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Quando o parcelamento da condenação judicial é possível?

Do ponto de vista legal e normativo, no âmbito cível, há apenas duas hipóteses em que isso é possível: 1) por mútuo acordo de vontade das partes (mesmo em fase avançada de execução); 2) na forma prevista no art. 916 do CPC.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Atualizado em 5 de junho de 2020 11:40

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Após o surgimento do coronavírus e de todas as medidas adotadas pelos entes públicos para contenção da disseminação da pandemia, como fechamento do comércio e medidas mais extremas como a lockdown, muitas empresas sofreram uma queda natural do seu faturamento e reflexamente o poder de pagamento e cumprimento das obrigações ordinárias. Fato igualmente sentido por pessoas físicas em relação aos seus deveres comuns.

Como consequência, verdadeiros planos de ações foram iniciados, individuais ou empresariais, perpassando por renegociação e/ou pedido de suspensão de pagamento de tributos, taxas de luz, água, dentre outros e, de forma mais específica no âmbito empresarial, de repactuação de contratos comerciais e de suspensão e inovação em contratos trabalhistas, dentre variadas outras soluções.

Falar desses temas, entretanto, demandaria uma revisita a variados princípios e institutos do Direito Civil e, especificamente obrigacional e contratual, como por exemplo, da autonomia da vontade, do consensualismo e da bilateralidade, da comutatividade, da paridade e simetria dos contratos, da função social do contrato, da boa-fé e inúmeros outros. Portanto, fugiria ao nosso propósito fulcral.

Desta forma, com o escopo de direcionar ao tema central, é imperioso destacar que muitos desses devedores, além de todo o passivo decorrente das despesas ordinárias, agregarão também, como obrigações pendentes e quando demandadas em juízo, àquelas oriundas de condenações judiciais e passam a ser devidas a partir do início efetivo da fase de execução (provisória ou definitiva).

Com efeito, um pedido que já era comum na fase executiva de um processo judicial invariavelmente tornar-se-á cada vez mais comum por parte desses devedores judiciais, qual seja: pedido de parcelamento na fase de execução.

Mas será que esse parcelamento é sempre possível?

Do ponto de vista legal e normativo, no âmbito cível, há apenas duas hipóteses em que isso é possível: 1) por mútuo acordo de vontade das partes (mesmo em fase avançada de execução); 2) na forma prevista no art. 916 do CPC.

Como a primeira modalidade não traz maiores dúvidas, apenas a segunda modalidade merece nossa especial atenção. O art. 916 do CPC é o único dispositivo legal que trata da possibilidade de um executado requerer o parcelamento de uma dívida judicial. De acordo a redação da norma, o executado pode, dentro do prazo de embargos e desde que reconheça o crédito do exequente - o que importa renúncia ao direito de opor embargos - requerer o parcelamento da sua dívida. Para que isso ocorra é também necessária a comprovação do depósito de 30% (trinta por cento) do total da execução, acrescido de custas e de honorários de advogado) no ato do pedido. O remanescente da dívida (70%) pode ser pago em até 6 (seis) parcelas mensais sucessivas (máximo de parcelas), com o acréscimo de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.

Essa permissividade legal - única conforme tratamos - está enfeixada dentro do Livro II, Título III do CPC (Dos Embargos à Execução), o que significa dizer que é exclusiva para a hipótese de defesa em processo autônomo de execução (embargos à execução), sendo absolutamente inaplicável em sede de cumprimento de sentença, que possui meio típico de defesa (impugnação à execução) e com regras específicas e inatos enfeixados no art. 523 e ss. do CPC.

Esta conclusão não decorre de uma mera interpretação literal ou engessada da norma jurídica, mas de uma verdadeira interpretação lógica, sistemática e teleológica da norma. Isso porque, o §7º do mesmo dispositivo (do art. 916 do CPC) contemplou regra proibitiva expressa do parcelamento em sede de cumprimento de sentença ("O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença").

Portanto, por nenhum viés interpretativo, seria admitido o parcelamento em sede de cumprimento de sentença e, com igual razão, não haveria razão para se falar em aplicação analógica da norma, salvo melhor juízo.

Assim e por conclusão, é que entendemos que, embora haja precedentes de deferimento de parcelamento em sede de cumprimento de sentença, não há no ordenamento jurídico pátrio qualquer norma jurídica garantidora de parcelamento ao executado em sede de cumprimento de sentença, sendo, por conseguinte, inafastável, nesta hipótese, a aplicação da regra do art. 523, §1º do CPC, que impõe o pagamento voluntário da condenação pelo executado no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de acréscimo de 10% (dez por cento) a título de multa 10% e 10% (dez por cento) a título de honorários advocatícios (este último não incidente nos Juizados Especiais), sem prejuízo de posterior penhora online dos próprios ativos financeiros (art. 854 do CPC) e outras outras formas de constrição forçada.

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*Fábio Gouveia Carvalho é advogado (lawyer) | sócio-fundador founder partner) do Ferreira e Carvalho Advocacia e Consultoria. Mestre em Ciências-Jurídico Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor Universitário e Palestrante. Sócio-Fundador do Podcast Jurídico Direito Fora de Pauta.

 

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