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Fatos e fakes sobre arbitragem tributária

Marcelo Ricardo Wydra Escobar e José Eduardo Tellini Toledo

A arbitragem tributária já é uma latente realidade. Resta apenas o interesse econômico e político para ser concretizado.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Atualizado às 08:00

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A participação da Administração Pública Direta em arbitragens remete o debate acadêmico e judicial há tempos, que antecedem, e muito, a publicação da Lei Brasileira de Arbitragem ("LBA"), sendo que as questionáveis1 e "imprescindíveis" alterações advindas com a lei 13.129/2015 - em especial a inserção do §1º ao art. 1º da LBA - em que pese à boa intenção do legislador, acabou por gerar interpretações jurisdicionais tóxicas ao instituto, exemplificadamente, quando o STJ deu a entender2 que em determinado caso concreto, somente após a alteração legislativa havida em 2015, é que a Administração Pública Direta pôde se submeter à arbitragem.

Da mesma maneira com que a modificação legal acima mencionada pretendia resultado completamente diverso do alcançado, quando nos debruçamos sobre a possibilidade do advento da arbitragem tributária no Brasil, há que se afastar a natural euforia inicial de sua possível concretização, dando espaço a um detido e sóbrio e aprofundado debate, sopesando-se os efeitos práticos de sua inserção em nosso sistema, de forma a efetivamente celebrarmos sua instituição, e não contribuir para que feneça em seu nascedouro.

Diante deste cenário, no segundo semestre de 2019 emana por iniciativa do Senador Antonio Anastasia, o PL do Senado 4.257/19, que em apertadíssima síntese propõe alterações na Lei de Execuções Fiscais, para que nela conste expressamente a possiblidade da adoção da arbitragem tributária.

Como ressaltado, o trabalho do exegeta é analisar não apenas o texto do projeto em si, mas também o sistema em que se pretende inseri-lo, bem como os óbices que certamente enfrentará um projeto de tamanha envergadura e ineditismo, em especial a demasiada judicialização, que ao fim, e na prática, apenas dará eficácia plena ao texto legal, com derradeira e diferida chancela pelo STF.

Desta maneira, um primeiro aspecto a se analisar reside na arbitrabildiade objetiva do crédito tributário, posto que se a conclusão não ultrapassar a barreira contida no art. 1º da LBA - patrimonialidade e disponibilidade -,sequer possibilitará a evolução do debate.

Pela leitura do CTN extraímos que o crédito tributário é constituído pelo procedimento administrativo tendente a verificar o fato gerador, também determinado de lançamento3, e que pode ser modificado, inclusive quanto sua extensão e efeitos4.Especialmente no que concerne à hipótese de modificação do lançamento, o CTN também é claro ao prever que este pode ser alterado através da resistência do contribuinte exercida através do procedimento administrativo tributário5.

Desta forma, como já defendemos anteriormente, o que ocorre na prática é o aperfeiçoamento do lançamento através do procedimento administrativo tributário, até que por seu intermédio, se aprimore e se constitua o crédito tributário.

Extrai-se portanto, a máxima de que antes de constituído o crédito tributário, ele se enquadra no conceito de arbitrabilidade objetiva, tanto que os tribunais administrativos encampam o papel de aperfeiçoamento do lançamento, inclusive, anulando-o em muitos casos.

Depois de constituído, outra não é a conclusão se traçado um paralelo com a disposição do crédito pela própria Administração Pública, por intermédio dos denominados parcelamentos especiais, como o Programa de Recuperação Fiscal ("REFIS"), instituído pela lei 9.964, de 10 de abril de 2000; o Parcelamento Especial ("PAES"), disposto na lei 10.684, de 30 de maio de 2003; o Programa de Regularização Tributária ("PERT" ou "Novo REFIS") - previsto na lei 13.496, de 24 de outubro de 2017, dentre outros, inclusive nos âmbitos estaduais e municipais. No âmbito estadual podemos destacar o que foi disposto no convênio ICMS 160/19, que dentre outras particularidade, determinou o perdão de dívidas tributárias passadas, uma vez atendidos determinados requisitos.

Vencida essa barreira inicial, de suma importância pela judicialização praticamente certa que o projeto se aprovado enfrentará, vejamos alguns aspectos em si.

Referido PL estabelece a opção pela arbitragem tributária após o ajuizamento da Execução Fiscal por parte do Poder Público, posto que o inclui na Lei de Execuções Fiscais - lei 6.830/80. A opção será exercida pelo contribuinte no momento da interposição dos respectivos Embargos à Execução Fiscal, a qual não poderá ser recusada pela parte contrária - o que,de per si, já gera grande discussão por sua imposição, contrariando corolário da arbitragem residente na vontade das partes.

Ademais, está-se diante de procedimento judicial, com as peculiaridades que lhe são inerentes, seja pela necessidade de garantia do Juízo das Execuções Fiscais (necessário para a apresentação dos competentes Embargos), seja pela necessidade de expresso requerimento desse meio de defesa ser aceito no efeito suspensivo, para que não haja prosseguimento da Execução Fiscal, como expressamente determinado pelo Código de Processo Civil.

São regras processuais que não podem ser desconsideradas, pois apenas depois da apresentação dos Embargos é que o julgamento seria encaminhado a uma Câmara Arbitral.

Outra questão importante se refere ao fato que, por alterar a Lei de Execuções Fiscais, a opção pela arbitragem deve ser aplicada às Execuções Fiscais Federais, Estaduais e Municipais e não apenas às Federais, como já se cogitou em debates, posto se tratar de uma lei "federal".

Existem sugestões para que essa arbitragem possa ser aplicada em outros momentos processuais (tais como, na exceção de pré-executividade), ou mesmo em ações de consignação de pagamento e anulatórias, que ante a ausência de previsão no atual estágio do projeto, dependerão de alteração em seu bojo, ou de projetos futuros e específicos.

Não menos importante é a discussão acerca do suposta esvaziamento do Poder Judiciário. Existem importantes e válidos argumentos acerca da preocupação de que apenas as grandes empresas (ou grandes contribuintes) optariam pela arbitragem, em detrimento daqueles pequenos contribuintes ou devedores que permanecerão atrelados ao Poder Judiciário.

Essa linha de entendimento não pode prevalecer, já que a arbitragem tributária visa criar alternativas, mas jamais esvaziar ou competir com o Poder Judiciário. São medidas necessárias para o desenvolvimento do país, inclusive por exigências de órgãos internacionais em casos específicos (OCDE).

A arbitragem tributária já é uma latente realidade. Resta apenas o interesse econômico e político para ser concretizado, bem como o chamamento ao debate dos diversos órgãos de controle da própria Administração Pública, como corregedorias, tribunais de conta, e o principal ator pode inibir a atuação do advogado público, o Ministério Público.

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1 CASELLA, Paulo Borba; e ESCOBAR, Marcelo Ricardo. Arbitragem Tributária e a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. "in" SCHOUERI, Luis Eduardo; BIANCO, João Francisco (coords.); CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira (orgs.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 739-757.

2 Vide voto do Ministro Luis Felipe Salomão proferido no julgamento de 27/11/19 - fls. 55/56 do acórdão do Conflito de Competência 151.130 - SP (2017/0043173-8): "(...) Nesse sentido, muito embora se alegue, no caso, a possibilidade da submissão do ente público à arbitragem, mesmo antes da edição da lei 13.129/2015 - e até mesmo antes da edição da lei 9.306/97 -, penso que tal não autoriza a utilização e extensão do procedimento arbitral à União na condição de sua acionista controladora, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária, a partir da qual não se pode inferir a referida autorização (...)."

3 Art. 142 do CTN.

4 Art. 139 do CTN.

5 Art. 145 do CTN.

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*Marcelo Ricardo Wydra Escobar é doutor (PUC/SP) e mestre (Mackenzie) em Direito. Fellow do Chartered Instituto of Arbitrators de Londres. Diretor e Co-Fundador do Instituto Brasileiro de Arbitragem Tributária - IBAT. Diretor do CIArb Brazil. Árbitro e Advogado.

*José Eduardo Tellini Toledo é doutorando em Relações Econômicas Internacionais - PUC/SP. Mestre e especialista em Direito Tributário - PUC/SP. Presidente do Conselho Fiscal e Co-fundador do Instituto Brasileiro de Arbitragem Tributária - IBAT. Membro do CBar e do CIArb. Árbitro e Advogado.

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