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A (im)possibilidade de adiamento das eleições municipais

A preocupação em relação à mudança na data das eleições não abarca apenas o dia do pleito por gerar grandes aglomerações, mas sim de todo processo preparatório, que vai desde convenções partidárias para escolha dos candidatos, até a data efetiva da eleição.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Atualizado às 13:41

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A muito se discute a possibilidade de unificação das eleições (gerais e municipais), com a situação de calamidade pública em virtude do novo coronavírus (covid-19), o assuntou voltou à pauta e vem ganhando força na mídia.

Diante disso, parlamentares que são a favor da unificação das eleições propuseram propostas de emenda à Constituição, requerendo o adiamento das eleições municipais para o ano de 2022, estendendo, por conseguinte, os mandatos dos prefeitos e vereadores até 31 de dezembro de 2022.

Nada obstante, em se tratando de uma doença altamente contagiosa, sem que tenhamos previsão de controle, a questão posta se torna pertinente.

A preocupação em relação à mudança na data das eleições não abarca apenas o dia do pleito por gerar grandes aglomerações, mas sim de todo processo preparatório, que vai desde convenções partidárias para escolha dos candidatos, até a data efetiva da eleição. Todo esse processo envolve contato físico entre candidato e eleitor, principalmente após 16 de agosto, quando de fato começa as campanhas eleitorais. Em se tratando de convenções partidárias, nos termos do art. 8º, da lei 9.504/971, as convenções para escolha dos candidatos iniciam-se em 20 de julho e vai até 05 de agosto.

Isto posto, surge a seguinte questão, no âmbito jurídico seria possível adiar as eleições municipais visando à preservação da saúde e da vida da população? Para responder a seguinte questão, temos que analisar alguns pontos, a suspensão seria apenas até que a situação se normalizasse, sem que houvesse a necessidade de prorrogação dos atuais mandatos, ou a prorrogação dos mandatos até 2022 para que as eleições sejam unificadas.

Antes de travar qualquer debate, deve-se pontuar a questão acerca do princípio da anualidade eleitoral, prevista no art. 16 da Constituição Federal2. A norma constituição veda a mudança nas eleições que ocorrerem até um da sua vigência. O supramencionado princípio se justifica dada a importante da previsibilidade das regras do jogo eleitoral, onde deve ser garantido a todos os concorrentes "paridade de armas", efetivando assim a democracia.

Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal já tem posicionamento firmando no sentido de que qualquer modificação no processo eleitoral não terá eficácia imediata, devendo respeitar o princípio da anualidade, vejamos:

A competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso. (...) A jurisdição constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, o princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição, pois essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria.3

Desta maneira, considerando que a anualidade é uma forma de dar segurança jurídica ao pleito, ela seria o primeiro impasse para que pudesse ocorrer a mudança das eleições.

A segunda questão é o instrumento jurídico que deve ser usado para fazer qualquer alteração nas eleições, seja para apenas adiá-las pelo tempo necessário, seja para fazer a unificação. Não há dúvidas apenas a emenda constitucional é elemento capaz de proceder com tais alterações, uma vez que a data para realização das eleições municipais está prevista no inciso II, do art. 29 da CF4.

Saliento ainda que, a meu juízo, caso o Tribunal Superior Eleitoral por meio de Resolução adiasse as eleições para dezembro, como muito se diz, ela se mostraria inconstitucional, vez que compete a ele apenas expedir resoluções com precípuo de regulamentar, organizar e executar o processo eleitoral, não proceder com alterações, se assim o fizesse, estaria por usurpar as funções do Poder Legislativo e Executivo.

Nessa esteira, assevera Manuel Carlos de Almeida Neto:

"o poder regulamentar e normativo da Justiça Eleitoral deve ser desenvolvido dentro de certos limites formais e materiais. Os regulamentos eleitorais só podem ser expedidos segundo a lei (secundum legem) ou para suprimir alguma lacuna normativa (praeter legem). Fora dessas balizas, quando a Justiça Eleitoral inova em matéria legislativa ou contraria dispositivo legal (contra legem), por meio de resolução, ela desborda da competência regulamentar, estando, por conseguinte, sujeita ao controle de legalidade ou constitucionalidade do ato".5

No que tange ao adiamento das eleições e a prorrogação dos mandatos de prefeitos e vereadores até 2022, não se mostra a mais eficiente, além de esbarrar em vários pontos juridicamente questionáveis. O primeiro como já dito anteriormente é a questão do princípio da anualidade eleitoral, mesmo que aprovada uma Emenda Constitucional nesse sentido, ela esbarraria no art. 16 da CF. O segundo ponto consiste na violação do direito de escolha do cidadão, garantido constitucionalmente.

Os atuais prefeitos, vice-prefeitos e vereadores foram eleitos para exercer seus mandatos pelo período determinado de quatro anos, nos termos do art. 29, inciso I, da Carta Maior6, assim não é sendo possível sua prorrogação dos respectivos mandatos sob pena de violação da periodicidade do voto, que inclusive é cláusula pétrea.

Assim sendo, o adiamento das eleições para o ano de 2022, com a consequente prorrogação dos atuais mandatos, a meu ver, não será a mais eficaz, pois além de esbarrar em questões jurídicas, se mostra de um oportunismo político e conveniência aos atuais mandatários.

Desta feita, concluo que qualquer mudança no processo eleitoral deve ser feita com extrema cautela, com o fim de resguardar a lisura das eleições, sem se esquecer da vida do cidadão, que é nosso bem mais preciso. Ainda é cedo para fazer afirmativas acerca de tais mudanças, mas caso seja necessário, deverá ser feita por Emenda Constitucional e pelo tempo mínimo necessário para que o cidadão possa exercer seu voto sem qualquer prejuízo.

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1 Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação.

2 A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorre até um ano da data de sua vigência.

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23-3-2011, P, DJE de 18-11-2011, Tema 387.

4 Art. 29. II - eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do artigo 77 no caso dos Municípios com mais de duzentos mil eleitores.

5 ALMEIDA NETO, Manoel Carlos. Direito eleitoral regulador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 219-220

6 Art. 29. I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;

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*Leandro Augusto Finotelli Pires Alves da Silva é advogado graduado em Ciências Jurídicas pela PUC-Campinas. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas. Pós-Graduado em Direito Eleitoral pelo Instituto Damásio.

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