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A pré-propaganda política e as fake news em tempo de confinamento social. O adiamento das eleições 2020?

O maior desafio em 2020 será observância à ética eleitoral.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Atualizado em 16 de junho de 2020 10:23

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A pré e a propaganda política 

A propaganda eleitoral é permitida após o dia 15/8 do ano eleitoral, ou seja, 45 dias antes da eleição. É mais do que um direito do candidato, é um direito do cidadão. 

Não há propaganda antecipada sem pedido explícito de voto, o que difere do pedido expresso (menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos précandidatos, art. 36-A da Lei das Eleições). Referida mudança legislativa ocorreu em 2015 e ainda revela insegurança jurídica quanto à sua extensão, pondo em risco o registro, sujeição à multa e até mesmo a cassação do candidato, se eleito. 

A utilização da expressão "pré-candidato" é vedada pelo atual mandatário, mas é possível por aquele desprovido de mandato. A dificuldade hoje á definir o marco inicial e tolerável da "pré-campanha" após a alteração legislativa de 2015.  

Havendo exagero, o gasto antecipado há de ser considerado. E na pré-campanha (fase atual em plena pandemia), já é vedado ao pré-candidato prometer qualquer vantagem ao eleitor. Há risco de uma AIJE após o registro da candidatura, sem prejuízo de antes mesmo do registro o prejudicado demandar o Judiciário e obter liminar em desfavor do infrator, ou até mesmo provocar o MPE. 

Especialmente em tempos de pandemia é preciso muito cuidado com ações filantrópicas, pois certamente casos concretos podem ser tidos pela Justiça Eleitoral como abuso econômico e/ou político.  

A filantropia não pode resultar em proveito eleitoral, principalmente ao argumento da pandemia. 

Adesivos em veículos por pré-candidato, sem pedido explícito de voto, são permitidos. Contudo, é preciso avaliar com critério abusos, a exemplo de grandes quantidades desse tipo de tiragem. Inclusive, a responsabilização do próprio candidato é medida que se impõe ainda que os adesivos tenham sido custeados por amigos e admiradores.   

Também é muito importante não confundir o público / privado. O art. 37, §1º da CF/88 prevê publicações institucionais (prefeituras, governos de estados, etc.), as quais muitas vezes são compartilhadas pelo gestor candidato, ou vice-versa. Dependendo do contexto desse compartilhamento, ou das expressões utilizadas quando desse ação, haverá abuso e a Justiça Eleitoral agirá com rigor legal, sem prejuízo do debate acerca de eventual improbidade pela Justiça Comum. 

A publicidade institucional é impessoal, não se confundindo com a pessoa do gestor, principalmente, se for eventual candidato ou pré-candidato. 

O gestor pode publicar em rede social suas ações (prestação de contas do mandato), inclusive também pode impulsioná-las, mas não pode fazer proselitismo eleitoral. Nuances constantes do texto da postagem que dirão se houve, ou não, ato de précampanha, ou de campanha.     

Com advento da internet e demais plataformas eletrônicas, creio que o dispositivo constitucional (§1º, art. 37) merece modernização de modo a abranger disciplinamento específico para essa atual forma de difusão virtual, assim evitando confusões entre o gestor candidato, ou pré-candidato, e o ente. 

Já se tem notícia da utilização de "Lives" com cantores por pré-candidatos em tempos de pandemia, através de perfis dos pré-candidatos ou de apoiadores. Salvo melhor juízo, esse também já será um desafio da Justiça Eleitoral em 2020, pois a tendência assemelha-se a um showmício, vedado pela legislação. 

Também já há rumores de que candidatos ou pré-candidatos têm distribuído álcool em gel com sua identificação, coloração de campanha, etc. É de suma importância lembrar que a legislação veda a distribuição de camisetas, canetas, chaveiros e de brindes em geral, razão pela qual a distribuição de álcool em gel na atual crise sanitária certamente poderá vir a ser recepcionada pela Justiça Eleitoral como compra de voto. 

Nunca é demais alertar que a compra de votos é passível de sanção não só na esfera eleitoral, mas também em sede criminal eleitoral.   

Em suma, as regras do período eleitoral devem ser seguidas no período préeleitoral, e assim já entendeu o Tribunal Superior Eleitoral. A maior dificuldade hoje é definir o marco tolerável para início do período pré-eleitoral. 

Após 2015 as pré-campanhas, inclusive em tempos de pandemia, têm exigido tão ou mais atenção da Justiça Eleitoral do que as campanhas propriamente ditas, notadamente em tempos de fake news.  Após 2015, com o advento da "pré-campanha", a grande preocupação migrou da multa por propaganda antecipada para o combate ao abuso de poder político e econômico, principalmente dada a subjetividade de cada ação questionada. Cada caso é um caso.  

A pandemia, portanto, não é excludente de ilicitude! 

Das fake news. Do combate à desinformação eleitoral. 

A partir da revolução digital, do crescente acesso à internet e das suas plataformas (redes sociais em geral) a notícia se tornou instantânea e imediata. Todos passamos a ser vetores da notícia. 

Indiferentemente, veículos como a televisão e o rádio têm perdido protagonismo como canais de divulgação dos fatos e difusores também da propaganda eleitoral.  

A ideia de ampla liberdade de expressão, constitucionalmente garantida, é fascinante e contagiante, um post pode atingir milhares de pessoas, a maioria desconhecidas do próprio autor. 

O que é muito positivo trouxe, contudo, a difusão de males, muitas vezes de má-fé. Muitos ainda desprezam, talvez por entenderem protegidos em seus recintos, a existência de modernos mecanismos de rastreamento e localização da origem das divulgações eletrônicas, incluindo o seu próprio percurso.  

As fake news sempre existiram, contudo, a internet e as redes sociais as tornaram verdadeiros tsunamis, dada a velocidade de propagação. Reputações têm sido abaladas, muitas vezes de forma irreparável, principalmente nas eleições de pequenos municípios. 

A problemática é mundial e não atinge apenas o Brasil.  

Apesar das ferramentas de controle e das duras sanções já previstas em nosso ordenamento legal, as quais já me parecem suficientes; o devido processo legal não consegue acompanhar a velocidade da desinformação difundida. 

Em regra, o Judiciário Eleitoral precisa ser provocado, oportunizar o contraditório para somente em seguida decidir. Muitas vezes a sanção pode tardar, de modo que um resultado eleitoral seja, num primeiro momento, comprometido. Eventual punição do beneficiado pela divulgação a desinformação, por si só, não resgatará plenamente o estado anterior.    

Tal fenômeno emergiu a partir do pleito do ano 2016, acentuando em 2018 e inspira muita preocupação nas eleições de 2020, notadamente considerando a possibilidade de o início da divulgação da falsa notícia ultrapassar a própria jurisdição nacional.  

Atenta ao fenômeno, a Justiça Eleitoral (TSE e TREs) não de hoje vem lutando incessantemente para coibir e punir tão nefasta prática. Congressos, seminários, grupos do trabalho, canais de denúncias e de checagem de informações, a exemplo da página Fato ou Boato?, e o próprio engajamento da sociedade civil têm sido constantes.  

Instrumentos de maior controle já foram firmados entre a Justiça Eleitoral, partidos políticos, plataformas digitais, dentre outros. 

As plataformas digitais, inclusive, têm alterado seus termos e políticas internas de modo a combater a desinformação com a máxima celeridade, seja banindo perfis, seja excluindo postagens, seja limitando o número de compartilhamentos simultâneos.  

A conscientização quanto à checagem da informação, principalmente por aquele que recebe e compartilha o post é o caminho para o arrefecimento paulatino até desaparecimento desse tsunami. Tal premissa, por óbvio, se aplica ao próprio candidato ou pré-candidato, simpatizantes e apoiadores, e, inclusive, assim é exigida pela resolução TSE 23.610, sem prejuízo de responsabilidade penal (art. 9º).   

A resolução TSE 23.610, que trata da propaganda eleitoral, do horário eleitoral gratuito e das condutas ilícitas praticadas em campanha trouxe várias inovações para a Eleição 2020, merecendo destaque o poder de polícia conferido ao juiz eleitoral quanto à possibilidade de remoção de propaganda irregular na internet, até mesmo de ofício (art. 8º). 

A norma também trata de medidas de combate à desinformação, aí incluindo a vedação da contratação ou realização de disparo em massa de propaganda eleitoral em plataformas pagas na internet, a exemplo do popular whatsapp. O art. 9º exige que ao publicar conteúdos em sua propaganda eleitoral, inclusive veiculados por terceiros, o candidato, o partido ou a coligação deve verificar a procedência da informação. Se a divulgação for comprovadamente inverídica, caberá direito de resposta ao prejudicado/ofendido, sem prejuízo da eventual responsabilização penal do responsável. 

A propósito, a resolução TSE 23.610 prevê multas além de fazer referência aos tipos penais previstos na legislação federal (Código Eleitoral e Lei das Eleições). 

Assim, é sempre oportuno lembrar que tanto o autor da notícia falsa como seus propaladores, estão sujeitos à severas sanções, inclusive de ordem penal. Uma fake news é, portanto, crime! 

É preciso, contudo, ressalvar casos eivados de imunidade parlamentar, e desde que a manifestação efetivamente ocorra no exercício do mandato. Tal aspecto, por certo, será palco de intensos debates nas Cortes Eleitorais, exigindo dos julgadores dirimir se ocorridas, ou não, no ambiente e/ou no exercício legislativo.    

Uns defendem que uma fake news se caracteriza quando inteiramente falsa; já outros conjecturam que a desinformação sendo parcialmente verdadeira já seria uma fake news, mas também há quem defenda que uma fake news somente se caracteriza se presente o interesse de prejudicar (dolo). 

É de suma importância lembrar que a falsa notícia está umbilicalmente ligada aos crimes contra a honra: calúnia eleitoral (imputar crime, 6 meses a 2 anos e multa, art. 324 do Código Eleitoral), injúria eleitoral (ofender, art. 326 do Código Eleitoral, detenção de até 6 meses e multa) e difamação eleitoral (deturpar fato verdadeiro, art. 325 do Código Eleitoral, 3 meses a 1 ano e multa). 

Ao lado disso, a novel lei 13.834/2019, acrescentou o art. 326-A ao Código Eleitoral, tipificando a denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, prevendo pena de prisão de 2 meses a 8 anos. 

Se trata de uma norma do tipo aberto e justamente a partir das Eleições 2020 que a Justiça Eleitoral passará a interpretá-la com profundidade. Registro, porém, que o legislador de 2019 perdeu uma grande oportunidade ao não agravar os crimes de calúnia eleitoral, injúria eleitoral e difamação eleitoral quando propagados por meio de ambiente eletrônico. 

Não custa rememorar que a partir da reforma de 2009, seguida das alterações de 2013 e 2017, o art. 57 da Lei das Eleições também foi desdobrado, surgindo os arts. 57A a 57-J para regular a propaganda na internet, estabelecendo o permitido e o vedado, fixando multas, sem prejuízo das sanções civis e criminais. 

Portanto, já há arcabouço normativo suficiente a coibir e sancionar as fake news, sendo desnecessária a edição de novas normas, como pretendem os variados projetos de lei que atualmente tramitam no congresso nacional. 

Assim, o maior desafio em 2020 será observância à ética eleitoral, à checagem prévia e à conscientização da sociedade quanto aos nefastos efeitos decorrentes da difusão da desinformação em prejuízo próprio dela sociedade e eleitor, aí incluindo a certeza de que em situações específicas certamente haverá severa punição não só dos candidatos.          

Adiamento das Eleições (pandemia)? 

Muito tem se especulado qual será o destino das eleições 2020. Particularmente, não vejo razão para não haja sua realização. A votação eletrônica é extremamente rápida (exclusivamente para prefeito e vereador), durando alguns segundos, e a população já conhece bem a funcionalidade. Não temos visto aglomerações nas últimas eleições municipais. 

Acredito que ideias como prorrogação de mandatos, ou mesmo unificação de eleições, não chegarão a termo, seja por desnecessidade, custos elevados e, principalmente por contrariarem a democracia e a legítima alternância dos nossos representantes. A sociedade perderia. 

Num cenário menos positivo estima-se que perdurando os efeitos da pandemia as eleições ocorrerão nos meses de novembro (1º turno, talvez 15/11) e dezembro (2º turno), mas ainda no corrente ano de 2020. 

Urge a promoção das respectivas alterações legais, de modo a atualizar e adequar o calendário eleitoral, a exemplo do próprio prazo de desincompatibilização eleitoral (6 meses antes da eleição). 

Finalmente, em tempos de pandemia a campanha será iniciada, aí incluindo a propaganda virtual, e o combate às fake news certamente regerá a tônica do pleito. 

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*Leonardo Gonçalves Maia é sócio fundador do Maia e Castelo Branco Advogados, Especialista em Direito Contratual pela UFPE, Secretário-geral da Comissão de Direito Comercial do Instituto dos Advogados de Pernambuco - IAP, membro da Comissão de Acompanhamento Legislativo da OAB/PE. 

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