais ou até mesmo para aqueles onde é necessário o aumento da prestação de trabalho2.

Em atenção às perspectivas causadas pela pandemia, a Organização Internacional do Trabalho ratificou a política adotada por diversas economias globais sobre a necessidade de foco no apoio às empresas, ao emprego e à renda, no estimulo à economia, na proteção de trabalhadores no local de trabalho e o uso do diálogo social entre governos, trabalhadores e empregadores para que sejam encontradas soluções3 para minimizar os efeitos da crise pandêmica.

Por isso, o primeiro ponto de fundamental atenção sobre os apontamentos realizados pela Organização Internacional do Trabalho está justamente na necessidade de fomento do diálogo social entre a tríplice compreendida entre Governo, empregador e trabalhador, que precisam relativizar algumas garantias legais e constitucionais previstas em situações de normalidade, passando a considerar a excepcionalidade e urgência do momento vivido, em analogia ao estado de necessidade, no intuito de minorar as perdas inevitáveis do período.

Outra preocupação é justamente a necessidade de estabelecimento de medidas imediatas de proteção social e do emprego que promovam a recuperação da economia local4.

Diante deste cenário, as próprias convenções da OIT devem ser relativizadas, a fim de que a continuidade das empresas5 e a manutenção dos empregos seja priorizada.

Cabe salientar que, ao contrário da habitual distinção tupiniquim sobre emprego e trabalho, muitos dos ditames internacionais sobre a matéria possuem previsão sobre trabalhadores, comportando aqueles que possuem ou não contrato de trabalho formal.

Fundamental apontar ainda que a convenção 158 da OIT foi denunciada pelo decreto 2.100/96, não sendo aplicáveis as diretrizes no tocante à necessidade de justificativa para dispensa imotivada6, de modo que as recomendações para o momento atual não são aplicáveis à realidade brasileira7, considerando que é direito potestativo, mesmo em uma situação de normalidade, o término da relação de trabalho pelo empregador.

Desta forma, diferentemente da realidade dos países que possuem a proteção contra o desemprego injustificado, a manutenção dos postos de trabalho nesta situação excepcional que vivemos se demonstra ainda mais desafiadora.

Considerando a crise sanitária em virtude da pandemia, bem como a decretação de estado de calamidade pública, as duas principais medidas governamentais para a continuidade das empresas e manutenção dos postos de trabalho foram aquelas expostas nas medidas provisórias 927 e 936/20.

Neste aspecto, destaca-se o conteúdo da convenção 168 da OIT8, que trata sobre a promoção do emprego e proteção contra o desemprego, que se amolda ao cenário atual.

A citada convenção prevê a extensão da proteção na hipótese de perda de rendimentos em virtude do desemprego parcial, definido como uma redução temporária da duração normal ou legal do trabalhador9, bem como a redução de rendimentos como consequência de uma suspensão temporária do trabalho em virtude de motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou analógicos10.

Com relação à saúde dos trabalhadores, a convenção 155 da OIT que trata sobre o tema aponta que todo trabalhador poderá interromper a prestação de trabalho por considerar11, por motivos razoáveis, que esta envolve perigo iminente e grave para sua vida ou saúde12, bem como que, quando for necessário, os empregadores deverão fornecer os equipamentos de proteção aptos a prevenir os riscos à saúde ou acidentes13.

Aqui no Brasil, vale lembrar o disposto no art. 132 do Código Penal que considera crime expor a saúde e a vida de outrem a perigo direto e iminente, reforçando com maior vigor o dever do empregador de zelar pela saúde e higiene laboral em época de pandemia.

Segundo publicado pela OIT, muitos dos seus 187 Estados-membros estão tomando medidas sem precedentes para minimizar o impacto gerado pela pandemia sobre as empresas14, empregos e pessoas mais vulneráveis, em uma verdadeira busca de uma solução social emergencial e extraordinária, sem precedentes.

Desta forma, demonstra-se que as medidas tomadas na realidade brasileira, com o objetivo de continuidade das empresas e manutenção dos empregos encontram igualmente respaldo nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, o que só ratifica sua importância e necessidade.

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1 Para acessar o estudo (em inglês): Clique aqui

2 Neste sentido, cita-se o artigo 2º, inciso 2, alínea "d" da Convenção nº 29 da OIT que prevê que em situações de força maior, dentre outras hipóteses, no caso de pandemia, a prestação de qualquer trabalho ou serviço exigido não compreenderá trabalho forçado ou obrigatório, o que atrai a possibilidade, por exemplo, de extensão de jornada para profissionais de saúde.

3 Engajamento de trabalhadores e empregadores, incluindo seus representantes, com o objetivo de criar uma confiança pública e apoio às medidas necessárias para superação da crise.

4 Neste sentido, cita-se o constante no parágrafo 8º da Recomendação 205 da OIT que estabeleceu estratégias para possibilitar a recuperação em cenários de crise. Para acessar o conteúdo (em espanhol): Clique aqui

5 A OIT destaca, inclusive, a necessidade de estabelecimento de benefícios financeiros e de alívio tributário, em especial para micro, pequenas e médias empresas.

6 Nos termos do artigo 4º da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.

7 Cabe ilustrar que a crise de saúde pública enfrentada poderia ser considerada uma justificativa (motivos econômicos) para o despedimento, observado o artigo 13 da Convenção 158.

8 Convenção ratificada pelo Brasil em 24 de março de 1993 e Promulgada pelo Decreto nº 2.682, de 22 de julho de 1998.

9 Alínea "a" do artigo 10º da Convenção 168 da OIT.

10 Alínea "b" do artigo 10º da Convenção 168 da OIT.

11 Seria a hipótese dos trabalhadores considerados como grupo de risco.

12 Artigo 13 da Convenção 155 da OIT. A Organização Internacional do Trabalho recomenda ainda o pagamento de uma prestação pecuniária para o trabalhador que precisar se ausentar do trabalho em virtude da pandemia, se reportando à Convenção 134.

13 Artigo 16, inciso 3 da Convenção 155 da OIT.

14 Algumas medidas estão listadas neste link (em espanhol): Clique aqui

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t*Roberta Ribeiro é advogada do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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